sábado, 27 de fevereiro de 2016

Lila

Lila de Marilynne Robinson



Um livro que fala “da existência, das grandes tempestades que a assolam”. Uma extraordinária reflexão sobre a vida, a pobreza, a solidão, o crime, o amor, a intimidade e a religião feita com uma profundidade e uma delicada subtileza que nos toca profundamente quer pelo lado racional quer pelo lado emotivo e afectivo.

Calvino, o pregador protestante francês do século XVI, é o inspirador de Marilynne Robinson, ela própria crente da Igreja Congregacionista de orientação calvinista, que o refere várias vezes no romance.

O romance tem uma faceta de fluxo da consciência decorrendo das impressões, sentimentos e pensamentos de Lila sobre o seu passado, o seu presente, os planos e alternativas de futuro, as pessoas que conhece e os fragmentos da Bíblia que lê.

O texto tem um sabor amargo e triste, desenrola-se num ambiente melancólico e tende para reflexões amarguradas “Se o Senhor não existir, então as coisas são só como as vemos. E isso é muito difícil de aceitar. Quer dizer não está certo”. Aqui chegamos a outro ponto crucial do livro, a ausência de acção, fixando-se na simples aceitação do que vai sucedendo sem que a revolta aflore a não ser em momentos negativos de raiva, vingança e morte, nunca canalizada para acções positivas de mudança.

Aqui está o ponto em que uma postura mais positiva, mais actuante poderia fazer a diferença. Se o mundo que vemos não está certo, e a abundância de sofrimento, injustiça e miséria assim o atestam, então temos que fazer alguma coisa, temos de actuar, de agir em uníssono com todos os que o queiram alterar, não basta esperar que Deus exista.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Russia e Europa: uma parte do todo



A Rússia e a Europa: uma parte do todo por José Milhazes

Um livro que destoa, pela negativa, de toda uma coleção, os livros da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de obras sérias e de qualidade indiscutível. A análise é substituída pela opinião, o conhecimento pela banalidade, o rigor pela propaganda, numa amálgama que nos deixa boquiabertos com a desfaçatez do autor.

Nada se aprende sobre a história da Rússia e como ela influência o seu presente, nada se compreende da sua posição geopolítica, nada se conclui da panóplia de povos e culturas que a federação inclui, nada se questiona sobre a estratégia e os objetivos da política externa desta enorme nação euro-asiática, que se encontra na encruzilhada entre a Europa e o extremo oriente, com fronteiras tão diversas como a Polónia, e a Finlândia, mas também com os Estados Unidos, com a China, com o Japão.

Sem avançar com qualquer argumento histórico, cultural ou geográfico Milhazes insiste que a Rússia é europeia e que deve submeter-se ao Ocidente e integrar-se na União Europeia. E vai mais longe advoga que a União Europeia deve promover um golpe de Estado naquele país de forma a colocar no poder atores políticos seus aliados – “e possa ocorrer um golpe palaciano com vista a mudar a política do país. Este processo talvez pudesse ser acelerado se a EU revelasse mais eficácia”!

Inacreditável como pode este texto ser incluído na coleção FFMS. Mau de mais.

Portugal e o Espaço

Portugal e o Espaço por Manuel Paiva

Manuel Paiva é um dos mais destacados cientistas na investigação biomédica no espaço. Fez toda a sua carreira na Bélgica tendo sido Professor na Faculdade de Medicina da Universidade Livre de Bruxelas. Participou em dez missões espaciais concebendo e desenhando experiências que foram realizadas no espaço. Um talento impressionante totalmente desaproveitado no nosso país.

Neste seu livro analisa o complexo industrial-científico espacial português e a sua inserção no espaço europeu. O retrato que apresenta é um sector desequilibrado, artificial e dependente do exterior.

Desequilibrado na medida em que a componente científica está muito mais desenvolvida do que o setor industrial. Manuel Paiva destaca a qualidade de alguns centros e laboratórios como o Centro de Astronomia da Universidade do Porto em que “a produção científica é excelente, não só pelo número de publicações (527 artigos em revistas internacionais até abril de 2011) mas principalmente pelo seu impacto, com um total de 13.218 citações”, o Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa ou ainda Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico. Nestes centros cientistas como Nuno Cardoso dos Santos, Francisco Lobo e outros estudam temas diversos como os exoplanetas “os planetas em órbita de outras estrelas que não o Sol” ou cosmologia quântica “o estudo da estrutura e da evolução do Universo”.

Do lado das empresas o panorama é desolador. Uma escassa dúzia de empresas e é tudo. E o setor só arrancou graças à política britânica do “quero o meu dinheiro de volta”. De acordo com este princípio as contribuições dos estados para o orçamento ESA (European Space Agency – Agência Espacial Europeia) devem depois ser aplicados proporcionalmente nos mesmos países quando se trata de compra de materiais para os grandes projetos espaciais (que são projetos de centenas de milhões de euros – “o custo da aventura marciana n ser de várias centenas de milhares de milhões”). Assim com a adesão de Portugal à ESA no ano 2000 o país passou a poder contar com encomendas para a sua indústria. Como ela é muito incipiente algumas empresas estrangeiras vieram instalar-se em Portugal para beneficiar da quota de encomendas portuguesa.

Vemos então que é um setor algo artificial que existe graças a encomendas decididas por critérios políticos e não por mérito da iniciativa privada e que mesmo assim a famosa iniciativa privada portuguesa não consegue responder e são os estrangeiros que ficam com a nossa quota.

Interessante ver como o pragmatismo e a colaboração vão lado a lado com a competição na exploração do espaço, nomeadamente entre os grandes rivais os Estados Unidos e a Rússia “Em 28 de junho de 2015, o lançador Falcon da empresa Space X, cuja capsula Dragon ia abastecer a ISS (estação espacial internacional), explodiu pouco depois da deslocagem. Uma das consequências deste desaire foi a assinatura de um novo acordo entre norte-americanos e os russos para que os velhos lançadores Soyuz continuassem a ser utilizados para o transporte de astronautas até, pelo menos 2019. Durante os próximos anos os russos continuaram a ser os únicos que levarão astronautas até a ISS. “.


Um pequeno livro com muita e interessante informação, escrito de forma muito direta e acessível. Dos melhores desta coleção.