quarta-feira, 27 de junho de 2018

Discurso sobre o Colonialismo

Discurso sobre o Colonialismo por Aimé Césaire

Discurso sobre o colonialismo é um fenomenal libelo contra a opressão colonial europeia sobre os povos dos outros continentes, nomeadamente a África e a Ásia, submetidos pela força e pela crueldade.

Césaire percebe que o colonialismo começa pela falta de civilização do colonizador, disposto a sacrificar os valores humanos no altar do interesse económico - “Seria preciso estudar, primeiro, como a colonização se esmera em descivilizar o colonizador, em embrutecê-lo, na verdadeira aceção da palavra, em degradá-lo, em despertá-lo para os instintos ocultos, para a cobiça, para a violência, para o ódio racial, para o relativismo moral e mostrar que, sempre que há uma cabeça degolada e um olho esvaziado no Vietname e que em França se aceita, uma rapariguinha violada e que em França se aceita, um Malgaxe supliciado e que em França se aceita…”.

Desmonta, depois, com racionalidade e ironia as teorias racistas dos principais autores de língua francesa e aponta o caminho da dupla libertação a dos povos colonizados. Sobre a libertação dos povos colonizados alerta para o perigo do colonialismo europeu ser substituído pelo neocolonialismo americano.

Tendo este texto sido escrito em 1950 mostrou-se completamente neste ponto certeiro. Nos anos seguintes assistiu-se à proclamação da independência de muitas colonias inglesas e francesas e à sua mais ou menos rápida incorporação na esfera americana.  

Sobre a libertação dos países colonizadores escreve que “a salvação da Europa não tem a ver com uma revolução dos métodos; tem a ver com a Revolução; aquela que, à espera da sociedade sem classes, substituirá a estreita tirania duma burguesia desumanizada pela preponderância de uma única classe que tem como missão universal, porque na sua carne sobre todos os males da História, de todos os males universais: o proletariado”.

Aimé Césaire (1913-2008) foi um dos mais destacados pensadores progressistas Negros do século XX. Poeta, ensaísta encarnou com outros, entre os quais Léopold Senghor, Birago Diop e Léon Damas, o movimento intelectual da negritude, visando a libertação e a afirmação da pessoa Negra na sociedade francesa e no mundo. Membro do Partido Comunista Francês, a que adere em 1945, foi eleito Presidente da Câmara de Fort-de-France e deputado pela Martinica. Funda mais tarde, em 1958, o Partido Progressista da Martinica, um partido anticolonialista, com ideal socialista, visando a libertação do jogo colonial francês.


quinta-feira, 21 de junho de 2018

Crónica do Rei Pasmado


Crónica do Rei Pasmado de Gonzalo Torrente Ballester

Um Rei e uma Rainha que desejam ser felizes, um conde misterioso, um jesuíta corajoso, uma prostituta perspicaz e conhecedora da natureza humana, um inquisidor-mor bondoso, um frade ambicioso, um padre que comunica civilizadamente com o Diabo, uma sociedade supersticiosa e dependente de acontecimentos distantes, são os extraordinários ingredientes desta mordaz crónica de uns escassos dias da vida de Filipe III que foi Rei de Portugal durante 19 anos desde que subiu ao trono em 1621 até à Restauração de 1640.

Um enredo efabulado, um cenário repleto de palácios reais, celas de conventos, carruagens aveludadas, um estio de calor sufocante, confluem para tornar esta crónica, que reflete sobre os limites do público e do privado, sobre as relações entre a Igreja e o poder temporal, sobre a intolerância e a ambição, uma pequena obra-prima repleta de humor e atualidade.

De um outro ponto de vista, mais sociológico, temos neste romance uma ilustração do confronto de dois estilos de poder, raposas e leões como os descrevia Vilfredo Pareto. Os leões que pretendem governar pela força, apoiados nos autos de fé, nas fogueiras e na eliminação física dos adversários e as raposas mais astutas e subtis aqui representadas pelo Inquisidor-mor e pelo Duque de Olivares.

Os personagens portugueses e castelhanos cruzam-se numa corte em que as intrigas palacianas impulsionadas pelas mais comezinhas ambições ou desejos pessoais como assegurar descendência, ou ver a própria esposa nua, revelam um poder prisioneiro da religião, do valido, das regras da Corte.

Mas a verdade é que Filipe III foi um poderoso Rei na sua época, estendendo-se o seu domínio pelas quatro partidas do mundo. Só na Europa foi Rei de Portugal, de Nápoles, dos Países Baixos, da Sicília, da Sardenha, Príncipe das Astúrias, Duque de Milão, Conde da Borgonha, Conde de Charolais e Conde de Artois.

Gonzalo Torrente Ballester (1910–1999) foi um dos grandes escritores espanhóis do século XX, tendo recebido o Prémio Cervantes em 1985. Apesar de galego nunca escreveu na língua da sua região, preferindo usar o castelhano.