Menina a caminho de Raduan Nassar
Uma criança percorre as ruas de uma cidade de
província, assistindo às mais prosaicas e desvairadas cenas soberbamente
contadas, levando uma mensagem de desespero e rancor que entrega ao
destinatário e depois volta para casa onde se vê envolvida numa horrível cena
de violência domestica.
Reunindo cinco contos, alguns muito breves,
este livro mantém, contudo, uma persistente linha temática sobre a violência
física ou psicológica contra as mulheres, três dos cinco contos versam esse
tema, e um comum estilo literário cruamente descritivo e realista.
Protegido por um realismo acrítico,
recorrendo a um narrador impessoal e abstrato, Raduan Nassar flutua
ambiguamente entre a pura misoginia e falsa denuncia que consiste em mostrar a verdade
tal qual é e deixar ao leitor toda a responsabilidade de tirar as suas
conclusões.
Em todos os casos porém apresenta uma razão
de toda a violência e atribuí-a à mulher. Em a Menina a caminho a infidelidade
está na base das agressões, em Hoje de madrugada, um manual de tortura psicológica
de aguçada lamina que penetra até ao âmago, a insistência e finalmente em
Ventre Seco, uma carta a uma antiga mas recente amante, todo um conjunto de
queixas pueris.
Foi Prémio Pessoa este ano. Ao ler a sua obra
tenho sérias dúvidas do merecimento. Não qualidade da prosa que é inegável,
embora não excecional, mas pelo ódio que as suas personagens destilam sobre as
mulheres, sem que exista uma palavra de reprovação, critica ou rejeição, sempre
com um silêncio, que por persistente, se pode adivinhar cúmplice.