quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Chuva Braba


Chuva Braba de Manuel Lopes

Um romance emocionante e poderoso sobre o destino cabo-verdiano, entre a emigração e o apego ao chão, entre o marinheiro que parte e o camponês que fica, entre a seca que empurra para o estrangeiro e a chuva que prende à pátria.

Um dilema moral intemporal, devo para fazer o que julgo bem para outrem engana-lo, manipula-lo para que decida a fazer o que não quer, ou pelo contrário devo deixar-lhe liberdade de escolha mesmo que seja para fazer algo oposto ao seu próprio interesse?

O jovem Mané Quim vê-se dividido entre o apelo do seu padrinho radicado no Brasil e a família, mãe e irmão e a amada, fincados em Cabo Verde, na pequena localidade de Ribeira das Patas. Qual será o seu destino?

De um lado “A água que já não cai … As nascentes secando e o pasto ardendo nos tapumes como cinza de um incêndio devastador de de vidas e haveres…” de outro o chamamento da Natureza “Um homem passa a vida inteira em companhia de uma árvore cuja semente enterrará quando era menino. Amou-a como a um membro da família, soube quando ela teve sede e regou-a, podou-a na época própria, protegeu-a contra as intempéries. Para ele a história daquela árvore é uma história muito rica”.

O autor introduz com mestria no português um conjunto de vocábulos provenientes da língua cabo-verdiana, dando um justo destaque ao idioma do seu país e que na época era vilipendiado, perseguido e mesmo proibido no espaço público (escolas e outros organismos do estado colonial).  

Manuel Lopes (1907-1989), natural da ilha de São Nicolau, foi um dos mais destacados escritores cabo-verdianos do movimento Claridade de que foi com Baltasar Lopes da Silva um dos maiores impulsionadores. Chuva Braba, publicado em 1956, está traduzido para inglês e para espanhol.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Assomada Nocturna


Assomada Nocturna de N'Zé Di Sant'y Águ

Poema síntese, renovação e desassombrada inovação e alargamento de poemas anteriores, Assomada Nocturna (2005) surge actualizada e límpida como invocação dos passados não muitos longínquos da infância que servem de pretexto (pré texto) para uma introspeção profunda sobre a alma cabo-verdiana feita ao longo de uma viagem aos lugares onde este nobre povo planta as suas raízes seja nas ilhas atlânticas que são o seu berço seja na diáspora.

A Terra fundindo-se com o ser humano e com a História moldam-lhe indelevelmente a alma coletiva, que é outra forma de dizer a cultura partilhada por todo um povo. Assomada é essa Terra, literal e metaforicamente representando Cabo-verde. O passado, lembrado do presente através de recordações conjuntas, a História.

Emerge um cabo-verdiano complexo, habituado à seca, ferido pela injustiça, pobreza e violência de um passado colonial, marcado pelo duro caminho da emigração, atirado para as barracas e para as prisões em Portugal, herdeiro de uma encruzilhada, mas em plena afirmação altiva da sua libertação, da sua cultura, da sua personalidade.

A harmoniosa integração / interação entre a língua portuguesa e a língua cabo-verdiana resulta na perfeição nas passagens em que o Poeta as junta.

Deixo uma passagem:

dos rostos soterrados
nos escombros dos prédios
implodidos demolidos

dos rostos escuros devolutos
nos bairros degradados
na promiscuidade das barracas
nas prisões sobrelotadas
nas ruas negras desterradas recentes
da pedreira dos húngaros da cova da moura
de santa Filomena da azinhaga dos besouros
das fontainhas de estrela de áfrica da bela vista
nos estaleiros derruídos de alcântara
nas casernas nos andaimes
nas gruas nos guindastes
da Lisnave da cuf da jotapimenta
e outras ladeiras outras noites alongando-se
caminho longe gente gentio
      de feições temperadas
      e olhar impenitente

Um poema extraordinário, de uma grande riqueza vocabular, de imaginativas metáforas, que vai ao âmago da alma cabo-verdiana e a trás dolorosamente, alegremente à superfície. Aqui se revela e confirma um dos melhores poetas lusófonos da atualidade.

N'Zé Di Sant'y Águ é um dos múltiplos heterónimos de José Luís Hopffer Almada (n. 1960), nascido em Pombal mas criado na cidade da Assomada, ilha de Santiago, mais tarde estudou direito na cidade alemã de Leipzig, jurista, personalidade polifacetada, ensaísta e comentador é um dos mais destacados, originais e telúricos intelectuais cabo-verdianos da sua geração.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O Vendedor de Passados


O Vendedor de passados de José Eduardo Agualusa

Feridos de sangrentos embates políticos do passado regressam para procurar vingança. Um golpe de Estado falhado, a consequente repressão dos implicados deixaram cicatrizes, metafórica e literalmente, em muitos angolanos dos dois lados da trincheira de então.

Quem se quer livrar de um passado doloroso, quem assume a sua ideologia, quem se lembra de uma vida distante, quem oferece uma solução para uma legião em busca de uma identidade mesmo que forjada, mesmo que fictícia.

Um romance sobre Angola, sobre um país que apesar de uma história dolorosa tem sabido ultrapassar com dignidade os conflitos e reconciliar os seus filhos outrora desavindos. Mas neste processo muitos gostariam de renegar o seu passado e recomeçar de novo.

Uma osga misteriosa que pode sonhar e ser sonhada, assiste do teto de uma casa em Luanda a todo um drama fantástico em que o onírico e o fantástico se confundem com o real e o físico.

José Eduardo Agualusa (n. 1960) é um escritor angolano galardoado internacionalmente por livros como a Teoria Geral do Esquecimento, Nação Crioula, e outros. Na sua obra mescla a fantasia com a História do seu país.