A Louca da Casa de Rosa Montero
Por vezes a mesma palavra, referindo-se à
mesma realidade física, pronunciada em idiomas diferentes ganha conotações
completamente diversas como é o caso de manta-de-retalhos em português e
patchwork em inglês que na língua de Shakespeare remete para uma obra de grande
detalhe, variedade visual e de cuidada composição enquanto na nossa é sinónimo
de trabalho pobre com materiais velhos e de gosto duvidoso.
É a palavra
manta-de-retalhos que quero utilizar para descrever esta obra da escritora castelhana
Rosa Montero (n. 1951) mas dando-lhe o conteúdo positivo do inglês e não aquele que lhe
empresta o português.
Manta-de-retalhos, pois, na medida em que
justapõe cuidadosamente vários estilos, o ensaio breve, o conto imaginativo, o romance no
que a própria autora chama de estilo mestiço. Manta-de-retalhos porque múltiplas
as reflexões empreendidas, os temas abordados, os assuntos analisados e os
motivos convocados que preenchem um texto rico, bem elaborado, tudo unido por
um tom autobiográfico e entrelaçado pela Literatura.
Uma autobiografia contudo toldada pela
imperfeita memória do que passou há muito e pela imaginação, a louca da casa na
feliz expressão da mística Santa Teresa de Jesus.
A necessidade dos escritores de
reconhecimento público mas que nem sempre obtêm em vida, “Como aconteceu, por exemplo, a Hermam Melville, o autor do maravilhoso
Moby Dick, um romance que século e meio depois da sua publicação, continuará a
editar-se e a reverenciar-se, mas que na época não agradou absolutamente a
ninguém, nem sequer aos amigos mais fiéis de Melville”, o destino
divergente de irmãos escritores quase nunca de igual estatura literária mas em
que existem exceções “os irmãos
escritores mais celebres da história são irmãs, a saber, as Bronte, que tinham,
além disso, a graça de ser três em vez de duas”, as personagens que ganham
vida para além da obra e tantos outros temas ancoram-se firmemente no universo
das letras.
Depois há o mundo dos escritores, dos seus
medos, dos seus receios infundados, das suas crenças e atitudes perante a vida,
as suas experiências, as suas traições.
Infelizmente o livro reflete também os
preconceitos de Rosa Montero contra tudo o que não seja a ideologia dominante neoliberal
da atualidade, nomeadamente o comunismo, ataca despudorada e injustificadamente
Gabriel Garcia Marques pela sua amizade com Fidel Castro, o feminismo e outras
ideais ou filosofias divergentes “Detesto
a narrativa utilitária e militante, os romances feministas, ecologistas,
pacifistas ou qualquer outro ista que pensar se possa, porque escrever para
transmitir uma mensagem atraiçoa a função primordial da narrativa, o seu
sentido essencial, que é o da procura de sentido”.
Eu que não vejo como seja possível comunicar
com os outros, através da Literatura, da Arte, ou de qualquer outra forma, sem
ter uma mensagem a transmitir não entendo este posicionamento que sinto apenas como
tentativa de excluir outros e de desenhar um círculo fechado em torno de uma
certa ideia de Literatura inócua e submissa.
Caro Jorge, boa noite.
ResponderEliminarMuito boas leituras fiz aqui no seu blog.
Li, recentemente, "A louca da casa". Gostei muito das alusões que a autora faz aos meandros da criação literária. Chamou minha atenção a importância que ela dá à liberdade criativa e à imaginação na fronteira entre o real e o inconsciente. Penso que foi nesse sentido que ela se referiu ao empobrecimento do texto quando o que move o autor são ideologias, as quais para a imaginação podem resultar amarras.
Continue a publicar as avaliações de suas leituras! São muito oportunas.
Saudações.
Renê.