quarta-feira, 25 de julho de 2018

Os condenados da Terra


Os condenados da Terra de Franz Fanon

Um livro forte, telúrico, de excecional profundidade teórica, de grande verdade pessoal que desmonta e denuncia o colonialismo e o neocolonialismo europeu e norte-americano.

Dividido em cinco partes a primeira aborda a questão da violência a que o colonizado tem de recorrer para confrontar e vencer a violência inicial do colonizador.

Neste aspeto “Foi o colono que fez e continua a fazer o colonizado”. Para se revoltar o colonizado deve atender à simples realidade à sua volta e libertar-se de amarras religiosas e ideológicas “ O que o colonizado viu na sua terra é que podiam impunemente prende-lo, espancá-lo e matá-lo à fome; e nenhum professor de moral, nenhum padre vieram jamais receber pancada em vez dele, nem partilhar com ele o pão”.

Fanon identifica o campesinato como a força principal da luta de libertação e alerta para os perigos do neocolonialismo apoiado por uma burguesia citadina e assimilada.

Na segunda parte fala-nos das Grandezas e Fraquezas da Espontaneidade, uma das mais polémicas em que retoma a análise de classes mas afirmando que “nos territórios coloniais, o proletariado é o núcleo do povo colonizado mais estimado pelo regime colonial” ao contrário do campesinato “O camponês que permaneceu na sua terra defende tenazmente as suas tradições e representa na sociedade colonizada, o elemento disciplinado cuja estrutura social se mantém comunitária”. Por seu lado a burguesia citadina, organizada em partidos nacionalistas age em favor do neocolonialismo “Paradoxalmente o governo nacional, no seu comportamento em relação às massas rurais, recorda em certos aspectos o poder colonial”.

A terceira parte, de grande densidade de análise, foca-se nos Desaires da Consciência Nacional e da dificuldade em ultrapassar a divisão tribal. Esta dificuldade advém da “incapacidade da burguesia nacional dos países subdesenvolvidos racionalizar a praxis popular, isto é, de extrair daí a razão”. Esta incapacidade resulta da sua posição no processo de produção “A burguesia nacional dos países subdesenvolvidos não está orientada para a produção, para a invenção, para a construção e para o trabalho, está inteiramente canalizada para atividades de tipo intermédio. Estar no circuito, conhecer os truques, parece ser a sua vocação profunda”. Apenas serve de “intermediário” e de “correia de transmissão” do neocolonialismo.

A quarta parte, Sobre a Cultura Nacional, abre com a célebre frase de Fanon “Cada geração deve, numa relativa opacidade, descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la” e desmonta os mecanismos que as potenciais coloniais usam para apagar a cultura histórica das populações colonizadas, “orienta-se para o passado do povo oprimido, distorce-o, desfigura-o e aniquila-o”, e impor a sua cultura estrangeira.

A última parte é sobre Guerra Colonial e Perturbações Mentais. Fanon era médico psiquiatra e teve ocasião de trabalhar e combater na Argélia durante a guerra de libertação. Acompanhou vários casos de perturbações provocadas pela guerra e reflete sobre elas de forma clínica.

Franz Fanon (1925-1961) foi um dos maiores pensadores e lutadores africanos do século XX. Membro da Frente de Libertação da Argélia desenvolveu um intenso trabalho para levar a revolução anticolonial a várias partes da África francófona. A leitura da sua obra é indispensável para perceber o colonialismo e o neocolonialismo e para entender as formas de lutar contra o racismo e a opressão. Um livro que mudou a vida de muitos.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

História de quem vai e de quem fica

História de quem vai e de quem fica de Elena Ferrante

Neste terceiro livro da tetralogia iniciada com a Amiga Genial Elena Ferrante continua a contar-nos a história das duas amigas napolitanas numa Itália em transformação.

Como pano de fundo político, em plenos anos 70 do século XX, vemos o esquerdismo irromper nas universidades, o PCI começar uma suicida aproximação à Democracia Cristã, o terrorismo fascista a matar impiedosamente e alguns grupos de esquerda a responder na mesma moeda.

No plano social encaramos uma Itália a duas velocidades, o país das fábricas de enchidos sem condições de higiene e em que os direitos laborais são sistematicamente desrespeitados ao lado da Itália dos centros mecanográficos que albergavam os primeiros e mais modernos computadores. Duas velocidades que são as duas faces da mesma moeda: a do sistema capitalista com a exploração e a desigualdade, com a acumulação de riqueza num pólo e a pobreza e miséria de muitos no outro.

