Um dia e uma noite de Jean Sanitas
Jean Sanitas conta-nos episódios verídicos da
Resistência francesa à ocupação alemã durante a II Grande Guerra em que avultam
a coragem, a determinação e o sacrifício da vida pela causa.
Central a toda a narração é a sua própria
prisão aos 16 anos juntamente com o pai e os irmãos e a barbara tortura a que todos
foram sujeitos.
Os detalhes dos espancamentos, das
queimaduras com pontas acesas de cigarros, do mergulho da cabeça em água tépida
são extraordinários testemunhos da sua experiência física e psicológica. À crescente
crueldade dos métodos de tortura ergue-se a forte determinação de nada dizer,
de não trair a família nem os camaradas de armas.
Um livro de memórias que intercala histórias
e detalhes da resistência e nos apresenta através de uma escrita cuidada e de
grande qualidade toda uma panóplia de personagens comuns que num momento
decisivo da história do seu país assumem a sua missão com dignidade e coragem –
“Não nasceu e viveu para chegar ali e
desempenhar certa quinta-feira, entre paredes opressivas de uma prisão, nos
confins da provincia francesa, aquele papel importante, um desses papeis que de
séculos a séculos contribuem para fazer do homem um homem e que pouco a pouco
farão dele outro homem? Sim veio do infinito dos tempos pretéritos, através de
uma longa linhagem de antepassados para trazer essa contribuição à laboriosa
metamorfose da Humanidade”.
Não o fazem para defender uma ideia abstrata
mas as liberdades e o futuro. “Não é o
«solo sagrado da Pátria» que tenho consciência de defender, mas sim a
liberdade, as liberdades, como por exemplo a de dizer mal do presidente da
República…” e mais atrás “o que conta
não é a Pátria, é o Homem”.
Os membros da resistência, uma mescla social
de operários, intelectuais e desportistas – temos inclusivamente um campeão de automobilismo
– são reais e as suas identidades e destinos apresentados em adenda no final da
obra. Eis um deles “Esse domínio de si
mesmo, quase absoluto, é fruto de uma longa maturação, obtida à força de
enfrentar dificuldades e de querer. «As pancadas quebram o vidro e temperam o
aço» escreveu o poeta. E só Deus sabe quantas pancadas recebeu Lenoir ao longo
da sua atormentada experiência. Operário fabril no tempo em que se chamava Bac,
conheceu o trabalho forçado da produção em serie; militante comunista sofreu a
repressão do patronato e da Justiça às suas ordens. Foi posto na rua ou metido
na prisão. Algumas vezes a cadeia seguiu-se ao despedimento. Sentiu nas costas
por mais de uma vez os bastões brancos dos chuis e as bengalas ferradas dos
camelots do rei. Passou pela alegria das greves e pela amargura das
manifestações falhadas. A pobreza foi sempre a sua companheira, uma companheira
temível e ardente da qual aprendeu a ser digno. Em resumo não era de vidro e
por isso adquiriu boa têmpera”.
Jean Sanitas (1927-2016) foi um herói da
resistência, um excecional jornalista e repórter, um escritor, um argumentista
de banda desenhada. Uma vida plurifacetada sempre em luta pelo seu ideal
comunista. Um autor desconhecido em Portugal que urge conhecer melhor.
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