terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A Onda Septimus

A Onda Septimus por Jean Dufaux, Antoine Aubin e Étienne Schréder

A continuação da celebre Marca Amarela mas sem a frescura e sem o estilo e o encanto de Edgar Pierre Jacobs.

Todos os anos pelo Natal sai um álbum das aventuras de Blake e Mortimer, mas a verdade é que a cópia, mesmo quando feita por autores credenciados e talentosos, nunca chega ao patamar do original.

Diga-se contudo que de todas as aventuras publicadas depois da morte do criador esta é porventura a que mais se aproxima da qualidade dos primeiros trabalhos de Jacobs.

sábado, 28 de dezembro de 2013

O Deserto dos Tártaros por Dino Buzzati

Um jovem tenente é enviado para uma velha fortaleza fronteiriça na remota confluência de uma montanha inóspita e de um extenso deserto terroso, pedregoso, e inabitado. Aí vai, por decisão própria, consumir toda a sua vida primeiro na vã expectativa de um feito militar glorioso, depois numa desistência indolente e apática mas não infeliz.

A rotina instala-se, os dias voam, o isolamento torna o ambiente fechado mas acolhedor. Os habitantes da fortaleza formam uma espécie de confraria frouxa mas irmanada numa vaga e cada vez mais esbatida e clandestina esperança. E quando a fé do tenente, agora já major, se esvai e a resignação de uma vida desperdiçada, triturada na inação, se instala o destino prega-lhe uma última, irónica e dolorosa partida.

Uma reflexão sobre os grandes temas da Vida Humana. Os efeitos do tempo e da distância, a juventude dando lugar ao envelhecimento, a esperança a transformar-se em aceitação, a proximidade que se transmuta em estranheza, o amor em amizade, a amizade em vago conhecimento. Tudo se passando impercetivelmente, tranquilamente, sem esforço, sem nos darmos conta até ser tarde de mais, até ser impossível fazer reverter a situação. O tempo que passa, cada vez mais veloz, e tudo consome, tudo arrasa e que, invariavelmente, nos arrasta numa única e tenebrosa direção.

A fortaleza como metáfora das aparentemente atraentes ou inócuas, mas extremamente  perigosas, armadilhas que a existência nos estende. A rotina que aprisiona docemente, a esperança que justifica a procrastinação, o isolamento que afasta impercetivelmente, a inércia que nos amarra, a inação que nos seduz, são ardis que temos de evitar para viver a nossa vida em pleno e para que, ao olhar para trás, não deparemos horrorizados com um deserto árido e seco. 

O será a vida, com o tempo sempre a passar, ela mesma uma grande e terrível armadilha.

Um livro excecional.

A vista de Castle Rock

A Vista de Castle Rock por Alice Munro


A saga familiar romanceada da autora é o foi condutor de uma série de histórias que se espraiam no tempo, do século XVII aos dias de hoje, e no espaço da emigração escocesa para a América do Norte.

As personagens pessoas comuns, agricultores pobres na sua Escócia natal, lançados na aventura da emigração, tornando-se pioneiros ocupando as vastas terras férteis do Canada, o ramo que ruma aos Estados Unidos não vinga e os sobreviventes juntam-se também aos familiares estabelecidos mais a Norte. Por muitas gerações vão manter a sua religião, a sua língua e sotaque, as suas tradições familiares. A família mantém-se unida vivendo perto uns dos outros.

Com o declínio da agricultura depois da segunda guerra mundial são obrigados a uma passagem para a indústria, como trabalhadores por conta de outra, conseguindo por fim que alguns façam estudos superiores e se fixem nos serviços, saindo do campo e migrando para a cidade.

As personagens surgem finamente esculpidas em toda a sua simplicidade e complexidade, com as suas obstinações e idiossincrasias, com as suas qualidades e defeitos, com a sua mentalidade camponesa educada na exigente fé protestante reformada.

Tão importantes quanto as pessoas surgem as paisagens que as albergam e abrigam. Cenários variados, selvagens, criados pela poderosa descida dos glaciares, depois domesticados pela ação do Homens que neles se instalam, erguendo as suas casas e plantando as árvores e as plantas que reconstroem a paisagem e a humanizam.

Alice Munro ganhou o prémio Nobel da Literatura em 2013. 

domingo, 8 de dezembro de 2013

8 Lições de História Económica

8 Lições de História Económica de Jean-Marc Daniel


Jean-Marc Daniel é um economista francês de tendência neoliberal. Neste livro defende, com recurso a episódios históricos descontextualizados,  as ideias desta escola, a recusa do deficit público,  a repulsa pela inflação, a defesa da austeridade e do monetarismo.

Dirige uma revista, a Sociétal, que se diz aberta a todas as ideias mas,  nas palavras do próprio Daniel, onde é proibido publicar artigos que defendam praticas económicas contrárias à “liberdade” como o proteccionismo. Quando a defesa da liberdade passa pela censura está tudo dito sobre a estatura, moral, política e científica, do pensamento deste respeitado economista francês.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

As aventuras de Augie March

As Aventuras de Augie March por Saul Bellow


Augie nasce em Chicago, numa família judia desestruturada, pai ausente, mãe limitada, inquilina que assume papel de avô, e pobre. Desde cedo começa a trabalhar, o que faz em simultâneo com estudos que vai mantendo e de que acabará por desistir.

A sua relação com os irmãos, um atrasado mental outro bem sucedido empresário, a sua relação com a mãe que cega, a sua relação com as mulheres, com os amigos, mas acima de tudo com o seu tempo.