Nos costumes o divórcio, a união de facto, a pílula e a liberdade sexual afirmam-se como realidades. O feminismo levanta-se e as mulheres começam a organizar-se mas, em contraponto, a máfia continua a reinar e a prosperar em boa parte do país. As viagens de avião, até aí exclusivo das elites, começam a chegar lentamente a um público da classe média.

A história cobre regiões muito diferentes, temos Milão das editoras e do pensamento mais arrojado, vemos Florença e a sua Universidade e, naturalmente, o centro dos acontecimentos contínua em Nápoles.

Os destinos das duas amigas aparta-se e abeira-se como as marés aproximam e afastam as águas da costa. Mas a sua relação é mais forte que a distância e que o tempo.

Uma trama, de tons autobiográficos, que através das vidas de Lina e Lenu e das respetivas famílias e amizades nos relata de forma cativante e fluída a evolução da Itália dos anos 60 aos nossos dias.

Elena Ferrante é um pseudónimo literário que esconde a verdadeira e desconhecida identidade da autora. Várias tentativas de expor o seu verdadeiro nome falharam redondamente. O mistério continua alimentando uma discussão inútil, embora provavelmente comercialmente lucrativa, que nada acrescenta sobre a valia da obra e até, infelizmente, a apouca.

domingo, 8 de julho de 2018

Morte a pedido


Morte a pedido – O que pensar da Eutanásia por Walter Osswald

Walter Osswald foi Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, pelo seu trabalho em Portugal foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada.

Neste pequeno ensaio apresenta-nos a sua fundada opinião contra a eutanásia, a morte provocada recentemente afastada por uma larga maioria dos deputados da esquerda e da direita e recusada por uma ainda maior maioria social no nosso país. Na verdade só um pequeno grupo de pessoas propõe e defende uma ideia que só é legal em três pequenos países da União Europeia, todos eles de cariz holandês.

A eutanásia foi aprovada na Holanda com um conjunto de restrições muito semelhantes ao que hoje propõem Bloquistas e socialistas, mas rapidamente se liberalizou para incluir a legalização da eutanásia involuntária, isto é sem a autorização do próprio – aquilo que hoje na generalidade dos países desenvolvidos da União Europeia se classifica como assassinato.

Diz “nestes países houve modificações progressivas da lei, no sentido da facilitação da eutanásia. Se no inicio se exigia como condição a existência de sofrimento físico insuportável e não controlável, aceita-se agora como válido o sofrimento moral e o cansaço de viver; também a idade mínima para aceder à eutanásia foi sendo reduzida podem ser eutanasiados se os pais não se opuserem. Mas mesmo os recém-nascidos e infantes poderão ser eliminados desta forma, se os pais ou tutores, dadas as suas malformações ou deficiências, solicitarem a aplicação do “tratamento médico” (assim designado, tal como a eutanásia passou a ser “terminação da vida”) que os libertará deste filho ou paciente a seu cargo, tutelado “sem qualidade de vida” (Osswald)”. É este horror que o Bloco de Esquerda de Catarina Martins e seus pares querem impor aos portugueses. E só o não conseguiram graças ao Partido Comunista Português.

Por outro lado a eutanásia assenta numa falácia, num sofrimento insuportável. A verdade é que hoje os cuidados paliativos permitem eliminar o sofrimento físico. Infelizmente não chegam ainda a todos. A solução contudo é estendê-los aos que deles necessitam e não matar as pessoas. Este argumento é aqui confirmado “Todavia, em todas as circunstâncias é possível domar a dor, recorrendo a terapêuticas medicamentosas ou cirúrgicas, eventualmente necessitando de cuidados especializados nos centros ou serviços de dor existentes nos hospitais”. Eis, pois, desmontada a mentira em que se fundamenta a defesa da eutanásia.

Por último o autor não deixa de recordar como tudo se passou na Alemanha de Hitler, primeiro país a legalizar a eutanásia e que em pouco mais de uma década levou à matança de centenas de milhar de deficientes (crianças e adultos) e depois se estendeu a minorias étnicas consideradas “indignas” como os ciganos e judeus e até a opositores políticos considerados “dementes”.

Um pequeno ensaio, rico de informação e reflexão que merece ser lido por todos os que queiram formar uma opinião independente sobre o tema.