A Sibila de Agustina Bessa-Luís
A história de três gerações de uma antiga família
proprietários rurais, instalados no território que bordejam o rio Douro no período
que vai de finais do século XIX a meados da centúria seguinte, conta pela linha
feminina que vai de avó à neta, detendo-se longamente na personalidade marcante
da personagem intermédia, Quina, filha de Maria e tia de Germa, a sibila.
Este é um mundo em que as mulheres são
levadas ao altar aos 11 anos (“Olha que a
minha prima do Soito casou aos 11 anos. Aos treze teve dois filhos dum ventre,
e criou-os, que ninguém lá foi criar-lhos”), sofrem uma prolongada
violência doméstica em silêncio, acatam a permanente infidelidade dos maridos, permanecendo
presas à lida domestica e aos trabalhos manuais. A cultura é escassa, as
crendices abundam, a religiosidade mistura-se com o anticlericalismo sem sair
das baias do respeito pela autoridade. A moral está ausente, o assassínio visto
com benevolência ao contrário do roubo proscrito e sancionado (“Um assassino é tolerado, pode partilhar o
pão dos vizinhos, pode fazer esquecer o seu crime. Um ladrão lega a toda a sua
descendência um ferrete”).
A vida no campo é farta para os fidalgos (“e usar com perfeito descaso a sua manta de
marta como ninho de gatos recém-nascidos, e, mais tarde, entregar um enorme
Rolls-Royce com faróis de prata, para poleiro das galinhas”), frugal e
remediada para os proprietários, difícil para os caseiros, miserável para os
criados e trabalhadores assalariados. As classes rigidamente constituídas parecem
castas inamovíveis, ninguém ultrapassa o seu nascimento. Apenas a emigração,
para o Brasil ou para as colónias, pode mudar o destino de um homem.
Escrito do ponto de vista dos proprietários
rurais, repleto de preconceitos contra todas as outras categorias sociais,
oferece uma visão a um tempo realista, no sentido em que descreve com precisão
e detalhe todo o universo duriense, fatalista, não há como fugir ao destino, e
negativa das pessoas e da sociedade que formam. Em todas as personagens os abundantes
defeitos e limitações se sobrepõem às escassas virtudes com que nasceram.
O conservadorismo da autora adquire aqui uma
tonalidade a um tempo inesperado e desapiedado na medida em que simpatiza com o
imobilismo de uma sociedade tão desumana, cruel e atrasada.
A riqueza do vocabulário, o conhecimento dos mais
curiosos hábitos alimentares (“o caldo de
castanhas, tradicional do dia de finados”), costumes aristocráticos (“onde se queimava açúcar na pá da braseira,
como desinfetante e para espalhar aroma”), crendices populares (“não hesitou em proceder com ele à cerimónia
do «menino do fole», usada na região com as crianças de fala atrasada”), nomes
tradicionais (“mas como todas as crianças
antes do batismo são chamadas Custódios pelo povo”), em conjunto com as
observações penetrantes (“esse manejo disfarçado, sub-reptício, próprio de
todos os campónios quando lidam com dinheiro, seja quando recebem uma féria, ou
quando pagam um imposto, um género mercantil ou simplesmente entregam a côngrua
ou dão uma esmola”), as sentenças aldeãs (“enumerava
os rigores da mulher perfeita – larga em três sítios, estreita em três sítios, branca
em três sítios, negra em três sítios, alta em três sítios, pequena em três
sítios”), tornam o texto de uma grande variedade conferindo-lhe
autenticidade.
Um livro estranho, lembra em muitos aspetos Thomas
Mann, que alia a qualidade literária, ao conhecimento profundo das paisagens que
descreve e das pessoas que retrata com grande realismo, mas simultaneamente, por
tão fascinado e apegado a esse mundo, parece indiferente e insensível à sua
crueldade e à necessidade de sobre ele construir uma outra sociedade mais
humana.
Olá!
ResponderEliminarNa faculdade tive algumas aulas a respeito desse livro e fiquei muito interessada em lê-lo, o tempo passou e ainda não li, mas essa história me parece retratar muito bem a vida difícil que nós mulheres temos dentro dessa sociedade machista e acredito ser muito importante conhecer esse ponto de vista do passado para entender e tentar melhorar o presente.
http://livrelendo.blogspot.com.br