quarta-feira, 25 de março de 2020

A Habitação Apoiada em Portugal


A Habitação Apoiada em Portugal por Ricardo Costa Agarez

Uma história resumida das políticas de habitação em Portugal desde 1918, data em que pela primeira vez o Estado iniciou uma tímida tentativa de investimento em habitação para travar a crise da falta de alojamento, até ao presente.

Ao longo destes mais de cem anos o que ressalta é a incapacidade de cumprir planos, de delinear estratégias credíveis, de conseguir resolver o problema. Onde quase todos os outros Estados da Europa intervieram com sucesso, Portugal ainda não conseguiu encontrar a fórmula que lhe permita evitar que no nosso país muitas pessoas vivam em condições degradantes e desumanas.

Um país em que o primeiro censo a incluir o tema da habitação foi o de 1970 – altura em que se apurou que quase 40% das famílias não tinham luz elétrica, 50% não tinha água canalizada e 70% tinha instalações sanitárias! Um desastre acumulado em décadas de prioridades erradas que nos afastou do padrão europeu.

Um desastre de que ainda não recuperámos volvidos que estão mais meio século desse primeiro censo. Quando olhamos para bairros como o da Jamaica e tantos outros que ainda existem na periferia de Lisboa percebemos quão errada foi a decisão de Cavaco Silva de retirar o Estado central da construção de habitação social e concentrar mais de 70% dos apoios à habitação na bonificação de juros, que apenas serviu para financiar habitação para a classe média-alta.

Um interessante ensaio que peca pela forma pouco estruturada, e muitas vezes confusa, como o autor expõe as suas ideias.

Viagens

Viagens de Olga Tokarczuk

Um livro, vagamente autobiográfico, repleto de histórias, pequenos contos, lições de história, fragmentos de vidas, revelações de ciências, recortes de almanaque, reflecções profundas sobre temas humanos como a memória, a cultura, a religião, a sobrevivência, o corpo humano e a sua anatomia, a morte, a decomposição e a preservação de cadaveres. Uma multidão de motivos e tópicos sucedem-se como uma corrente ininterrupta sem rumo definido nem meta estabelecida. Como a própria argumenta “é a constelação e não a sequência que é portadora da verdade”.

No centro, como um coração, ligando uma extensa rede de vasos que nos levam em todas as direções, encontra-se o tema do movimento e o seu corolário a viagem. Sabemos que partimos mas nunca onde nos leva o devaneio, o percurso desta seiva em ebulição.

Um ponto de vista peculiar “atração que sinto por tudo o que está estragado e rachado, e por tudo o que é imperfeito e defeituoso” e um objetivo condizente nas suas deambulações “rastrear erros na criação e desacertos na natureza”.

Imagens e frases memoráveis inundam as páginas - “uma dor crónica fossilizada”, “a casa pensa que o seu proprietário morreu”, “Como construir um Oceano. Instruções”, “Não queria inquieta-los com o facto de não existirem” e tantas outras.

Conceitos iluminados como o de aeroporto como “categoria especial de cidades-estados com uma localização permanente mas cidadãos que variam”, como o de guia turístico “descrever é destruir”, como o dos novos sentidos “a perceção da fala, o sabor da ausência, a faculdade de uma precognição especial. Saber o que não vai acontecer. Ter faro para o que não existe”.

O livro infelizmente contém também alguns preconceitos muito comuns em certos meios racistas do Norte da Europa sobre os povos meridionais “no Sul, onde o sol e o vinho soltam os corpos mais depressa e mais descaradamente”.

Histórias sem moral, expostas, para que cada um delas retire o sumo e a interpretação que souber ou entender como a da emigrante polaca habituada a envenenar animais que volta à sua terra natal para matar o seu primeiro namorado agora moribundo.  

Os ecos de Jorge Luís Borges são múltiplos, evidentes e conscientes prova de que uma linhagem não significa perda de vigor criativo nem de singularidade.

O livro ganhou o Man Booker International Prize de 2018 e nesse mesmo ano Olga Tokarczuk venceu o Prémio Nobel. Ambos muito bem merecidos. Ainda há alguma justiça no mundo.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Como tirar proveito dos inimigos

Como tirar proveito dos inimigos por Plutarco

Um livro muito útil que nos ensina muito sobre a natureza humana. Dividido em três partes distintas começa por instruir sobre como tirar proveito dos inimigos, reflete depois nos malefícios dos aduladores e como os identificar e por fim fala-nos da franqueza, base da verdadeira amizade, e de como a utilizar.

Evitar os vícios dos inimigos (“Se te é possível, distingue-te dos que não prestam”), perceber e corrigir as faltas verdadeiras que os inimigos nos apontam, são formas de tomar “o inimigo como mestre gratuito” já que muitos dos nossos defeitos e limitações “percebe-as melhor o inimigo do que o amigo”.

A adulação, de falsos amigos, é muito perigosa porque favorece o vício, não corrige o erro, e torna-nos incapazes de “ser um juiz justo e imparcial de si mesmo”. O adulador é o falso amigo que no infortúnio não nos ajuda e nos abandona pelo que é importante identifica-lo o mais cedo possível antes que seja tarde, não convindo “esperar pela experiência quando esta já não é proveitosa”. Por isso é preciso “por à prova o amigo antes que chegue a necessidade”.

O adulador é falso, servil, “obsequioso”, “molda-se constantemente aquele a quem pretende agradar”, “confunde todos os valores morais”, “faz promessas incoerentes”, e segue várias táticas: pode ser ele a elogiar de viva voz ou silenciosamente ou colocar os elogios na boca de outros. O grande perigo são os “elogios que convertem vícios em virtudes”. Acima de tudo o adulador “procura afastar os verdadeiros amigos”.

Em total contraste o amigo usa a franqueza, uma virtude que deve ser usada com tato – “é feio para fugir da adulação com uma desmedida franqueza destruir a amizade e a solicitude”, porque a partir de certo ponto a franqueza deixa de ser proveitosa, nomeadamente se “parecer que censuramos o amigo por motivos próprios” já que “a franqueza é algo amistoso e honroso, mas a censura é algo egoísta e mesquinho”.

Importante é a forma como a franqueza dever ser administrada, afastando completamente a troça, “supriremos da nossa franqueza os condimentos desagradáveis: orgulho, riso, chacota e troça”, falando em privado e nunca em público – “em segredo e sem convocar uma assembleia, sem ostentação e sem testemunho de espectadores”, e suavizando o discurso - “nem uma alma apaixonada aceita a franqueza e admoestação desnudas”, evitando a polémica e apaziguando os ânimos de seguida.

Um livro que todos deviam ler.

A tradução da edição das “Coisas de Ler”, contudo, cheia de erros não permite uma leitura escorreita do texto.