Torto Arado

 

Torto Arado de Itamar Vieira Júnior

 

Uma história que nos transporta para o lugar do Outro, que nos imerge na vida doce e dura dos Negros das roças brasileiras, onde o jarê é a religião, onde Zeca Chapéu Grande o curador, onde os latifundiários absentistas exploram brutalmente os trabalhadores Negros a troca do simples direito de morar nas terras sem nunca lhes pagar. Onde os encantados montam os corpos e os fazem dançar, onde a terra é fértil, a água abundante, o peixe farto, mas também há períodos de calamitosa seca. Onde a memória recua até África.

 

A crónica de uma família que perante todas as dificuldades perversa a sua dignidade e luta pelos direitos de toda a comunidade.

 

O realismo, o neorrealismo, a literatura empenhada de teor social não está, como muitos o querem fazer crer, morta e enterrada. Ela evoluiu e aqui ressurge em vestes poéticas, femininas, forte e vigoroso mostrando-nos as realidades escondidas, expondo as injustiças, de forma tremendamente humana e tocante.

 

Um livro que mostra como a trilogia, classe, raça e género são pilares de uma ordem que tem de questionada.

 

Este romance enternecedor tem, se houver justiça no mundo, de valer a Itamar Vieira Júnior o Prémio Nobel da Literatura. Sem dúvida que o merece.

A Curva do Rio

A Curva do Rio de V.S. Naipaul

 

Um romance monumental sobre África e o seu devir vistos pelos olhos de um jovem adulto africano muçulmano de origem indiana. O colonialismo, o neocolonialismo, a imitação da Europa, a violência tribal e política, a religião, o desenvolvimento, o povo do mato, as relações raciais são temas abordados com profundidade, sensatez e enorme realismo e perspicácia.

 

A cidade na curva do rio é a cidade africana por excelência, governada de longe com mão de ferro pelo Grande Chefe, desprezada pelas populações agrícolas, esquecida pelos poderes centrais, invadida pelo mato, que se vai degradando e afundando.

 

As relações humanas, a escravidão que subsiste, a amor, o adultério, os casamentos combinados, o desânimo, os negócios, a corrupção e a extorsão, a prepotência e a incompetência, tudo se funde e determina a vida de um pacato e incauto comerciante que se interroga continuamente sobre o seu papel e o seu futuro na vida.

 

V.S. Naipaul (1932-2018), escritor trindadense de origem indiana, ganhou numerosos prémios literários entre eles o Booker Prize em 1971 e o Prémio Nobel da Literatura em 2001. Um dos grandes escritores do século XX de língua inglesa.

 

A Rainha Ginga

 

A Rainha Ginga de José Eduardo Agualusa

 

Um livro que surpreende. Pelo jogo de sombras. Promete ser um romance histórico mas não o é verdadeiramente. Anuncia-se sobre a Rainha Ginga mas esta surge como personagem secundária ausente de grande parte do romance. Um padre católico fala na primeira pessoa mas pouco se fala de religião. Um livro sobre Angola que se passa em grande parte no Brasil sob domínio holandês. Personagens portugueses que nunca pisaram o solo português.

 

No meio destes paradoxos, destes desencontros, destas identidades equivocadas, e também de muitas aventuras e desventuras, guerras, cercos, doenças e atos heroicos, corre a história de uma vida atribulada, longa e imperfeita.

 

Recheado com deliciosos provérbios e histórias africanas. O macaco que queria salvar o peixe firma-se como uma alegoria inultrapassável do proselitismo religioso. Na mouche.

 

O romance decorre, em termos da cronologia portuguesa, entre o tempo do último dos três Filipes e os anos da Restauração da independência. Bem investigado, ancora-se em relatos da época o que transmite confiança ao leitor.

 

José Eduardo Agualusa (n. 1960), angolano, jornalista e escritor tem uma vasta obra literária e uma coleção de prémios de que se destaca o Prémio Literário Internacional de Dublin de 2018.