quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Contra Mar e Vento

Contra Mar e Vento de Henrique Teixeira de Sousa

Sob este título reúne-se uma excelente coletânea de dez contos, de cariz neorrealista, do escritor e médico cabo-verdiano Henrique Teixeira de Sousa (1919-2006).

A ilha do Fogo, com a ilha Brava no horizonte, as suas gentes, costumes, dificuldades e esperanças são aqui retratadas com precisão fotográfica sem que se perca o olhar profundamente humano e solidário.

Em “Barrilinho de Azeite” um velho professor aposentado de uma localidade do interior desloca-se de mula à vila litoral para licitar um barril de azeite apreendido pela alfândega e posto em leilão público. Uma viagem que é uma ocasião para conhecermos o mundo rural “Toda a encosta que descia até o mar parecia ter sido escanhoada com uma enxada”. Mas estre mestre, condecorado pelo Governador, guarda um desgosto profundo que o protege do sofrimento advindo de outras perdas.

O “Protesto” mostra-nos outra faceta dos habitantes do Fogo, a sua relação com o mar e conta-nos a história de um naufrágio de uma palhabote cabo-verdiano que zarpa de Providence nos Estados Unidos rumo ao arquipélago.

Os costumes religiosos com as suas missas e procissões, as rixas entre grupos e famílias rivais, por causa de namoros contrariados, que acabam com mortos e feridos recordam-nos vagamente Verona de Romeu e Julieta. Neste conto, “Encontro”, o andor abandonado na estrada enquanto os seus portadores correm de cajado levantado para se juntarem à batalha campal na praça contígua é uma metáfora perfeita do ser humano abandonando a virtude e juntando-se ao pecado.

“Dragão e eu” mostra-nos a fome, a miséria que se abatia sobre as populações, perante a quase total indiferença das autoridades coloniais portuguesas, em tempos de seca – que são frequentes. As populações do interior desciam à vila em busca de auxílio – “Deambulavam pelas ruas num cortejo de tristeza e desespero” – mas acabavam por morrer de fome como “Pinoti-Capador morreu inchado”. 

A fome que deforma de mata “Os meninos ganhavam rugas e pareciam uns anões velhos. De noite recolhiam-se no casarão da Escola e no outro dia, ia-se ver, eram vivos e mortos estendidos a esmo pelo chão”. Uma imagem terrível e verdadeira que nos deve ficar gravada como um dos grandes crimes do Portugal contemporâneo e que nos deve obrigar a desmentir quando alguém refere que o nosso colonialismo foi suave. Não foi. Deixar morrer milhares de pessoas à fome não é suave. Esta foi a realidade de Cabo-Verde durante os séculos de dominação portuguesa.  

Nos últimos anos da sua longa vida Henrique Teixeira de Sousa viveu em Portugal, mais concretamente em Algés no nosso concelho de Oeiras. Falta ainda uma homenagem condigna do nosso Concelho a este grande escritor de língua portuguesa.

1 comentário: