Travessa d'Abençoada por João Bouza da Costa
Uma travessa lisboeta, antro de ladrões, refúgio de
drogados, local de prostituição homossexual, paragem de loucos, com a sua
infeliz e triste procissão de habitantes permanentes e passageiros. Aqui reina
o vício, a pobreza, a sujidade e a infeção moral, mental e física, aqui medram
as flores do mal. Vidas destroçadas, desperdiçadas, quase acabadas, sem saída
nem esperança.
É nesse local inóspito, que em tudo se aproxima de um
inferno na terra, que escolhem viver duas famílias das elites portuguesas – uma
filha de um general com o pai do seu filho que vai nascer e uma filha de um falecido
industrial alemão com o marido e filhos. Que as atraí a este abismo? Porque
querem que os seus filhos cresçam rodeados de tal podridão física e humana? O
livro não responde, nem reflete sobre esta intrigante questão, mas oferece-nos
uma série de histórias, fragmentos de vidas e trajetos paralelos cujo grande elo
de ligação é o de todos confluírem mesma Travessa.
Procurando mostrar erudição, não pela profundidade da reflexão
mas pelos nomes que convoca a propósito de tudo e nada – são mencionados
centenas de pintores, artistas plásticos, escritores, filósofos, músicos e
compositores -, o autor enreda-se completamente numa selva de lianas de
referências sem sentido nem propósito. A exibição de falsa sapiência chega ao
extremo de chamar Okawango, designação do Botswana, ao rio Cubango que gerações
de portugueses aprenderam a identificar como um dos principais rios de Angola.
Perdido no seu intelectualismo Bouza põe nos lábios de
analfabetos, de loucos, de drogados, e até de crianças autistas imagens e
reflexões filosóficas totalmente inverosímeis, completamente deslocadas.
Pior que o intelectualismo é, contudo, a publicidade que
distribui a rodos. Pejado de referências a marcas de tabaco, de carros, de
bebidas, de sabonetes, de sapatos, de roupas e até de lápis o livro tem uma
faceta, triste e embaraçante, de velho, gasto e ineficaz mostruário
publicitário para produtos em fim de estação.
E é pena porque despido do intelectualismo de pacotilha,
amputado da publicidade gratuita, as vidas, as dores e os tormentos retratados
são muitas vezes reais e comoventes e, quando comparado com outros autores
portugueses contemporâneos, muito bem escritas.
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