sábado, 29 de dezembro de 2018

O Vale dos Imortais – Tomo I

O Vale dos Imortais – Tomo I

Prosseguindo uma tradição que vem ganhando raízes nos últimos anos nesta quadra natalícia saiu mais uma aventura da famosa dupla constituída pelo capitão inglês Blake e pelo professor escocês Mortimer.

No rescaldo da II Guerra Mundial a China vive os últimos dias da ocupação japonesa e da guerra civil que opôs os comunistas de Mao Tsé-Tung aos nacionalistas do General Chiang Kai-shek o caos propicia a emergência de senhores da guerra com ambições desmedidas.

Pressentindo a derrota os nacionalistas roubam os tesouros arqueológicos chineses e levam-nos para o seu último reduto: a ilha de Taiwan onde se vão instalar com a proteção dos seus aliados ingleses e americanos.

Primeira parte de um díptico este álbum inicia-se como uma continuação de O Segredo do Espadão mas rapidamente encontra a sua vida própria.

Iniciada por Edgar P. Jacobs (1904-1987), um dos grandes criadores da escola belga de banda desenhada dos anos 40 e 50, a série Blake e Mortimer foi continuada após a sua morte por vários autores de banda desenhada ao ponto de terem sido publicados mais álbuns pós Jacobs do que os que têm a sua autoria.

O Vale dos Imortais é, sem dúvida, o que mais se aproxima em termos de atmosfera criada, perfil dos personagens, cenários detalhados, trama intrincada e ritmo narrativo dos originais de Jacobs.

Adotando o espírito colonialista inglês esta história coloca os nossos heróis como defensores de Hong-Kong contra um perigoso general que procura a sua legitimidade na sua suposta ascendência histórica.

Com argumento de Yves Sente e desenhos de Teun Berserik et Peter Van Dongen este álbum está excessivamente marcado por uma ideologia colonial e racista, que se manifesta nos mais pequenos detalhes: nas falas das personagens, nas cores utilizadas para os chineses, na apresentação dos britânicos como civilização superior, moral, comercial e tecnologicamente, e na descrição da civilização chinesa como milenar mas atrasada, desestruturada, imersa no crime e caótica.

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Revolução Permanente na Rússia


A Revolução Permanente na Rússia por Leon Trotsky

Três textos de Leon Trotsky em que explica a sua teoria da revolução permanente que desenvolveu em várias fases da sua intervenção na Revolução Russa, antes e depois da tomada do poder pelo Partido bolchevique. A teoria foi recebida inicialmente com muito ceticismo e mais tarde com grande preocupação uma vez que, se levada à prática, podia colocar em perigo a segurança da nascente União Soviética e lançar o mundo numa guerra inútil.

Os poucos apoiantes atuais desta teoria não se entendem quanto ao seu conteúdo prático e dividem-se em numerosos grupos e fações em constante cisão, fusão e desagregação. O número de interpretações parece ser inversamente proporcional ao número de seguidores, ie. quanto menos são nemos se entendem quanto ao principal legado teórico de Trotsky.

Essas múltiplas interpretações advém da falta de clareza do autor quanto ao tema que pretende analisar deixando assim campo à maior especulação e divergência. Explica-se, assim, que este pequeno livro de cerca de 100 páginas contenha uma introdução de 25 páginas do italiano Livio Maitan (1923-2004) com a sua visão particular sobre o tema.

O primeiro artigo intitulado “O que é a Revolução Permanente” foi escrito em 1929 por Trotsky depois de expulso do Partido bolchevique e já instalado na Turquia. Trata-se de um ataque à ideia de aliança operário-camponesa que tinha garantido o sucesso da Revolução Russa que não vê como adequada. Critica-a especialmente quando aplicada aos países asiáticos – uma previsão que se revelaria estrondosamente errada com o sucesso das revoluções da China e da Indochina (Vietname, Laos, Camboja) todas largamente apoiadas por massas camponesas. O texto contém também uma crítica da ideia de socialismo num só país e a apologia da exportação da revolução para a Europa. Estaline opunha-se a esta teoria na medida em que levaria à guerra com as potências ocidentais.