Multiplica experiências, num momento vive bem como empregado comercial apadrinhado pelos patrões para no momento seguinte acompanhar um contrabandista, escapar da Polícia mas acabar por ser preso por vagabundagem. Renasce como ladrão de livros envolve-se no movimento sindical mas abandona tudo para seguir uma mulher rica que vai para o México treinar águias e caçar cobras.

De novo só aproxima-se do trotskismo e chega a planear ser guarda costa do célebre revolucionário no seu exílio mexicano. Volta aos Estados Unidos, sobrevive a grande depressão, alista-se para a segunda guerra, casa-se, naufraga no Atlântico mas é salvo por um navio improvável e finalmente instala-se na Europa do pós guerra.

Augie é de facto um naufrago a boiar na sua época, um tempo difícil que cobre os anos 20 do século XX, a Grande Depressão, a II Guerra e os primeiros anos do pós Guerra, esbracejando para encontrar o seu caminho e não aquele para o qual os outros o pretendem, com palavras doces, entusiásticas, sinceras mas inconscientemente egoístas, recrutar, A sua autenticidade é verdadeira, a sua procura é esforçada.  Um homem abrindo caminho em luta contra as suas circunstâncias.

Através dos olhos de Augie, Saul Bellow descreve-nos, com erudição e detalhe, a sociedade do seu tempo, vistas com uma grande angular que tudo capta. A vida luxuosa e excêntrica dos abastados proprietários e a vida difícil das jovens empregadas da limpeza que procuram organizar-se para reivindicar alguns cêntimos mais de ordenado. O jovem cientista brilhante físico que para seguir os seus estudos é obrigado a furtar nas livrarias técnicas, o invalido que com força de vontade gere os seus negócios lícitos e ilícitos,.A América, o México e a Europa. O aborto e o casamento. A cidade e o campo. Terra firme e o Mar. A vida e a morte.

O mundo como um grande caleidoscópio que a cada movimento se transfigura. A vida nas suas múltiplas pulsões simultâneas e,aparentemente, independentes.


domingo, 10 de novembro de 2013

Astérix entre os Pictos

Asterix entre os Pictos por Didier Conrad e Jean-Yves Ferri 


Os pictos eram um povo que habitava o que hoje é a Escócia. Pintavam o corpo e daí o nome que os romanos de lhes deram – os homens pintados ou pictos. O que chamavam a si próprios não se sabe.

Primeiro álbum em que nenhum dos criadores, René Goscinny e Albert Uderzo, intervém, sendo da total responsabilidade da dupla Didier Conrad (desenhador) e Jean-Yves Ferri (argumentista), Astérix e os Pictos surge na de outras aventuras em que os destemidos gauleses se cruzam com outros povos da sua época – de que Astérix e Cleópatra seja o mais famoso e mais bem conseguido.

E se os desenhos se mantêm fieis aos originais e o argumento não deixa de ser consistente, a verdade é que se perdeu a veia de observação e critica social que caracterizava os heróis gauleses e fazia a delícia dos leitores mais velhos e mais intelectualizados.

Vergonhosa é a tradução dos nomes do bardo (Assurancetourix) e do chefe da aldeia (Abraracourcix) na versão portuguesa, quebrando uma longa tradição de manutenção dos nomes originais. Não vemos qual o ganho desta opção.

Por nós teríamos preferido que Uderzo tivesse mantido a sua intenção original de que, Astérix acabasse quando ele se reformasse, uma vez que Goscinny já morreu. No entanto os interesses comerciais falam mais alto e Astérix, sem a frescura de outros tempos, continua.


sábado, 12 de outubro de 2013

O Bruxo VÍI

O Bruxo VÍI de Nikolai Gógol

As superstições dos estudantes de teologia ucranianos misturadas com as crenças populares camponesas criam uma atmosfera alucinada em que o medo pode ser mortífero.

Para quem acredita em bruxas, monstros e fantasmas ficar uma noite sozinho de vigília, numa igreja mal iluminada, com o cadáver de uma jovem com reputação de feiticeira pode ser uma experiência traumatizante, capaz de acelerar o processo de envelhecimento e testar a fortaleza do coração.

A lei do mais forte na Rússia rural na primeira metade do século XIX é bem patente na forma como o cossaco rico obriga o jovem seminarista, contra a vontade deste e sob pena de ser chicoteado, a permanecer três noites na capela mortuária.

Fica muito claro que a Ucrânia e a Rússia partilham uma história, uma língua e tradições comuns, que nos interrogamos se não serão o mesmo país.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Pena de viver assim

Pena de Viver Assim de Luigi Pirandello

A penitência e o sofrimento impostos pela sociedade a uma mulher cujo marido a abandonou e que é obrigada, através de intensa e continuada pressão social e psicológica dirigidas pelo padre católico e pelo advogado, a aceita-lo de volta com três filhas que gerou com outra mulher.

Um retracto psicológico de fino recorte de uma mulher inteligente mas isolada que tem de enterrar os sentimentos, renunciar aos seus desejos e viver tutelada pelo cura, sufocada pelos preconceitos sociais, vigiada pelas senhoras da sociedade local, castigada pela sua própria consciência e angustiada de ter de viver assim.


