sexta-feira, 30 de março de 2018

Os Offshores do nosso quotidiano

Os Offshores do nosso quotidiano por Carlos Pimenta

Nascidos na fase avançada do capitalismo, a que vários autores denominaram de imperialismo e outros de mundialização ou primeira globalização, os offshores são um refugio fiscal disponível para as multinacionais e as grande fortunas, uma poderosa arma de guerra económica que priva alguns Estados das suas receitas fiscais canalizando-as parcialmente para outros, um instrumento de pressão sobre os sistemas de proteção social limitando-lhes as receitas e uma forma de reciclagem e branqueamento das receitas colossais do mundo do crime e do trafego internacionais.

Não admira assim que os principais offshores do mundo, estejam situados em países muito desenvolvidos. A ideia transmitida por certos media de que os offshores se situam em ilhas paradisíacas sem lei e sem controlo não passa de um mito.

O Reino Unido é o país que oferece uma lista mais completa e diversificada de offshores (Ilhas Virgens Britânicas, Jersey, Gibraltar, Ilha de Mann, Ilhas Caimão, Guernsey, Montserrat e outros). De facto a estabilidade política e a segurança dos bens são essenciais nos offshores e devem poder ser defendidos por um Estado forte.

Este livro, muito didático, do Professor Carlos Pimenta, escrito sobre a forma de perguntas e respostas, dá-nos uma visão muito completa do que são os offshores, uma perspetiva de onde estão e quem os gere, uma reflexão sobre as nefastas consequências que provocam nas sociedade e pistas relevantes sobre como combater este fenómeno.

Sem dúvida um excelente livro de introdução ao tema que surpreende pela profundidade de algumas análises e por múltiplas observações de grande argúcia.

Indispensável para quem queira perceber o mundo secreto dos offshores, o seu papel no seio da economia mundial e como os regular e erradicar.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Hoje, como ontem: o Estado Novo



Hoje, como ontem: o Estado Novo por Marcelo Caetano

Em 1946 terminada a II Guerra Mundial que derrotara o fascismo italiano e o nazismo alemão uma novo alento percorreu a oposição ao Estado Novo que contou ingenuamente com algum apoio externo para derrubar Salazar e democratizar Portugal.

Ancorado nas classes dominantes agrárias e na incipiente burguesia industrial, capitalizando o apoio concedido a americanos e ingleses na fase final da guerra, recorrendo à repressão policial, mantendo a censura, viciando as eleições legislativas de 1946 em que só a União Nacional pôde concorrer e a oposição organizada no MUD (Movimento de Unidade Democrática) impedida de o fazer, Salazar manteve-se solidamente a sua posição de ditador.

Marcelo Caetano, Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa (1940-1944) e Ministro das Colónias e figura destacada da União Nacional profere este discurso no Porto em 1946.

Começa por recordar os erros da I República, segue com um panegirico a Salazar, prossegue com um elogio de 20 anos de ditadura e acaba elencando as prioridades para o futuro.

Marcelo Caetano pressente que a questão social, com tantos a viver na miséria, ganha uma nova centralidade no evoluir da situação política – “Ouço dizer que com um nível de vida baixíssimo e vejo fazer dessa afirmação um estandarte revolucionário”. Note-se a distância ao povo que esta frase denota denunciada pelo uso da palavra “ouço”. Claro que logo contrapõe que “ Não se podem exigir milagres…”. Apesar disso propõe uma “campanha de assistência social” baseada “sobretudo a solidariedade” mais do que no “socorro material”, concentrando-se no “amparo, guia e ensino”.
Um discurso programático que muito revela da política do pós-guerra da ditadura de Salazar.

Outros problemas que elenca são a democracia, a ideologia e a educação.
Quanto à democracia a sua solução é simples “Ao menos em Portugal, nada nos diz que se possa dispensar um governo forte e com permanência…”, i.e., manter a ditadura.

Na questão ideológica afasta-se do seu anterior radicalismo pró-fascista e quer fazer-se passar por democrata-cristão “Esta afirmação dos princípios cristãos na política” mas não deixa de criticar “certos excessos esquerdistas de alguns cristãos-sociais”. Com isto pretende legitimar o regime no seio de uma Europa ocidental dirigida por democratas-cristãos e social-democratas.

