A Mancha Humana
Sérgio Godinho perguntava na canção se “Pode
alguém ser quem não é?”. Neste romance de Philip Roth conta-nos uma história de
um homem que se transforma, que abandona as raízes, foge ao destino socialmente
imposto e constrói a sua biografia e a sua vida solidamente ancorada em
alicerces que ele próprio edificou. De alguma forma conseguiu ser quem não era.
Mas, paradoxalmente, ao fazê-lo foi quem no fundo era.
A discriminação e o preconceito (“Basta um rótulo. O rótulo é o móbil … O
século vai já demasiado longo para lhe chamarem comunista, embora noutros
tempos o rótulo tivesse sido esse”) constituem uma mancha, uma nódoa de que
a humanidade tarda a libertar-se. “As coisas
são como são – à sua maneira seca e concisa, era só isso que estava a dizer à
rapariga que dava de comer à serpente: nós deixamos uma mancha, deixamos um
rasto, deixamos a nossa marca. Impureza, crueldade, mau trato, erro, excremento,
sémen”.
Não admira que libertar-se das amarras do
passado, do estigma que pode ser em muitas sociedades discriminatórias a cor da
pele, a classe social em que se nasce, a religião da família, seja o desejo de
muitos que preferem reescrever a sua herança e começar com uma nova e mais
aceitável pele. “Tanta ansia, tanta trama
e paixão, tanta subtileza e simulação, tudo para saciar a sede de sair de casa e
transformar-se. Tornar-se um novo ser. Bifurcar-se”. O preço a pagar é o da
perda da autenticidade e a renúncia à herança cultural e familiar. Mas os
ganhos podem ser muitos.
Caminho mais difícil é o de combater o
preconceito e afirmar a diferença, já que exige “Aprender a insistir, a perseverar no esforço em vez de se render, de sucumbir.
Aprender a defender o seu ponto de vista sem recuar”.
Um livro sobre a sociedade norte-americana
pejada de preconceitos discriminatórios, desde o racismo e o sexismo omnipresentes,
aos anátemas sociais contra iletrados, estrangeiros, casais com diferenças de
idade e tantos outros que aqui são revelados na sua crueza.
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