domingo, 25 de junho de 2017

Amok

Amok

Qual a natureza da loucura tropical que se apodera do ser humano e o compele a praticar as ações mais estranhas, díspares e contrárias ao seu carácter? Que trauma, que sentimento desencadeiam este estado de agitação, determinação e violência que os malaios designam por amok?

Classificado em termos clínicos como a síndrome de amok por Joseph Westermeyer muito depois deste livro ter sido escrito e o seu autor enterrado, consiste num “comportamento homicida e consequentemente suicida de indivíduos instáveis mentalmente que resulta em múltiplas lesões e mortes para os outros”. Foi no entanto Freud quem primeiro estudou o tema. Eis a ciência a inspirar a literatura e depois a segui-la. Uma relação dialética frutuosa.

O termo entrou no português vindo do oriente como amoque, com o significado de acesso de loucura violenta e homicida, mas também e mais correntemente numa versão mais branda de acesso de mau humor ou irritabilidade.

O sentido do dever profissional, do dever moral e da lealdade entranhados na mente humana podem ter efeitos estranhos e fatais sobrepondo-se mesmo a outras obrigações sociais.

Nesta novela, publicada em 1922 no jornal Neue Freie Presse, o isolamento cultural, a imersão numa civilização de que se não percebem os contornos e as regras, a violência colonial, o clima adverso, contribuem para um estado psicológico fragilizado de um homem de natureza fraca e imoral que desemboca numa fatal obsessão irracional.

Stefan Zweig (1881-1942), escritor austríaco filho de um rico industrial judeu, viu-se forçado com a emergência do nazismo ao exílio. Pouco depois, em 1938, a sua pátria foi anexada (o Anschluss) pela Alemanha e um ano volvido, com a invasão da Polónia, começava a II Grande Guerra.

Refugiou-se inicialmente no Reino Unido e mais tarde no Brasil onde veio a suicidar-se, ingerindo uma dose excessiva de barbitúricos, com a mulher Charlotte em 1942. Foi ele que num ensaio intitulado “Brasil, país do futuro” anunciou ao mundo as potencialidades deste imenso estado prenhe de potencialidade nunca concretizadas.

Amok foi adaptado ao cinema por duas vezes.

Uma excelente reflexão sobre os mecanismos psicológicos que levam o individuo à insanidade e ao suicídio.

domingo, 18 de junho de 2017

Notas sobre o Tráfico Português de Escravos

Notas sobre o Tráfico Português de Escravos

Mitos desmontados com factos e números. A mitologia das descobertas e do comércio português exposta friamente. O comércio português durante séculos assentou na escravização de milhões de pessoas, levadas de África para as Américas. Um esquema criminoso de índole comercial fazia uma triangulação sinistra, compravam-se mercadorias na Europa e norte de África que serviam para comprar escravos africanos, depois levados para as fazendas e minas do Brasil que produziam os bens que depois eram vendidos na Europa.

E se primeiro os escravos eram simplesmente raptados das suas comunidades, a Casa Real, a grande beneficiária do tráfego, logo o proibiu para incrementar o comércio. Passou assim a ser vulgar Portugal instigar através da intriga guerras entre os povos africanos para depois lhes vender armas e outros objetos e lhes comprar como escravos os presos de guerra.

Milhões de pessoas, acorrentadas, separadas das suas famílias, foram levadas da costa da Guiné e da costa de Angola para o Brasil e outras tantas vendidas para as Antilhas. Era um comércio bem organizado pela Casa Real que cobrava avultados impostos sobre cada homem, mulher ou criança vendido. Esta infâmia perdurou vários séculos, desde o século XV até ao século XIX.

O tratamento dado pelos colonialistas portugueses às pessoas escravizadas era terrível. Sujeitas a trabalho intenso sem quaisquer direitos e castigadas com crueldade à vontade dos donos. A vida média de uma pessoa a partir do momento em que era escravizada não ultrapassava os 10 anos.

Outro mito que António Carreiras destrói é o de Portugal ter sido pioneiro na abolição da escravatura. Na verdade Portugal foi relutantemente obrigado pela Inglaterra a abandonar este vil negócio. Com a independência dos EUA a Inglaterra deslocou a produção dos bens que produzia na América para outros locais onde não podia utilizar escravos. Para secar o abastecimento americano e para impedir Portugal de lhe fazer concorrência, recorrendo à escravatura, o Reino Unido pressionou os outros países a abandonar esta prática imoral. Portugal aboliu a escravatura devido às pressões externas de uma guerra comercial e não de boa vontade.

Um capítulo pequeno mas significativo descreve os múltiplos instrumentos de aprisionamento e tortura das pessoas escravizadas.
  
António Carreira (1905-1998), português nascido em Cabo Verde na Ilha do Fogo, é uma figura ambígua e muito controversa, tendo por um lado efetuado uma carreira ascendente na administração colonial portuguesa e por outro um etnógrafo e historiador a quem se devem estudos sérios sobre o tráfico português de escravos e trabalhos incontornáveis da historiografia da Guiné-Bissau e de Cabo Verde bem como levantamentos etnográficos importantes sobre a cultura Mandinga.

A sua responsabilidade em 1959 no massacre Pidjiquiti, em que a Polícia colonial portuguesa assassinou dezenas de estivadores em greve, é ainda tema de debate. Este foi o acontecimento que despoletou a luta armada de libertação nacional conduzida pelo PAIGC.

Certo é que foi ele, enquanto administrador da Casa Gouveia, quem alertou a Polícia para a greve, uma vez de cargas destinadas à essa empresa não estavam a ser retiradas dos barcos. Carreira sempre recusou responsabilidade, tendo repetidamente afirmado “o que para mim se aparenta curioso é que nunca tivessem apontado os autores materiais do caso: o Comandante Militar, o Comandante da PSP e os restantes agentes do Governo”.

Um livro muito elucidativo que é essencial ler para perceber a nossa História.

sábado, 10 de junho de 2017

Loucos por Amor

Loucos por Amor

Num pequeno quarto de um motel em pleno deserto de Mojave os dois amantes encontram-se depois de uma longa e dolorosa separação. May recrimina Eddie por a abandonar em favor de outra mulher. Pairando fantasmagoricamente sobre a discussão o pai de ambos é uma sombra negra sempre presente no relacionamento entre os dois.  

Uma peça tensa, densa, sobre uma atração forte, profunda mas dolorosamente fatal entre dois meios-irmãos, Eddie e May, fruto de uma dupla vida do seu pai comum com duas famílias simultâneas mas desconhecidas uma da outra. Quando a arrepiante verdade se descobre a mãe de Eddie suicida-se com um tiro de espingarda e os dois jovens enfrentam um terrível dilema.

O tom é desesperado, a atração dos dois está sempre presente em simultâneo com a consciência da realidade que os separa. A frustração explode a espaços em acusações e violência.

Os diálogos captam e exprimem de forma magnífica os incessantes picos de tensão que se sucedem no tempo, criando um clima eletrizante em que tudo parece prestes a explodir.

Esta obra faz parte de um quinteto de peças de Sam Shepard (n. 1943) o conhecido dramaturgo e ator norte-americano. Loucos por amor foi finalista do Pulitzer para Teatro de 1984. É uma das peças mais representadas nos teatros contemporâneos ocidentais.

Estreada em 1983 nos Estados Unidos foi exibida em Portugal no Teatro Dona Maria II em Lisboa no ano de 2004 numa encenação de João Lourenço e Vera Sampayo Lemos.

Como escritor Sam Shepard recebeu numerosos prémios nomeadamente o Pulitzer em 1979 e o Pen International para Teatro em 2009.