segunda-feira, 12 de março de 2012

Morte em Veneza

Morte em Veneza por Thomas Mann

Deve um crime, se disfarçado por argumentos intelectuais, por belas palavras que despertem sentimentos nobres, passar como algo normal e aceitável? Ou tornar-se-ão esses argumentos odiosos porque cúmplices, essas palavras vazias porque conspurcadas pela realidade que querem ocultar, esses sentimentos ocos porque deslocados e absurdos em face do indizível? Pode a Literatura absolver o Crime? Eis a questão que a leitura desta obra nos coloca e interpela.

Morte em Veneza oferece-nos, na linguagem velada que utiliza, nas descrições minuciosas dos sentimentos que nos oferece, nas reflexões filosóficas a que se aventura, momentos de rara literatura, de mestria e técnica na arte da escrita, mas nada disso apaga a repugnante defesa que faz, sob o manto diáfano do deslumbramento dos sentidos com a Beleza com letra grande, da pedofilia na total e horrível acessão da palavra.

Um livro perturbante, que nos abre a alma de um escritor pedófilo, que segundo alguns poderia ser o próprio TM. Esse escritor idolatra e ama sinceramente com toda a força da sua alma e toda a sensualidade do seu ser o Belo. Deslumbra-se e perde-se perante a Beleza humana, que apenas vê no seu aspecto carnal.

Atraído pelo seu objecto de desejo como uma borboleta pelo fogo, a personagem vai obcecadamente observa-lo e segui-lo ao ponto de deliberadamente pôr em risco a sua vida e a do amado. Atingido pelo Amor, a sua paixão leva-o à degradação e aos tormentos dos amores não correspondidos.

A dissociação do corpo, que pode ser Belo, da mente, que não lhe interessa, é a fonte de toda a perversão. Desta forma a atracção pode recair sobre uma criança ingénua e indefesa.

Percebendo a sua perversão, o escritor, intelectualiza, chamando inapropriadamente Nietzsche e Platão à colação, vagueia poeticamente pela filosofia e pela estética procurando explicar a sinceridade do seu sentimento e defender a compulsão que se apoderou do seu ser. Mas nada disto apaga ou diminui a sua perversão e o horror do crime que quer cometer. TM percebendo muito bem a questão mata o personagem.

Eu também seria impiedoso.