Morte em Veneza por Thomas Mann
Deve um crime, se disfarçado por argumentos intelectuais, por belas palavras que despertem sentimentos nobres, passar como algo normal e aceitável? Ou tornar-se-ão esses argumentos odiosos porque cúmplices, essas palavras vazias porque conspurcadas pela realidade que querem ocultar, esses sentimentos ocos porque deslocados e absurdos em face do indizível? Pode a Literatura absolver o Crime? Eis a questão que a leitura desta obra nos coloca e interpela.
Morte em Veneza oferece-nos, na linguagem velada que utiliza, nas descrições minuciosas dos sentimentos que nos oferece, nas reflexões filosóficas a que se aventura, momentos de rara literatura, de mestria e técnica na arte da escrita, mas nada disso apaga a repugnante defesa que faz, sob o manto diáfano do deslumbramento dos sentidos com a Beleza com letra grande, da pedofilia na total e horrível acessão da palavra.
Um livro perturbante, que nos abre a alma de um escritor pedófilo, que segundo alguns poderia ser o próprio TM. Esse escritor idolatra e ama sinceramente com toda a força da sua alma e toda a sensualidade do seu ser o Belo. Deslumbra-se e perde-se perante a Beleza humana, que apenas vê no seu aspecto carnal.
Atraído pelo seu objecto de desejo como uma borboleta pelo fogo, a personagem vai obcecadamente observa-lo e segui-lo ao ponto de deliberadamente pôr em risco a sua vida e a do amado. Atingido pelo Amor, a sua paixão leva-o à degradação e aos tormentos dos amores não correspondidos.
A dissociação do corpo, que pode ser Belo, da mente, que não lhe interessa, é a fonte de toda a perversão. Desta forma a atracção pode recair sobre uma criança ingénua e indefesa.
Percebendo a sua perversão, o escritor, intelectualiza, chamando inapropriadamente Nietzsche e Platão à colação, vagueia poeticamente pela filosofia e pela estética procurando explicar a sinceridade do seu sentimento e defender a compulsão que se apoderou do seu ser. Mas nada disto apaga ou diminui a sua perversão e o horror do crime que quer cometer. TM percebendo muito bem a questão mata o personagem.
Eu também seria impiedoso.
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