Pirandello traça aqui um interessante quadro da sociedade italiana conservadora e católica.

sábado, 5 de outubro de 2013

Os Olhos de Tirésias

Os olhos de Tirésias de Cristina Drios

A história conta-se em poucas linhas. Um gigante português, descendente de franceses, nasce algures nas montanhas beirãs. Desde cedo sabe que tem o dom, maldição, de prever o futuro e de não sentir as emoções humanas. Órfão é acolhido pelo padre local que lhe dá uma instrução básica. Morto o pároco alista-se no exército e parte para França para a guerra, a primeira mundial, acabando prisioneiro e levado para uma clínica onde um médico alemão pretende estudar soldados com dotes paranormais na esperança que estes lhes revelem segredos militares do inimigo. O português acaba por se apaixonar por uma enfermeira belga de boas famílias. O amor rompe a maldição deixa de ter premonições e passa a experimentar os sentimentos comuns. As circunstâncias da guerra fazem com que os dois amantes se percam e nunca mais se encontrem. Paralelamente a esta trama, corre a da narradora que, para a escrever, faz algumas viagens à França e à Bélgica acabando por deixar o namorado português com quem vive e trocá-lo por outro mais nórdico.

Não sendo, por falta de profundidade um romance histórico, nem uma reflexão sobre o destino ou o curso do tempo a temática esvazia-se até se resumir a uma história muito simples e linear.

É a espaços bem escrita, mas também tem áreas em que o português é insuficiente.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Os cadernos secretos do Prior do Crato

Os cadernos secretos do Prior do Crato 
por Urbano Tavares Rodrigues

O prior do Crato é um Rei esquecido. Talvez porque o seu reinado foi curto e atribulado. Talvez porque embora legitimo nunca conseguiu estender o seu reinado a todo o território. Talvez por ter sido derrotado por Filipe II que acabou por a impor o domínio espanhol em Portugal.

Mas também porque a legitimidade de Filipe II só pode encontrar alguma sustentação no caso de se apresenta como sucessor do Cardeal D. Henrique e nunca poder ser justificada como sucedendo a D. António I.

Este romance assume uma linguagem contemporânea para contar, na primeira pessoa, a vida do Prior do Crato. Confesso que esta opção consciente e explicada pelo autor no posfácio, me desagrada pelo constante sabor a anacronismo que introduz.

A imagem de um humilde, pacato e pobre prior mulherengo atirado pelas circunstâncias para um papel histórico central não cola com a sua função de superior da Ordem dos Hospitalários, uma ordem militar terratenente, rica e poderosa no Portugal de então nem com o seu estatuto de filho do infante D. Luís, também ele Prior do Crato, e neto do Rei D. Manuel I.

A forma diarística introspectiva é uma solução engenhosa para explanar temas existenciais da vida do Prior do Crato como a permanente tensão entre a sexualidade e a religiosidade, os remorsos dos casos amorosos passados e a reflexão sobre a sua luta pelo trono e finalmente, já no exílio francês, a desilusão e a consciência de ter perdido.

Um livro bem apoiado numa séria investigação histórica.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Ao Contrário das Ondas

Ao Contrário das Ondas por Urbano Tavares Rodrigues

Quatro personagens verosímeis fazem isoladamente, na primeira pessoa e cada uma por sua vez uma introspecção que nos permite conhecer a história das suas vidas e os dilemas morais que enfrentam.

O impacto que as atitudes do personagem com carácter mais forte, Lívio, têm na sua mulher, na sua amante e no seu melhor amigo são escalpelizados à luz da personalidade de cada um deles. Os três últimos posicionam-se na vida de forma subalterna, sempre em função das acções ou omissões de Lívio. Este pelo contrário pensa pela sua cabeça e as suas decisões advém apenas do seu julgamento autónomo ainda que nem sempre fieis ao seu próprio posicionamento ideológico,

A fidelidade a ideais políticos e sociais, as tentações oportunistas que uma carreira bem-sucedida pode gerar, a coerência entre ideais e conduta pessoal, a responsabilidade social e pessoal dos líderes são temas actuais que merecem reflexão.

Um romance de extrema actualidade.

domingo, 1 de setembro de 2013

A Mulher que fugiu a cavalo

A Mulher que fugiu a Cavalo por D. H. Lawrence

O racismo e a misoginia tão profundamente entranhadas D.H. Lawrence, escritor inglês do primeiro quartel do século XX, são por demais evidentes neste seu conto mexicano.

O racismo que transparece na forma como são apresentados os índios comparados a animais, descritos como selvagens, abrigando um ódio injustificado ao homem branco que desejam através de rituais ingénuos, mas terrivelmente sanguinários, vencer.  O racismo transparece também na forma como define o homem branco excluindo explicitamente todos os que não são nórdicos  numa visão muito próxima das dos teóricos nacional-socialistas alemães. Escreve: “E às vezes o seu marido trazia visitas, espanhóis  mexicanos, e mais raramente homens brancos”.

misoginia está bem evidente na apresentação da mulher em redor da qual a história, extraordinariamente previsível  se desenrola e na mansa resignação com que se entrega a um absurdo sacrifício a um falso deus em prol de uma causa perdida.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Não há horas para nada

Não há horas para nada por Helena Vasconcelos

Histórias de mulheres contadas por uma escritora talentosa. Desenhos psicológicos de extraordinário recorte, pormenor e profundidade. Os sentimentos, os desejos e as estratégias de uma colecção de individualidades femininas nas suas diferentes relações com o mundo e com os homens.

Este livro ganhou merecidamente um prémio literário atribuído por um júri constituído, entre outros, por Eduardo Prado Coelho e Vasco Graça Moura. 

