segunda-feira, 24 de abril de 2017

O Amor de uma Boa Mulher



O amor de uma boa mulher

Um conjunto de oito contos de Alice Munro a escritora canadiana que recebeu o Prémio Nobel em 2013.

Bem localizados no tempo, anos cinquenta-sessenta do século XX, i.e. nas duas décadas seguintes ao fim da II Guerra, e no espaço, o Canadá rural de língua inglesa, estes contos centram-se em complexas personagens femininas que enfrentam problemas morais nas suas relações sentimentais e familiares cuja resolução altera definitivamente o rumo das suas vidas.

No primeiro uma enfermeira recebe uma desconcertante confissão de um assassinato, no segundo um casal hippie desagrega-se quando o marido desaparece durante uma viagem à Indonésia, no terceiro relatam-se as relações de uma inquilina com a sua senhoria, no quarto uma atriz e a sua filha debatem-se nas suas diferenças e esperanças, no quinto as crianças ficam com o pai quando a mãe parte com o seu amante, no sexto um homem vive com duas mulheres numa quinta isolada até que uma tragédia se abate sobre uma delas, no sétimo o aborto surge como tema, no oitavo uma criança acaba por reconquistar o amor da sua progenitora.

Muitos temas deslizam nestes contos, a relação com Deus, pergunta uma criança inocente: “O que quer dizerDeus abençoe?”; o regime democrático canadiano – uma mulher cujo marido fizera uma viagem à China perde o emprego porque “Alguém manifestou a preocupação de que ela pudesse promover, no emprego, a leitura de autores comunistas, influenciando assim as crianças que frequentavam a biblioteca. Ninguém afirmou que ela o fazia – apenas que havia esse risco”.

A condição feminina porém abarca a maioria das preocupações da autora, nomeadamente a do casamento e da relação homem-mulher - “Ela sentia que a vida, uma vez terminados os estudos consistia ainda numa série de exames a ultrapassar. O primeiro era arranjar um marido. Se não se tivesse conseguido isso por volta dos vinte e cinco, podia considerar-se, para todos os efeitos, que esse exame falhara”.

Abordando temas da vida quotidiana, dilemas morais e comportamentais familiares, através de uma escrita estranhamente descritiva, cheia de ambiguidades que se vão esclarecendo, Munro capta o leitor obrigando-o a uma atenção redobrada ao texto.

Um Prémio Nobel bem atribuído.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Finanças Locais

Finanças Locais

Este livro, da editora Página a Página, reúne as intervenções realizadas por diversos autarcas no encontro promovido pela Câmara Municipal de Évora e a revista cadernos Poder Local sob o tema “Finanças Locais – Repartição e Gestão dos Recursos ao Serviço das Populações”.

Fernando Cruz elenca as fontes de receita das autarquias locais e desfaz o mito da gestão despesista mostrando que o poder local, mau grado os violentos cortes de receita, apresenta superavit, i.e. não só não tem deficit como tem um excedente que em 2014 atingiu para o conjunto das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia mais de 390 milhões de euros em claro contraste com o deficit da Administração Central de mais de 7.400 milhões de euros!

Daniel Branco, autarca do Concelho de Oeiras, apresentando uma reflexão colectiva, levanta o importante problema da distribuição eléctrica. Poucos o saberão mas a distribuição de electricidade em baixa tensão, a que consumimos em casa, compete às Câmaras Municipais.

Até hoje as autarquias concessionavam este serviço à EDP, empresa pública pelo que as negociações eram padronizadas e simples. Com a privatização e a liberalização do mercado eléctrico quando começarem a caducar as actuais concessões, a partir de 2017, as autarquias terão de lançar concursos internacionais.

O desastre avizinha-se. Municípios pequenos a negociar com gigantes multinacionais como a Iberdrola ou a EDP. Provavelmente haverá regiões que, porque não lucrativas, deixarão de ter electricidade.

Daniel Branco propõe uma inteligente e sensata estratégia de agrupamentos municipais que permita as autarquias ganhar dimensão relevante em negociação assimétrica em que o peso está do lado das empresas.

As demais intervenções espraiam-se sobre temas como o IMI, os fundos provenientes da União Europeia, as políticas de pessoal das autarquias, a ordenação do território e muitos outros.

Um excelente livro para o cidadão que pretende conhecer e acompanhar o poder local.

terça-feira, 4 de abril de 2017

O Relativismo

O Relativismo de Raymond Boudon

O relativismo, que na segunda metade do século XX ganhou assinalável peso no pensamento liberal ocidental, tem vindo a ser atacado por diversas correntes alternativas de pensamento nomeadamente o marxismo, mas também por outras correntes e escolas filosóficas. Raymond Boudon fazendo tábua rasa de toda essa rica discussão, que olimpicamente ignora, avança com uma tese diferente.

Um livro estranho em que o autor, um reputado sociólogo e pensador francês, ataca o mesmo princípio, o do relativismo, que defende. Para isso cria as figuras do bom relativismo e do mau relativismo, sendo o mau uma versão extremada do bom.

Afirma liminarmente “O bom relativismo chamou a atenção para o facto de as representações, as normas e os valores variarem segundo os meios sociais, as culturas e as épocas. O mau concluiu daí que as representações, as normas e os valores são desprovidos de fundamento: que são construções humanas inspiradas pelo meio, o espírito do tempo, as paixões, os interesses ou os instintos”.

Partindo desta perspetiva Boudon enreda-se num discurso muitas vezes incoerente, fazendo inúmeras referências às ciências cognitivas e a outras áreas de saber que aparentemente não domina, sem que consiga distinguir claramente as duas formas de relativismo que identifica e sem explicar porque é que um é bom e outro mau nas suas consequências sociais, morais ou intelectuais.

Reclama de forma confusa e superficial uma filiação da sua tese nos conceitos de Max Weber de racionalidade difusa, racionalidade instrumental e racionalidade axiológica, sendo que, contudo, lhes dá contornos que se não encontram em Weber.

Na essência o relativismo defende que as ideias e valores não se podem hierarquizar e apenas podem ser compreendidos no contexto social em que emergiram e em que são aceites. Naturalmente existem versões diferentes de relativismo, mas dificilmente se aceitará uma divisão entre bom e mau como uma distinção científica e rigorosa.

Em suma, um livro confuso, mal argumentado, ao pior estilo do intelectualismo francês. A muito reduzida bibliografia mostra pouco trabalho de investigação para um trabalho desta ambição filosófica.