quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Poemas de Circunstância

                                      Poemas de Circunstância de António Cardoso

 

Os ecos de Virgílio Ferreira no verso “Ainda um dia vou partir / nesse comboio do mato / que tem dor no vagão J” e que depois reviverão em José Mário Branco quando canta “vim de longe/ eu vou para longe” o poema Comboio de Malange acaba com toda a gente a repetir “Minha terra / minha terra / minha terra”. Poemas que, literariamente, se fundam no passado e constroem o futuro.

 

A viagem, a partida, como vias para a mudança, para o amor, o amanhã, a transformação pessoal e social. Mas, e sem contradição, também as raízes, a terra, o povo africano, na sua humanidade sofrida e heroica.

 

Um pequeno livro de catorze poemas simples, diretos, mas comoventes que nos incitam a pensar e nos ensinam a ver a realidade com outros olhos.

 

António Cardoso (1933-2006), branco, nacionalista angolano lutou contra o colonialismo português, condenado a 14 anos de prisão pelo regime fascista, depois da independência desempenhou vários cargos e foi um dos fundadores da União dos Escritores de Angola.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

As Sete Luas de Maali Almeida


 

As Sete Luas de Maali Almeida por Shehan Karunatilaka

 

Maali Almeida, fotógrafo de guerra, testemunha de crimes, é assassinado em Colombo, Sri Lanka, nos anos 90, um país envolvido numa sangrenta guerra fratricida entre cingaleses e tâmules, entre budistas e hindus, entre comunistas e fascistas. Ao longo de sete luas seguiremos a pista que nos conduzirá ao assassino e às fotos que testemunham o grande massacre de 1983 e o segredo que revelam.

 

Os burgher são o grupo étnico dos descendentes dos portugueses e dos holandeses. Daí o nome Almeida do principal personagem.

 

A alma humana, no seu pior, a intolerância, a crueldade, a vingança, a ganância, a crendice irracional, a corrupção desenfreada, mas também o amor, do perdão e a busca da felicidade. Uma sociedade dividida, em que os desaparecimentos, a tortura, o assassinato político se tornaram comuns. Uma história contada ao ritmo policial, com humor e extrema sensibilidade. Combinando o realismo mágico asiático com a ficção histórica Karunatilaka vem na senda de Salman Rushdie.

 

Um livro fantástico que vale, por si só, um Prémio Nobel.

 

Shehan Karunatilaka (n. 1975), jornalista, músico, escritor vive em Singapura. Com esta obra ganhou o Booker Prize de 2022.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

No País das Tropelias e Desventuras

No País das Tropelias e Desventuras de Luísa Fresta

com ilustrações de Maria Silva

 

Um livro infantojuvenil que foge ao estereótipo deste género literário e não nos apresenta um final cor-de-rosa e feliz mas antes nos deixa matéria para pensar e refletir. Aqui não se prescrevem moralismos estreitos e imediatistas mas antes se abre espaço para, por nós mesmos, chegarmos à conclusão mais justa e correta.

 

Cinco contos imaginativos, a maioria com crianças como protagonistas, e sempre com um acontecimento inesperado ou uma paisagem misteriosa. As aboboras falantes, as cabras sábias, os lagos oráculos, as cegonhas discriminadas, as ovelhas abatidas povoam estes mundos enigmáticos e belos, mas que também podem ser cruéis e preconceituosos.

 

Um ritmo, uma cadência adequados aos jovens, uma escrita fluída mas elaborada, longe das frases uni linha, bem ilustrado sem que o desenho afogue o texto. Um equilíbrio bem conseguido. Um livro sério candidato a integrar a lista do Plano Nacional de Leitura em Portugal.

 

Luísa Fresta, poetisa e contista portuguesa e angolana tem uma vasta e consistente obra dirigida aos mais novos. Maria Silva é uma jovem ilustradora talentosa.

 


 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Artigo 353


 

Artigo 353 por Tanguy Viel

 

Um promotor imobiliário, sorridente, confiante, aparentemente abastado, chega a uma pequena vila da costa da bretanha perto de Brest. Rapidamente consegue vender o sonho de uma moderna estância balnear e entusiasmar as autoridades locais e os habitantes - operários que juntaram algum pecúlio advindo das indemnizações recebidas pelo seu despedimento do antigo Arsenal que encerrou a atividade.

 

Fechada a indústria o turismo poderia ser a saída para uma vila em decadência virada para o mar. Após o sonho desfeito do socialismo de François Mitterrand em que toda a vila embarcou o investimento especulativo surge como a alternativa – um erro que será pago com língua de pau.

 

Esta é a história de uma vigarice, mas é sobretudo uma dupla radiografia à alma e à sociedade francesa, incapaz de reagir, levando a amargura até ao suicídio e o crime. A profundeza psicológica, o retorno do social, incluindo a luta de classes, tornam este monólogo confessional, uma obra-prima da literatura francesa contemporânea.

 

Tanguy Viel (n. 1973), escritor francês, muito premiado pela sua já extensa obra. Com o Artigo 353 ganhou o Prémio François-Mauriac.