quarta-feira, 27 de março de 2019

Do Monte Cara vê-se o Mundo

Do Monte Cara vê-se o Mundo de Germano Almeida

A cidade do Mindelo na ilha de São Vicente é o cenário deste romance de Germano Almeida o consagrado escritor cabo-verdiano vencedor do Prémio Camões em 2018.

Tendo como personagem central um octogenário Pepe a trama cobre um período longo de tempo quer antes quer depois da independência do arquipélago atlântico, permitindo ao autor falar de temas como o movimento da Claridade, a inauguração do primeiro cinema da ilha, as revoltas contra o jugo colonial e outros. Pena é que apenas os mencione ao faça ao correr da pena sem sobre eles se deter, o que poderia dar uma outra densidade e profundidade histórica quer à figura de Pepe quer à obra.

Na realidade o livro foca-se quase exclusivamente sobre a vida sexual dos diversos personagens, enumerando parceiros, relatando práticas, detendo-se a cada passo para descrever as cenas da intimidade de cada um. A vida de Júlia é escalpelizada ao detalhe, numa cronologia rigorosa dos homens da sua vida, o mesmo acontecendo com a sua mãe. Na verdade Pepe, o personagem central, acaba, com algumas décadas de intervalo, na cama com as duas.

Dos temas que eivam a Literatura Cabo-verdiana a emigração também aqui é aflorada na sua vertente de destino Roterdão. A fome não é aqui abordada uma vez que grande parte da história se passa já depois da independência, embora pela idade e pelas lembranças da Claridade, Pepe tivesse idade para as ter experimentado, nomeadamente a grande fome de 1947 que ceifou milhares de vidas perante a indiferença do poder colonial português.

Como muitos autores cabo-verdianos, Germano Almeida, não resiste a incluir na língua portuguesa algumas expressões da língua cabo-verdiana, nomeadamente algumas relativas ao tópico sexual do livro e outras já mais gastas e conhecidas. Esta prática que teve o seu tempo em autores como Manuel Lopes contínua presente na escrita de alguns autores contemporâneos passados mais de 50 anos.

Depois de obras como O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo não podemos deixar de considerar que este livro é título menor na vasta obra de Germano Almeida.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Alternativa patriótica e de esquerda


Alternativa patriótica e de esquerda

Este livro apresenta e resume as principais intervenções na Conferência realizada em Setúbal em Novembro de 2018 pelo Partido Comunista português e explana as linhas de força do pensamento e do programa político desse partido para o Portugal do século XXI.

Uma das principais preocupações é a de encarar e ultrapassar os cinco deficits estruturais do nosso país: o deficit de produção, o deficit demográfico, o deficit energético, o deficit científico e o deficit tecnológico. Vencer estes deficits é transformar o Portugal pobre e atrasado de hoje num Portugal moderno e próspero. É difícil, exige trabalho, implica romper com as políticas prosseguidas nas últimas quatro décadas, mas é possível.

De facto sem maior produção, sem uma re-industrialização do tecido empresarial, sem uma agricultura que permita alimentar a população, não será possível atingir níveis os níveis de bem-estar a que todos aspiramos. Mas esse aumento de produção exige a utilização da ciência e da tecnologia a níveis superiores aos que atualmente as empresas usam. Exige também energia e pessoas. Assim verificamos que estes cinco deficits estão profundamente interligados e na sua eliminação reside o futuro do nosso país.

Mas não será possível reverter estes deficits estruturais sem romper com os constrangimentos que os criaram e aprofundam: o Euro, a moeda alemã imposta à nossa economia, e a dívida pública, que impede o investimento e drena volumosos recursos para o estrangeiro. Sem romper com esta subjugação aos interesses da União Europeia e da Alemanha.

O livro aborda também a solução política dos últimos anos, em que a direita foi arredada do poder e com ela uma política neoliberal de privatizações, de diminuição dos serviços públicos, de redução dos direitos laborais e aumento dos impostos sobre os rendimentos mais baixos e diminuição do IRC. Por ação e pressão do PCP foi possível, mesmo contra a vontade do PS, repor vários direitos, baixar os impostos sobre o trabalho, garantir manuais escolares gratuitos, acabar com o pagamento especial por conta para micro e pequenas empresas e tantas outras medidas de carácter social.

Mas o governo do PS, defende o PCP, não quis ir mais longe e sistematicamente seguiu a política determinada pela União Europeia perdendo um boa oportunidade de dar um impulso desenvolvimentista ao país.

Um livro com uma profundidade de analise assinalável, propostas concretas para muitas áreas, mas apesar de bem elaborado surge, a espaços, como algo repetitivo de algumas ideias centrais.

Em ano de eleições é de indispensável leitura. Pode quebrar muitas ideias erradas e muitos preconceitos sobre este Partido.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Inteligência Artificial


Inteligência Artificial de Arlindo Oliveira

Um livro muito interessante que, contudo, pouco fala verdadeiramente de inteligência artificial.

O livro começa com um capítulo sobre a formação do universo e as origens da vida, seguido por outro sobre a evolução tecnológica – “a capacidade para desenvolver tecnologia não resulta diretamente da superior inteligência do ser humano, mas sim da propagação de conhecimento entre gerações, através da cultura”. No terceiro capítulo fala de Máquinas e nas condições necessárias à sua ascensão ao mundo inteligente – “a inteligência humana … consiste na manipulação de representações simbólicas do mundo, e na dedução de novos conhecimentos através da manipulação de representações de factos conhecidos” . A seguir fala de Símbolos e dos primeiros passos dos programas de inteligência artificial, nomeadamente o ELIZA de Wezenbaum, para concluir com o paradoxo de Moravec que nos diz que “é mais fácil reproduzir num computador comportamentos que exigem raciocínios matemáticos complexos do que reconhecer uma face ou perceber a linguagem falada, algo que uma criança faz com facilidade”.

No sexto capítulo discute-se a possibilidade de um programa informático aprender e explica o princípio dos programa de AI que começam a fazê-lo. O automóvel capaz sem condutor é explicado de forma clara “Para conduzir o sistema tem de gerar à saída dois números: um número representa o ângulo do volante, o outro a pressão no acelerador (se for positivo) ou a pressão no travão (se for negativo). Estes dois números bastam para conduzir qualquer veículo…”.

Pode um computador replicar um cérebro e as complexas interações entre os neurónios? Ainda não. Os cientistas estão e tentar fazê-lo com o cérebro de um pequeno verme cujo sistema nervoso tem apenas 302 neurónios e o animal 959 células aos todo. Um cérebro humano tem 100 mil neurónios e um número de sinapses, ligações entre neurónios, de 1.000 biliões. Tarefa ainda não atingida, por várias ordens de razões. No entanto não é tarefa impossível e será certamente conseguida “ainda no século XXI”.

E um computador consciente? Provavelmente será construído no futuro. Todo este mundo novo implica riscos? Sem dúvida, mas as vantagens parecem ser maiores que todos os efeitos eventualmente negativos.

O posfácio inclui uma apetitosa lista de leituras sobre os vários temas.

Em resumo um ensaio interessante apesar de excessivamente generalista e disperso por assuntos apenas remotamente ligados ao tema principal.