O Fantasma de uma oportunidade

O Fantasma de uma Oportunidade por William S. Burroughs

Um pedaço de terra arrancado a um continente, uma ilha em que a vida seguiu uma evolução independente e as várias espécies de lémures se tornaram omnipresentes. Madagáscar onde um pirata lendário criou uma comunidade democrática em harmonia com a natureza e em que era proibido matar o lémure. Destruída a utopia, exterminados membros da família da cauda anelada, os agentes dos Poderosos destruíram o Museu das Espécies Perdidas e libertaram as Doenças Extintas.

Uma metáfora ecologia. Uma premonição do Apocalipse. Um manifesto contra a perda da inocência e a consciência do tempo. Mas o que choca é o alinhamento de Burroughs com as teses do despovoamento do planeta e a sua preferência pelo irracional relativamente ao racional. Ideias perigosas aliadas a atraentes sonhos sobre a harmonia das espécies no seio da Mãe Natureza.

Uma linguagem cativante, clara e objectiva mesmo quando descrevendo as mais imaginativas e delirantes doenças, quimeras ou situações.
 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Pais e Filhos

Pais e Filhos por Ivan Turguéniev


A eterna guerra de gerações aqui ampliada e dramatizada pela distância social, ideológica e política dos principais protagonistas. O jovem Bazarov define-se como niilista, um termo que neste livro não tem o sentido que hoje lhe conferimos mas sim algo entre o materialismo, o anarquismo e o livre pensamento. De facto Bazarov afirma não reconhecer nenhuma autoridade nem nenhum principio sem o estudar, analisar e escrutinar a uma luz neutra e crítica. Do outro lado temos Pavel um homem de meia idade de pensamento conservador e tendências aristocráticas. O duelo entre os dois culmina uma animosidade e uma desconfiança a que a ideologia e a paixão não estão alheias.

Turguéniev não se contenta em ser um espectador desta contenda, tomando claramente o partido da geração mais velha e com o decorrer do enredo vemos um dos jovens converter-se às ideias tradicionais e transformar-se num chefe de família e administrador da propriedade do seu pai e o outro, Bazarov, morrer vitima de um amor socialmente impossível e do seu labor científico. As novas ideias assim marcadas como um devaneio estudantil sem lugar no mundo real dos adultos da Rússia, czarista, tradicional e ainda quase medieval em que os servos recentemente libertados viviam ainda sob o jugo dos grandes terra-tenentes.

Livro que é considerado o primeiro romance moderno russo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Assim nasceu Portugal - Os Reis da Reconquista Portuguesa

Assim nasceu Portugal - Os Reis da Reconquista Portuguesa de Stephen Lay

Portugal antes de Dom Afonso Henriques se desvincular do Reino de Leão, já tinha sido independente quando após a morte de Fernando Rei de Leão e Castela em 1065  e o seu reino foi dividido entre os seus filhos: Sancho II que herdou Castela, Afonso VI ficou com Leão e Garcia I ficou com o Reino da Galiza-Portugal. Seguiu-se uma guerra fratricida em que Garcia acabou feito prisioneiro do seu irmão Afonso. O seu curto reinado de 1065 a 1072 marca a primeira ascensão à independência do nosso país.

Os cinco primeiros Reis de Portugal conduziram  uma guerra de conquista lenta mas inexorável que os levou ao domínio da faixa litoral ocidental da Península Ibérica com excepção de uma pequena parte da costa Norte. Dos escassos 800 Kms que Portugal tem de comprimento parte já se integrava no condado Portucalense, pelo que a conquista até o Algarve que demorou mais de 120 anos (desde que Afonso Henriques se assumiu o condado até que no reinado de Afonso III o Algarve passou na totalidade para o seu controlo), se fez a um ritmo de menos de 5 Km por ano.  Na verdade a conquista fez-se de avanços e recuos com muitas localidades a mudar de mãos várias vezes antes.
O papel da Igreja, das ordens religiosas francesas, dos nobres e cruzados estrangeiros e das alianças matrimoniais da casa real na fundação do nosso país tudo é descrito e analisado com seriedade e num estilo que desperta o interesse. Lamentavelmente falta nesta História um elemento importante sem o qual nada parece fazer sentido. O povo português.

sábado, 27 de julho de 2013

Diário de um Homem Supérfluo por Ivan Turgueniev 


Três amores não correspondidos e um casamento de conveniência. Um príncipe, longe da corte, de passagem pelo mundo do funcionalismo de província. Um impulso que nasce forte mas cedo perde a sua força e se esvai num rasto de impotência, humilhação e sofrimento. Uma morte muito cedo anunciada e que rapidamente se concretiza.


 Pode um ser humano ser supérfluo? Pode a sua passagem pela terra não ter marcado nada nem ninguém? Ivan Turgenev, como muitos outris autores russos do século XIX acredita que sim. Não partilho da ideia da existência de uma pessoa que não faça falta, acredito que todos somos únicos, irrepetíveis e indispensáveis, embora nem sempre no papel que alguns querem protagonizar. 

sábado, 20 de julho de 2013

O Baile

O Baile por Irène Némirovsky


Uma família de judeus alemães pobres triunfa no mundo dos negócios e anseia por ser aceite pela alta sociedade. Para isso planeiam um grande baile, com orquestra e beberete, para o qual seleccionam cuidadosamente uma grande lista de convidados.

No decurso da preparação do baile as relações familiares entre marido e mulher e entre mãe e filha são submetidas a uma pressão crescente que culmina numa estranha reconciliação assente num equívoco. 

