Crónica do Rei Pasmado de Gonzalo
Torrente Ballester
Um Rei e uma Rainha que desejam ser felizes,
um conde misterioso, um jesuíta corajoso, uma prostituta perspicaz e
conhecedora da natureza humana, um inquisidor-mor bondoso, um frade ambicioso,
um padre que comunica civilizadamente com o Diabo, uma sociedade supersticiosa
e dependente de acontecimentos distantes, são os extraordinários ingredientes desta
mordaz crónica de uns escassos dias da vida de Filipe III que foi Rei de
Portugal durante 19 anos desde que subiu ao trono em 1621 até à Restauração de
1640.
Um enredo efabulado, um cenário repleto de
palácios reais, celas de conventos, carruagens aveludadas, um estio de calor
sufocante, confluem para tornar esta crónica, que reflete sobre os limites do
público e do privado, sobre as relações entre a Igreja e o poder temporal,
sobre a intolerância e a ambição, uma pequena obra-prima repleta de humor e
atualidade.
De um outro ponto de vista, mais sociológico,
temos neste romance uma ilustração do confronto de dois estilos de poder,
raposas e leões como os descrevia Vilfredo Pareto. Os leões que pretendem
governar pela força, apoiados nos autos de fé, nas fogueiras e na eliminação
física dos adversários e as raposas mais astutas e subtis aqui representadas
pelo Inquisidor-mor e pelo Duque de Olivares.
Os personagens portugueses e castelhanos
cruzam-se numa corte em que as intrigas palacianas impulsionadas pelas mais
comezinhas ambições ou desejos pessoais como assegurar descendência, ou ver a
própria esposa nua, revelam um poder prisioneiro da religião, do valido, das
regras da Corte.
Mas a verdade é que Filipe III foi um
poderoso Rei na sua época, estendendo-se o seu domínio pelas quatro partidas do
mundo. Só na Europa foi Rei de Portugal, de Nápoles, dos Países Baixos, da
Sicília, da Sardenha, Príncipe das Astúrias, Duque de Milão, Conde da Borgonha,
Conde de Charolais e Conde de Artois.
Gonzalo Torrente Ballester (1910–1999) foi um
dos grandes escritores espanhóis do século XX, tendo recebido o Prémio Cervantes
em 1985. Apesar de galego nunca escreveu
na língua da sua região, preferindo usar o castelhano.
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