O segundo texto, datado de 1932, é um discurso preparado para uma conferência na Dinamarca. Aqui desenvolve uma outra teoria a do desenvolvimento combinado- “Se há países atrasados e avançados, há também uma ação reciproca entre eles, há uma pressão dos avançados sobre os retardatários, há a necessidade para os países atrasados de alcançar os países progressistas, de se servirem da sua técnica, ciência, etc.. Assim surgiu um tipo combinado de desenvolvimento: sinais de atraso combinam-se com a última palavra da técnica e pensamento mundiais”. Esta teoria opõem-se a teoria de Lenine sobre o Imperialismo.

Neste texto Trotsky, fascinado pelo poderio económico americano, vai ao ponto de ver o socialismo edificado sobre o americanismo “os Estados Unidos atuais com a sua iniciativa prática desenfreada, a técnica racionalizada, o arranque económico. Sobre estas conquistas do americanismo a humanidade edificará a nova sociedade”. Quão errado estava.

No terceiro e último texto “Três Conceções da Revolução” escrito em 1939, já em plena II Guerra Mundial, desenvolve a sua crítica a Lenine e à ideia de aliança operário-camponesa repetindo os seus preconceitos contra os camponeses.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Atlas das Relações Internacionais


Atlas das Relações Internacionais editado por Pascal Boniface

Um livro profusamente ilustrado por mapas coloridos que nos ajudam a compreender a história e a dinâmica das relações entre Estados nos quatro cantos do Mundo.

Datado de 2009 surge já como algo desatualizado e precisando de um refrescamento para se adequar à evolução geopolítica que o planeta conheceu nestes últimos 10 anos. Uma boa prova de que a velocidade das mudanças sofreu uma aceleração.

Organizado por Pascal Boniface mas contando com a colaboração de uma vasta equipa do IRIS (Instituto de Relações Internacionais) incluindo vários especialistas em cartografia, a obra cobre praticamente o planeta de Leste a Oeste, de Norte a Sul. Algumas lacunas prendem-se, entre outras, com as regiões da Antártida, das ilhas do Pacífico e do conjunto Austrália e Nova Zelândia.

Sobre a Península Ibérica, que analisa como um todo, refere que “As guerras napoleónicas quebraram de forma duradoura o poderio de Portugal e Espanha, construído sobre os oceanos e no além-mar”. A partir desse momento “Os dois países perderam qualquer capacidade de influência externa e tornaram-se alvo de interesses estrangeiros”. E sobre a tentativa de regresso à cena internacional como iniciativas como a CPLP escreve “Os dois países não têm meios para o seu novo voluntarismo externo”. Uma visão fria e realista do posicionamento português na comunidade internacional.

Nota-se algum enviesamento em relação à forma relativamente benevolente como a França, país de origem dos autores, é tratada relativamente a outras potências nomeadamente os Estados Unidos e o Reino Unido. Assim o colonialismo francês é visto como “civilizador” enquanto o espanhol e inglês tende a ser, corretamente, apresentado como exterminador de povos e populações indígenas. A verdade porém é que o colonialismo francês, tal como o português, foi igualmente, se não mais em vários casos, cruel e mortífero.

Uma boa introdução generalista para quem pretenda compreender as relações internacionais, pois abarca um amplo leque de temas embora não aprofunde nenhum em particular. Uma visão generalista guiada em muitos casos pelo olhar da escola realista das relações internacionais.

Portugal O Ultramar e o Futuro

Portugal O Ultramar e o Futuro por Manuel José Homem de Mello

Um livro que explana, detalha e defende a alternativa neocolonialista ao projeto salazarista de um Portugal do Minho a Timor. Uma proposta apadrinhada pelo Marechal Craveiro Lopes, antigo Presidente da República do regime fascista, e por uma parte das novas elites pró-europeias que emergiam do surto desenvolvimentista associado à entrada de Portugal na EFTA e por setores político-militares querendo tirar conclusões da recente e humilhante derrota militar portuguesa na Índia e da guerra colonial francesa na Argélia.

Com argumentos sólidos Homem de Mello mostra que a política de Salazar só pode conduzir ao desastre militar e à expulsão das forças portuguesas dos territórios africanos e asiáticos. Defende, pois, o afastamento de Salazar e a adoção de outra política.