A ambição, a vaidade, a ânsia de reconhecimento, o medo da rejeição, a falta de atenção aos filhos, os desejos adolescentes de ser tratado como adultos, as birras da falta de educação e a vingança estão condensados neste pequeno trabalho de Irène Némirovsky.   

Num estilo simples, por vezes recorrendo a uma linguagem pobre e cheia de lugares comuns a obra acaba por resultar mais pelo enredo e pelo desfecho do que pela técnica estilista.

A Mesa Limão

A Mesa Limão de Julian Barnes

Uma colecção de onze histórias com uma temática comum o envelhecimento visto por dentro, pelos homens e mulheres que em si mesmos vão notando os sinais da decadência física e intelectual e meditam sobre a sua própria mortalidade.

Os personagens de Julian Barnes não encaram a sua velhice com sentimento positivo, planeando o que fazer com o tempo que dispõem tendo em conta as limitações que vão tendo, mas de uma forma amarga, voltando-se para o passado que lembram com um misto de nostalgia, remorso e desilusão ou tornando-se rabugentos zangados com o mundo. Não são, na sua maioria, doentes terminais nem na generalidade têm idade muito avançada, são antes pessoas submergidas pelo espectro de uma velhice que não conseguem enfrentar.

Vidas simples ou complexas, artistas ou pacatos trabalhadores, todos ficam atordoados com o declínio das suas faculdades e experimentam um pavor e uma amargura que não podem verdadeiramente compartilhar com ninguém. Estão sós perante um inimigo fatal: a Morte.


Um livro que, nos interroga, como o faz Sibelius num dos contos, sobre o tempo mais adequado ao último movimento da vida, da nossa vida. O compositor pelo seu lado decide-se por marcar na sua pauta um sostenuto deixando para o maestro a decisão final.  Eu, por mim, faria o mesmo.

domingo, 14 de julho de 2013

The sense of an Ending

The sense of an Ending por Julian Barnes

Uma reflexão exemplificada sobre o tempo, a memória e a História. Podemos confiar na nossa memória? Lembramo-nos de factos ou da nossa interpretação deles quando os vivenciamos? Podemos confiar nos documentos? Ou haverá outros que os desmentem? Como poderá a História erguer-se neste espaço em que a memória nos atraiçoa e a documentação nos mente?

Tony Webster debate-se na neblina da memória e dos documentos para reconstituir as razões que levaram o seu jovem e brilhante amigo, Adrian, a suicidar-se, em plena juventude, há 40 anos atrás, uma morte que na altura ele julgou ser motivada por razões diferentes daquelas que agora está prestes a descobrir.

A vida é uma dádiva que podemos rejeitar? È uma dádiva mas vem, tantas vezes, com tais condições, que se transformam num preço que não estamos dispostos a pagar. Será então justificado o suicídio?

Os remorsos atormentam Webster quando lê o que ele próprio escreveu quatro décadas atrás e pouco a pouco se vai apercebendo do seu contributo para todo um drama que poderia ter sido evitado. E o remorso não tem cura, nem o perdão o pode atenuar.

Um erro de leitura de uma frase da mãe da namorada, dita enquanto prepara os ovos para o pequeno-almoço, pode levar ao suicídio do nosso melhor amigo, pessoa que ela nem conhece nesse momento? Uma frase que pensámos que nos ajudava a ler a filha e que na verdade nos devia ter alertado para a personalidade de quem a proferia.


Julian Barnes é, sem dúvida, um potencial Prémio Nobel.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Isto não é um conto

Isto não é um conto por Denis Diderot


Um conjunto de contos. Um tema central: o amor humano.

Os primeiros dois são ilustrações no masculino e no feminino da tirania e do martírio do amor não correspondido; de como o amado pode manipular, oprimir e explorar sem escrúpulos nem remorsos quem o ama. O amor como uma armadilha, como teia inescapável mesmo quando se tem a certeza de estar preso a quem não o merce,

Os restantes contos exemplificam um caso de amor fraternal, entre irmãos que é, aqui, espontâneo, inquebrantável e duradoiro – muito para além da morte, muito para além das gerações.

Se o Amor entre um homem e uma mulher pode acabar por ser traído, pode acabar com uma das partes humilhada e ofendida, o Amor fraternal é eterno e inviolável.

O estilo coloquial, a forma um diálogo entre amigos, os temas abordados contribuem para que estes contos representem uma nova fórmula na arte de escrever contos.

Note-se a ironia dos contos - o primeiro chama-se "Isto não é um conto" e o segundo "Segundo conto". Este título inspirou séculos mais tarde um quadro célebre de René Magritte,

Rosa do Riboque

Rosa do Riboque de Albertino Bragança

Rosa do Riboque e outros contos marca o início da Literatura são-tomense no período pós-independência.

Alguns temas são marcadamente políticos nomeadamente a figura comovente de Rosa, uma jovem mulher do povo, alegre e despreocupada que por solidariedade e generosidade organiza apoio as famílias dos estivadores em greve. É presa pelas autoridades coloniais portuguesas, que a torturam. Face à tortura permanece firme demonstrando uma coragem que nos toca profundamente

Noutros contos podemos perceber a realidade rural e as suas estruturas familiares de São Tomé nas figuras bem desenhadas dos personagens.

A realidade de um pequeno país em que se falam várias línguas e em que a versão local do português, com estrutura específica, se tornou de um elo de união numa língua das elites governamentais.
 

