terça-feira, 22 de novembro de 2016

Menina a caminho



Menina a caminho de Raduan Nassar

Uma criança percorre as ruas de uma cidade de província, assistindo às mais prosaicas e desvairadas cenas soberbamente contadas, levando uma mensagem de desespero e rancor que entrega ao destinatário e depois volta para casa onde se vê envolvida numa horrível cena de violência domestica.

Reunindo cinco contos, alguns muito breves, este livro mantém, contudo, uma persistente linha temática sobre a violência física ou psicológica contra as mulheres, três dos cinco contos versam esse tema, e um comum estilo literário cruamente descritivo e realista.

Protegido por um realismo acrítico, recorrendo a um narrador impessoal e abstrato, Raduan Nassar flutua ambiguamente entre a pura misoginia e falsa denuncia que consiste em mostrar a verdade tal qual é e deixar ao leitor toda a responsabilidade de tirar as suas conclusões.

Em todos os casos porém apresenta uma razão de toda a violência e atribuí-a à mulher. Em a Menina a caminho a infidelidade está na base das agressões, em Hoje de madrugada, um manual de tortura psicológica de aguçada lamina que penetra até ao âmago, a insistência e finalmente em Ventre Seco, uma carta a uma antiga mas recente amante, todo um conjunto de queixas pueris.
  
Foi Prémio Pessoa este ano. Ao ler a sua obra tenho sérias dúvidas do merecimento. Não qualidade da prosa que é inegável, embora não excecional, mas pelo ódio que as suas personagens destilam sobre as mulheres, sem que exista uma palavra de reprovação, critica ou rejeição, sempre com um silêncio, que por persistente, se pode adivinhar cúmplice.

1 comentário:

  1. Embora sem haver lido o livro, corroboro teu comentário. A Bíblia culpa a mulher pela perda do paraíso, onde o homem aparece como a vítima da sua tentação e desobediência. Outras religiões também responsabilizam e punem mulheres por erros humanos que não são puníveis se praticados por homens (como a morte por lapidação das adúlteras) Sem apelar para o discurso feminista, é indiscutível reconhecer que na história da humanidade - escrita majoritariamente por homens - a misoginia é um fator constante.

    ResponderEliminar