segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Diz-lhes que não falarei nem que me matem

Diz-lhes que não falarei nem que me matem de Marta Freitas

Uma peça de teatro ficcionada mas inspirada numa personagem real, um dos heróis da resistência ao Estado Novo, do tempo em que a oposição política pagava com a cadeia e, muitas vezes, com a vida, a ousadia de sonhar com um mundo melhor, mais justo e mais fraterno.

Viriato é preso, encarcerado, torturado e aliciado a denunciar os seus amigos e camaradas. Resiste. Uma história linear, relatada de forma direta com recurso a uma linguagem coloquial.

Falta-lhe a profundidade e a densidade que o personagem, Carlos Costa, dirigente comunista, várias vezes encarcerado, que passou 15 anos nas prisões de Salazar/Caetano, exigiria e o leitor mereceria.

Deve ser visto mais como uma homenagem singela do que uma obra com pretensões literárias.

Vale a leitura pelo que ficamos a conhecer deste homem corajoso que encabeçou muitas lutas pela liberdade de todos nós.

domingo, 23 de outubro de 2016

A Rainha de Sabá

A Rainha de Sabá de André Malraux

Um relato a um tempo exato, fiel e verdadeiro e simultaneamente onírico, poético e íntimo de uma expedição aérea de Malraux em busca da Mareb, a mítica e nunca localizada capital dos sabeus, e dos palácios da Rainha de Sabá.

Corria o ano de 1934, Hitler já era chanceler e a Europa caminhava de olhos fechados para uma catástrofe, quando Malraux, financiado pelo jornal L’Intransigeant parte num avião, emprestado por Paul-Louis Weiller, pilotado por Corniglion-Molinier e mantido pelo mecânico Maillard rumo à base militar francesa de Jibuti de onde voaria para o Iémen onde esperava encontrar, soterrada no deserto, os últimos vestígios visíveis da cidade perdida.

Partem de madrugada quando “O dia emboscado ergue pouco a pouco acima do mar a sua surda potência ameaçadora e separa gradualmente das trevas as nuvens imóveis, como uma armada dispersa”, numa aventura que punha em confronto “o homem contra as forças mais velhas do mundo, contra as ameaças épicas de que se fazem os Deuses”.

Surge aqui a ideia do “regresso à terra”, o sentimento de estranheza que invade “todos os homens que reencontram a sua civilização depois de terem estado ligados a outra”.

Publicado postumamente, sendo que em vida apenas foram editados os artigos para o L’Intransigeant que agregados formam este livro.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Dois Negros em Estherville

Dois Negros em Estherville de Erskine Caldwell

Dois jovens irmãos afro-americanos, Ganus e Kathyanne, chegam a Estherville, vindos do campo, para cuidar da velha tia doente.

O racismo nu e cru, mostra a sua face brutal, sangrenta e assassina e os dois irmãos vão enfrentar um doloroso calvário que nos é relatado de forma tremendamente realista.

Uma expectativa inquietante e insuportável antecede cada desgraça que vemos chegar com toda a sua pesada carga de injustiça e horror, e que explode na nossa frente com a crueldade gratuita e o sofrimento agonizante que antecipámos.

A justiça ausente, os crimes impunes, a moral cristã exposta no seu desprezo completo pela vida humana dos nossos irmãos. Os miúdos estão abandonado no vespeiro de que não podem sair, enterrados vivos em ninho de víboras esfomeadas.

Caldwell usando com mestria a descrição exata e realista, recria atmosferas atemorizantes com desenlaces anunciados que sempre nos surpreendem pela malvadez de que o ser humano é capaz.

O título surpreendentemente não segue o original que seria simplesmente Um Local chamado Estherville. Não se percebe o porquê da adulteração efetuada.

Um livro de excecional qualidade que nos desassossega, que nos revolta e nos mobiliza.

Devia ser de leitura obrigatória na União Europeia, em que o racismo e a xenofobia levantam de novo a sua feia face furibunda.