O autor Albertino Bragança, é um importante político do seu país, tendo por diversas vezes desempenhado funções ministeriais. As suas incursões no mundo das letras têm contribuído decisivamente para a afirmação da ainda frágil literatura são-tomense.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Fio das Missangas

O Fio das Missangas por Mia Couto

Contos de Mia Couto. A perspicácia, a ironia, o humor e a imensa qualidade da escrita deste autor surpreendente estão lá, mas não podemos deixar de recordar que já lemos melhor da sua pena.

A invenção de palavras, ainda timida e residual, que aqui desponta está ainda longe da exuberância que viria a ter na sua obra.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Crime e Castigo

Crime e Castigo por Fiódor Dostoiévski

O valor da vida e o livre arbítrio são os temas centrais deste romance em que a transgressão é punida e o auto sacrifício louvado mas não recompensado.

Pode alguém ter o direito de, em nome de um bem maior, cometer crimes e mesmo assassinatos? Pode um ser humano, mesmo que vil, mesquinho, velho e doente, ser morto para que um jovem possa triunfar, para que muitos possam beneficiar do seu dinheiro?

Devem os génios, os mais talentosos, os grandes políticos, cientistas e artistas ter direitos diferentes do ser humano comum?

Pode o criminoso viver tranquilamente e em paz consigo e com o mundo? Que intrincados processos mentais levam quem cometeu o crime perfeito, e que nunca será apanhado, a confessar espontaneamente ansiando expiar a sua culpa?

A miséria impele o pobre para o delito ou, pelo contrário, é a degenerescência moral que empurra o individuo para a pobreza? Somos fruto das nossas circunstâncias ou criamos o nosso destino? Perguntas tremendas a que Dostoiévski não se furta e que são respondidas, sem ambiguidades, nas palavras e/ou nas ações dos personagens de Crime e Castigo.

A miséria e a pobreza vistas, mais do que como causas, como verdadeiras consequências da degeneração moral.

Sunismo


Sunismo

O Sunismo é o ramo maioritário do Islão.  Um desenvolvimento do judaísmo o sunismo acredita que Deus é único, em contraposição com a visão trinitária do cristianismo, e que o Maomé foi o seu maior Profeta a que Deus através do seu anjo Gabriel (o mesmo que apareceu à Virgem Maria) passou a sua mensagem.


Maomé nasceu a península arabica e viveu em Meca num grupo de descendentes de Abraão e criou uma religião com um apelo tão poderoso que hoje é uma das maiores do mundo.

Manuel da Silva

Manuel da Silva - 30 anos de Vida e Luta na Clandestinidade

Tendo adquirido, desde muito jovem, consciência política Manuel da Silva Júnior aderiu às Juventudes Comunistas e depois ao Partido Comunista Português a cuja causa dedicou toda a sua vida. Preso em 1936 foi deportado para Angra de onde regressou em 1939.  Desde o seu regresso até 1939 vai continuar com a sua companheira Gertrudes a sua militância e em 1945 entra na clandestinidade.

Feito notável consegue viver quase 30 anos clandestino, mudando de casa com frequência, tomando medidas de precaução e segurança, mas assegurando as suas tarefas de propaganda e de agitação. A clandestinidade implicou, contudo, muitos sacrifícios. Teve de, para segurança deles, separar-se dos filhos que foram acolhidos e criados na União Soviética e só pode revê-los depois do 25 de Abril.

Uma vida cheia em prol de uma causa em que acreditava.  

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Demónios

Demónios por Fiódor Dostoiévski

Numa Rússia czarista, fechada, conservadora, repressiva, sufocada pelo jugo simultâneo da aristocracia no plano económico e da Igreja Ortodoxa ao nível das ideias, uma geração jovem, educada e desocupada cresce sem valores nem horizontes, sendo atraída por ideologias terroristas cujo único propósito declarado é destruir os pilares da sociedade que odeiam.

Em tensão encontram-se três ideologias que se combatem. A pedra de toque as funda e distingue é a relação com Deus. A ideologia conservadora, encontra a sua justificação na Igreja Ortodoxa, cuja fé professa na plenitude. Os liberais da primeira geração, gradualistas e reformadores, cuja grande obra foi a libertação dos camponeses do regime de servidão, simultâneamente opostos à tirania mas receosos de grandes transformações sociais, eram tementes a Deus mas críticos da Igreja. Os niilistas ateus, desiludidos pelas reformas que pouco ou nada mudaram e rejeitando todos os valores morais, que vêm no caos e na destruição a única forma de actuação. Esta é o confronto que este livro nos conta, através das suas personagens, cada uma delas uma encarnação viva dos três grupos em liça.


Um livro actual que comporta muitas reflexões úteis num Portugal em crise em que as novas gerações estão a ser empurradas para posições niilistas pela incapacidade das elites de hoje de construir uma sociedade equilibrada e justa.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Gente Pobre

Gente Pobre por Fiódor Dostoiévski


Gente Pobre foi a primeira novela de Dostoiévski e um grande sucesso editorial. Considerado um dos primeiros romances sociais russos a história exibe claros contornos naturalistas mesclados com uma sátira mordaz. OS pobres aqui retratados são, de facto, a classe média baixa do funcionalismo público do czarismo novecentista que vive de uma forma muito contida, sempre a beira da completa miséria. Qualquer despesa extra, umas simples solas nas botas, um capote roto que tem de ser substituído, e as finanças pessoais desequilibram-se e a fome e o frio aliam-se para desferir o golpe de misericórdia fatal.
 