O abandono de Portugal pelos seus aliados e o seu isolamento internacional é percebido como dramático para o futuro do país – chegando a sugerir que pode levar o país a tornar-se um país socialista, o que do seu ponto de vista seria o pior possível.

Acresce que a população portuguesa é uma tal minoria que não permite sonhar com uma solução racista como na África do Sul ou na Rodésia. Referindo-se a Angola diz “em 1950 havia na província 78 826 homens brancos, o que significa que em 400 anos de esforço civilizador conseguimos apenas enraizar pouco mais portugueses do que os que na metrópole esgotam, em dias de futebol internacional, a lotação do estádio do Jamor!” De facto a presença portuguesa em África é um mito, uma vez que nunca passou de alguns pontos da costa que permitiam efetuar o odioso comercio de pessoas. Ele próprio o reconhece “É que ter em 1858, 1500 portugueses originários da metrópole, é quase o mesmo que não ter ninguém”.
Propõe então uma política de emigração da metrópole para África desviando os tradicionais fluxos migratórios “proletários” que se dirigiam para o Brasil e a Venezuela.

Quanto à civilização propriamente dita escreve “Dos quatro milhões de negros, originários de Angola, quantos falarão português? …E quantos sabem ler e escrever? Vinte mil, cinquenta mil?

Que projeto então propõe este deputado à Assembleia Nacional? A promessa de independência a prazo, a preparação de uma elite local pró-portuguesa, capaz de assumir o poder nos países que se formassem, manter uma forte presença populacional e económica a par de uma importante influência política portuguesa nesses novo países.

Interessante o ponto de vista de que a atribuição da nacionalidade portuguesa a todos os habitantes africanos era ou insustentável ou falsa – “a outorga maciça de cidadania a todos os habitantes do Ultramar, por mais rudimentar que seja o estádio da sua evolução social, encontra obstáculos porventura intransponíveis, no momento de se efetivar. Economicamente, acarretaria da parte da metrópole sacrifícios que não viriam a ser consentidos voluntariamente, sem que por outro lado viesse a conseguir-se uma suficientemente rápida uniformização dos respetivos níveis de vida; socialmente exigiria a transferência para cada uma das províncias das normas administrativas e do aparelho burocrático da Metrópole, transferência ruinosa para ambas as partes; politicamente levaria à Assembleia Nacional um número de deputados ultramarinos quando menos igual aos eleitos na Metrópole; moralmente não sufocaria as reivindicações nacionalistas, mais vivas nas leites que já despontam, do que nas massas ignaras”. Toda a teoria do fardo do Homem Branco. Não seria suportável à Metrópole assegurar os mesmos direitos e níveis de vida às populações, pelo que o melhor é conceder-lhes a independência, libertando-nos dos custos, desde que mantenhamos os nossos interesses intactos.

Logicamente conclui “A integração surge, assim, como objetivo inaceitável e inacessível. É um mito sem qualquer possibilidade de se converter em realidade”.

Os tons racistas do livro são inúmeros considerando “os negros em estádio de desenvolvimento quase primitivo”.

Portugal sem colónia devia diluir-se na Espanha e na Europa. Escreve “A União Ibérica, se tiver que realizar-se, far-se-á tão-somente à sombra da Unidade Europeia e nunca numa cedência unilateral de soberania”. Defendendo a “Unidade Europeia – esperança maior de todos aqueles que ainda não desesperaram de ver surgir, no futuro não muito distante uma Nova Europa, forte e coesa, que venha a ser o “fiel da balança entre os dois colossos que hoje dominam o mundo”.

Quase todas as ideias de Homem de Mello foram adotadas pelo regime saído do 25 de Novembro, quer no que respeita ao neocolonialismo quer na integração ibérica no seio da União Europeia. Estão em marcha embora ainda não plenamente concretizadas, pois como ele próprio firmou “não ser possível exigir que … os povos aceitem de repente o que durante séculos foi considerado sacrilégio … é mister que … os habitantes dos vários países que constituem a Europa Ocidental se convertam em simples cidadãos europeus”.

Um livro com ideias, a que não adiro, que se deve reconhecer terem tido grande alcance político e social. Imprescindível para compreender a sociedade atual.