O Último Cais de Helena Marques
A situação das mulheres portuguesas da classe
superior na Madeira ao longo do último quarte do século XIX, as suas limitações,
aspirações e frustrações, num tempo em que os casamentos eram combinados pelos
pais sem intervenção dos filhos, em que as mulheres não tinham direitos iguais,
em que os filhos eram criados pelas amas, em que as meninas aprendiam a tocar
piano e a falar inglês, em que morriam ao dar à luz.
A aceitação da situação era geral e as
aspirações feministas passavam apenas por pequenos desabafos inconsequentes, e
provas de ousadia tão temerárias quanto sair à rua sem a companhia de uma
criada.
Vidas apagadas que parecem heróicas, quando
nada têm de extraordinário. Helena Marques pretende passar vidas desperdiçadas
por lutas acaloradas. Não o consegue. É que a autora esquece que enquanto estas
mulheres velavam assim murchamente e sem valentia pelos seus direitos as
sufragistas inglesas e americanas vinham para as ruas enfrentar os poderes instituídos,
escreviam os seus manifestos e intervinham vigorosamente para conquistar o seu
espaço na sociedade, na cultura e na esfera política. Que atitude tão diferente
da sonolenta e vazia postura das personagens deste romance.
E se a autora situa a ação na ilha da Madeira
ela podia ter como cenário muitos outros pontos do país, já que quer a
paisagem, quer a sociedade madeirense, estão em larga medida ausentes do relato
que recai numa série de pequenos retratos de homens e mulheres de uma mesma
família.
A história banal de um homem, da classe mais abastada, qual sol, ao torno do qual giram
todos os outros personagem. Na órbita mais próxima as suas mulheres, depois em círculos
cada vez mais afastados filhas, primos e primas e outros parentes ou simples conhecidas, cada um
sempre aferido e pesado em função da distância em relação ao astro luminoso,
quanto mais perto mais belo, correto e moral, quanto mais distante mais
apagado, tosco e amorfo.
Um livro que tem frases abertamente racistas que
se percebem na boca do personagem, um médico rico que explora uma grande
plantação na Guiana Britânica, e outras na boca de personagens secundárias. Mas
ao não serem comentadas, refutadas por ninguém, nem pela narradora, ao não
serem alvo de contraditório, surgem como abertamente ofensivas.
Primeira obra de Helena Marques foi
largamente premiado, confirmando o péssimo costume português de enaltecer quem
não tem obra e esquecer os que a têm. Recorde-se a esse propósito o comportamento
do antigo governante Sousa Lara em relação a José Saramago cortando o romance “Evangelho
segundo Jesus Cristo” da lista para o Prémio Literário Europeu de substituindo-o
por obra medíocre de autor esquecido.
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