Escrita na forma de uma troca de correspondência entre um funcionário público de meia-idade e uma jovem sua prima e vizinha, a novela desvenda-nos as dificuldades materiais dos personagens mas acima de tudo a sua psicologia, os seus medos e esperanças. A valorização do aprumo acaba por traduzir-se em vergonha pela roupa coçada e sem botões, a importância atribuída ao esmero no trabalho esvai-se no erro grosseiro, o gosto pela vida intelectual é inquinada pela troça literato.

Sempre com uma aguda e dolorosa consciência destes factos, que descreve de forma satírica, ridicularizando-se, o personagem, masculino desequilibra-se na vida, vê aproximar-se a desgraça, balanceia entre a recuperação e a miséria e salva-se, como tanta gente pobre, graças ao acaso de uma esmola do chefe e ao casamento da prima com um homem abastado.

sábado, 20 de abril de 2013

Catas, Máximas e Sentenças

Cartas, Máximas de Sentenças de Epicuro


Como viver? Qual o propósito da vida? Que fazemos aqui no mundo? Perguntas eternas que ao longo dos séculos tiveram respostas diversas e contraditórias, todas discutíveis, todas de algum modo insatisfatórias. Umas logo refutadas, outras resistentes ao tempo e à reflexão adversa. Umas terreno fértil onde se multiplicam e florescem as ramificações, outras solo árido e seco sem descendência.

Na Grécia antiga, Epicuro reflectindo no seu Jardim ensinou-nos que a vida merece ser vivida livre de dor corporal e de terrores espirituais. E que o caminho para essa vida tranquila assenta na compreensão do papel dos deuses, da morte e da determinação e do acaso.

Sobre os deuses diz-nos que existem, que levam uma vida bem-aventurada mas totalmente afastada dos assuntos humanos em que não intervêm. Não há que contar com eles nem para o mal, não são eles que provocam as catástrofes naturais, políticas ou pessoais, nem para o bem, já que não ouvem as nossas preces. Eles existem mas não têm qualquer influência na nossa existência.

A morte explica é a ausência de sensações. Sem sensações não há dor, não há sofrimento. Na morte a alma sai do corpo e os seus átomos dispersam-se pelo universo. Nada há a temer, pois enquanto vivemos a morte não está presente e depois de mortos somos nós que não estamos presentes. Assim a morte não é nada para nós. Nunca a experimentaremos. Esta concepção nega a imortalidade e vê na morte o final absoluto da vida humana.

Os fenómenos na natureza, os ciclones, as secas, as tempestades, não são causadas por forças divinas, mas por causas físicas cuja explicação lógica será encontrada (e foi-o de facto) pelo seu estudo. No entanto recusa o determinismo absoluto, defendendo, com toda a sensatez, que o destino humano é fruto da tripla acção da necessidade, do acaso e dos seus próprios actos.

O Homem armado com este conhecimento pode levar uma vida feliz, tranquila e sóbria, desfrutando os prazeres autênticos, livre de dor física e principalmente dos terrores da alma.

Um autor frutífero cuja obra se perdeu na quase totalidade mas de quem os textos sobreviventes são indispensáveis para percebermos o mundo em que vivemos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Orlando - uma biografia

Orlando - uma biografia por Virginia Woolf

A Inglaterra através dos tempos, desde o período isabelino ao período entre guerras do século XX vistos por um biógrafo de um membro da alta nobreza.

Como num filme ritmado vemos a transformação primeiro lenta mas depois crescentemente acelerada, mas sempre nítida e finamente desenhada, da moral e dos costumes, dos meios matérias de vida como os transportes, o mobiliário e os trajes, das ideias filosóficas e literárias.

A busca da felicidade e do sentido da vida leva o jovem Orlando em direcções diversas e surpreendentes ao longo da sua vida secular, mudando de sexo, vivendo no seio de uma tribo cigana, escrevendo obras-primas da poesia, casando-se com um aventureiro.

Orlando a eterna jovem, a imortal, viajando docemente através dos tempos, com a sua inteligência viva, com as suas maneiras suaves mas determinadas, fundindo-se com o espírito dos tempos sem perder a sua individualidade, sem comprometer a sua alma, a sua inquietação e a procura das respostas fundamentais ao desafio da vida, é a Humanidade, o ser humano na sua caminhada através da História.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Grande Gatsby

O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald


Nos loucos anos 20 nos EUA todas as formas licitas e ilícitas serviam para fazer fortuna, a economia crescia, o dinheiro desaguava abundantemente, ao ritmo da especulação, nos bolsos dos grupos sociais no topo da pirâmide. A América corria sem o saber, nem o sentir para a Sexta-feira negra e para a Grande Depressão.

A dissipação, a ociosidade, as festas, as amantes são os interesses desta classe de ricos americanos que deambulam pelo planeta ao sabor de caprichos e de modas sem se deterem muito tempo em cada lugar. Sabendo-se intocáveis pela sua riqueza vão destruindo irresponsavelmente as vidas dos outros.

Um homem determinado vai subir rapidamente a escala social sem olhar a meios, por amor à sua antiga namorada rica, entretanto casada, mas que ele nunca esqueceu. Por ela assume um crime que não cometeu e que acaba pagar com a própria vida.

Um retrato preciso, desencantado e crítico, das classes superiores norte-americanas do pós-primeira grande guerra vistas por dentro com um misto de admiração e repulsa por alguém como o próprio Fitzgerald vindo de fora.   


segunda-feira, 25 de março de 2013

O Instinto Supremo


O Instinto Supremo por Ferreira de Castro

No mais profundo da brenha amazónica um punhado de homens, dispostos a morrer mas não a matar, procura estabelecer relações de amizade com a tribo dos parintintins.