Para a educação, área em que Portugal ocupa, como hoje, um dos últimos lugares na Europa, propõe mantê-la elitista para que Portugal “possa contar com um escol moral e tecnicamente bem formado” e “para que a colonização dos territórios ultramarinos seja feita por elementos aptos a manter o prestígio europeu e português perante as populações indígenas em evolução”. Este parágrafo é revelador, as incultas populações portuguesas são equiparadas em instrução às populações indígenas das colónias. Uma realidade difícil de esconder.

Um livro revelador da política do Estado Novo para manter o fascismo em Portugal num momento em que a Europa ocidental adotava um novo figurino político. Desfaz o mito muito propagandeado de que Caetano seria um “liberal” do regime, quando pelo contrário todo o seu percurso foi a de um fiel seguidor e apoiante da ditadura salazarista, mesmo em períodos como em 1946 em que o regime esteve prestes a cair.



quarta-feira, 21 de março de 2018

O Banquete



O Banquete por Platão

O método de Sócrates é o da honesta e sistemática inquirição das ideias dos seus discípulos, revelando assim as fraquezas da lógica por eles utilizada. E, ao mesmo tempo, que destrói os fundamentos do pensamento alheio constrói uma teoria alternativa indisputável porque solidamente ancorada em factos e princípios com que todos concordaram.

Em o Banquete discute-se o Amor durante uma festa organizada para comemorar a vitória de Ágaton no concurso de teatro com a sua primeira tragédia, um tema proposto por Fedro mas publicamente defendido por Erixímaco.

Muitos tomam a palavra antes de Sócrates expondo as suas ideias. Fedro analisa a diferença entre amante e amado, colocando o acento tónico no amante. Pausânias distingue entre “amor celeste” e “amor popular”, definindo o primeiro como “afeição que se concede em vista da virtude”. Note-se que o amor debatido por estes dois primeiros oradores surge entre um amante mais velho e um amado mais jovem. Um amor homossexual e de diferença de idades significativa.

Erixímaco, o médico, vê o amor como harmonia de contrários. Tal como a harmonia surge da conjugação do grave e do agudo, o ritmo do lento e do rápido, o tempo meteorológico do quente e do frio, do seco e do húmido, assim o amor nasce da união de dois pólos.

Tomou a palavra Aristófanes para argumentar ser o Amor o mais jovem dos deuses e a sua teoria da reminiscência. Antigamente os seres humanos eram diferentes e tinha três géneros, masculino, feminino e hermafrodita a que chama andrógeno. Assustados com o poder crescente desses seres poderosos os deuses dividiram-nos em dois. Hoje todos nós buscamos a nossa outra metade com a qual queremos fundir-nos. Assim os antigos seres masculinos são atualmente os homossexuais, as antigas mulheres as lésbicas e os antigos andróginos os atuais heterossexuais.

Ágaton segue um caminho diferente, define a natureza do Amor e daí aduzir os seus efeitos. Do Amor diz que é belo, jovem, de temperamento maleável, de compleição subtil, elegante, corajoso e sábio. Como consequências refere que o Amor é “pai da Volúpia, da Doçura, do Requinte, das Graças, do Desejo e da Saudade”.

Por último Sócrates intervém refutando desde logo os atributos que Ágaton atribuiu ao Amor. Diz que se ama o que se não possui ou o que queremos continuar a ter no futuro e tememos perder. Ora como se ama o belo e o bem, o belo e o bem não podem ser atributos do amor. Afirma que o Amor é fruto da Pobreza e do Engenho.

Para que serve então o Amor das coisas belas e boas? Para ser Feliz. Acaba definindo o Amor como o “desejo de possuir o Bem para sempre”.

O objetivo do Amor é “gerar no Belo” já que “todos os seres humanos são dotados de fecundidade, não só no corpo mas também no seu espírito” e gerar para ser imortal. E a maior imortalidade encontra-se na procura do conhecimento e na obra que se deixa às gerações futuras já que “a beleza espiritual sobreleva à beleza física”.


Um livro que muitos séculos depois de ter sido redigido por Platão mantém plena atualidade pelo tema que desenvolve e pelas respostas que dá.