A Ordem do dia de Éric Vuillard
Um livro extraordinário que nos relata os
dias em que os líderes franceses e ingleses procuravam uma política de
aproximação à Alemanha nazi que então se preparava para anexar a Áustria ao
mesmo tempo que expõe de forma clara a íntima relação de apoio dos maiores
conglomerados económicos alemães ao Führer e as vantagens que daí puderam
retirar, nomeadamente em termos de trabalho escravo.
Incomodo para a empresas expostas, entre elas
colossos como a Opel, Krupp, Siemens, IG Farben, Bayer, Allianz, Telefunken,
Agfa, BASF e Varta, inoportuno para os atuais dirigentes europeus que vêm em
silêncio a ascensão ao poder da extrema-direita em vários países da União e que
promovem milícias fascistas na Ucrânia e na Síria, esta obra excecionalmente
bem estruturada, escrita numa linguagem fluida, alicerçada em parágrafos longos
mas claros e diretos, recreando episódios reais, consegue estabelecer no leitor
uma segura empatia com as vítimas e um forte clima emocional que, porém, não
descola do racional.
Rompe com o dogma que perpassa pela
literatura ocidental dos últimos quarenta anos que proíbe os escritores de
falar de temas políticos ou sociais sob pena de as suas obras serem
imediatamente acusados de panfletários e desclassificadas enquanto literatura.
Sobre Gustave Krupp escreve “Durante anos, contratara deportados em
Buchenwald, em Flossenburg, em Sachsenhausen, em Auschwitz e em muitos outros
campos ainda. A sua esperança de vida era de alguns meses. Se o prisioneiro
escapava às doenças infeciosas, acabava por morrer literalmente de fome. Mas
Krupp não era o único a contratar tais serviços. Os seus comparsas da reunião
de 20 de fevereiro beneficiaram também dele; por detrás das paixões criminosas
e das gesticulações políticas, os interesses de todos eles eram assim
acautelados. A guerra tinha sido rentável. A Bayer arrendou não de obra em
Mauthausen. A BWM contratava em Dachau, em Papenburg, em Sachsenhausen, em
Natzweiler.Struthof, e em Bichenwald. A Daimler, em Schirmeck. A IG Farben
recrutava em Ravensbruck, em Dachau, em Mauthausen, e explorava uma fábrica
gigantesca no campo de Auschwitz; a IG Auschwitz, que com todo o impudor surge
com esse nome no organigrama da empresa. A Agfa recrutava em Dachau. A Shell,
em Nueungamme. A Schneider, em Buchenwald. A Telefunken, em Gross-Rossen e a
Siemens, em Buchenwald, em Flosenburg, em Neuengamme em Ravensbrucke, em Sachsenhausen,
em Gross.Rosen e em Auschwitz. Todos se tinham precipitado sobre a mão-de-obra
barata. Não é pois Gustav que naquela noite tem alucinações, no meio do repasto
familiar, são Bertha e os filhos que se recusam a ver. Porque os mortos estão
de facto ai, presentes na sombra”.
Éric Vuillard é um escritor e cineasta
francês curiosamente nascido em Maio de 1968.
Este livro, que venceu o Prémio Goncourt de
2017 vale, seguramente, um Prémio Nobel se o autor viver o suficiente para chegar
à idade em que o Prémio costuma ser atribuído.
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