 Recebidos com animosidade e com ataques tão ingénuos, os atacantes batem repetida e violentamente com os pés no chão para assustar, como ineficazes, conseguem através da troca de pequenos brindes, machados, missangas, espelhos, harmónicas, por adornos de penas produzidos pelos índios conseguem estabelecer uma base de entendimento e de amizade.

À medida que a ação se desenrola descobrimos a história de vários personagens como o médico que a mulher enganou mas que teve a coragem se seguir pacificamente com a sua vida, voltando a casar, numa sociedade que exigia vingança sangrenta, Jarbas o operário sindicalista perseguido que com os seus argumentos de bom senso vai conquistando os companheiros para o seu ideal, Curt o alemão, naturalizado brasileiro, que adoptou um nome índio e que ardendo de febre se mantém firme no comando do grupo, o Manga Verde e a sua fabulosa queda no abismo depois de ter cobiçado a mulher do patrão, e muitos outros.



quinta-feira, 21 de março de 2013

À espera no centeio

À espera no Centeio de J.D. Salinger

O relato feito na primeira pessoa da experiência de um adolescente de 16 anos no fim de semana prolongado que antecede o seu regresso a casa após ter sido expulso de um colégio interno. 

Holden é um jovem de sentimentos nobres, revoltado com a hipocrisia, escandalizado pela falta de autenticidade nas relações humanas, atormentado pela morte do irmão mais novo, que procura manter, num mundo de adultos, a pureza da infância. Esta é a história da crise da adolescência, do hiato entre a criança cândida e o adulto equilibrado.

Numa linguagem simples e coloquial, pontuada com muito calão juvenil da época, o livro capta admiravelmente os tormentos, as decepções e as ilusões próprias da mudança de idade.

Sucessivas gerações entraram na vida adulta lendo este livro, que foi e é leitura obrigatória em muitas escolas dos Estados Unidos. Pode parecer pueril e ingénuo a um leitor mais distanciado desta fase da vida.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Os Filhos da Meia-Noite

Os Filhos da Meia-Noite de Salman Rushdie


Este livro é um tesouro.

Cada ser humano é fruto de uma confluência fantástica de acontecimentos acasos, imprevistos e de múltiplas, contraditórias mas inescapáveis influências familiares, culturais, politicas. Cada um de nós carrega à nascença uma pesada e longa herança que nos marca e de que não nos podemos libertar. Face aos acontecimentos externos respondemos com o que apreendemos dos que nos antecederam e nos rodeiam. Presa no acaso e na história a margem de autodeterminação do individuo é mínima se não mesmo inexistente. Somos levados na corrente da vida como simples troncos num rio revolto e inconsciente. Mas podemos apesar de tudo encontrar a serenidade e a felicidade.

A Índia com as suas cores exóticas e cheiros singulares, e Saleem tem um nariz especial e um olfacto apurado, a Índia com as suas múltiplas línguas, com as suas muitas religiões e fervilhando no caldo das ideologias políticas, a Índia com a sua história milenar, com a sua luta pela independência, com a sua partição em três estados, com a sua violência, a sua pobreza, a sua opulência, a Índia com as suas virtude e defeitos é um mosaico perfeito, o palco ideal para ilustrar como tudo nos toca, nos molda, nos constrói.

O livro filia-se no realismo mágico e nos estudos pós-coloniais mas fá-lo de forma arrojada e irreverente criando novas palavras em inglês, misturando no texto muitas expressões de outras línguas e envolvendo o leitor e tornando-o participante na trama fabulosa da vida de Saleem.

quinta-feira, 7 de março de 2013

O Sol Nasce Sempre

O Sol Nasce Sempre por Ernest Hemingway

As festas de San Fermín em Pamplona prolongam-se por uma semana, no ambiente vivo, enérgico e fervilhante das multidões humanas reunidas para uma grande celebração. Um ambiente marcado pela excitação perigosa das largadas de touros, em que se arrisca a vida por um pouco de adrenalina, pela exaltação religiosa nas igrejas católicas apinhadas de gente, pela alegria e coragem induzidas pelo vinho, pelas touradas em que o confronto do homem com a besta, com a morte ganha uma dimensão espiritual cristalizada na afición tauromáquica.

A estrutura temporal, ordeiramente linear, triplica de O Sol Nasce Sempre conta-nos a história de um grupo de amigos antes, durante e depois das festas. Geograficamente a história reparte-se entre a Espanha e a França, a última vista como terra da sofisticação e da cultura, a primeira como espaço de autenticidade e proximidade com a Natureza.

Um estranho grupo de homens gravita em torno de uma aristocrata britânica ninfomaníaca. Temos o seu futuro marido, já cornudo consciente e sofredor procurando manter alguma dignidade impossível, temos Cohen o amante recentemente conquistado e repudiado mas que acalenta ainda a esperança de voltar a cair nas boas graças, temos o herói impotente mas dolorosamente apaixonado, temos Romero o jovem toureiro brilhante e audacioso mas conquistado, usado, surrado e abandonado e temos Bill o espetador atento e inteligente.

Neste emaranhado de relações doentias – que vira completamente do avesso o estereótipo que os homens procuram o sexo e as mulheres o amor – ninguém se salva, exceto Bill que nunca se envolvendo com a mulher fatal, nos dá afinal a grande lição de que é possível viver de forma mais sã sem abdicar dos prazeres da vida.

No seu estilo simples, despojado, coloquial mas não deixando de sondar as profundezas da alma humana Hemingway deixa-nos aqui um dos seus melhores trabalhos.