domingo, 29 de janeiro de 2017

Os Senhores do Mundo



Os Senhores do Mundo de Noam Chomsky

Uma colectânea de 8 ensaios publicados ao longo de várias décadas de intervenção cívica do grande intelectual norte-americano.

Os dois primeiros abordam justamente o poder dos intelectuais e do conhecimento que geram. Conclui que o papel positivo que os intelectuais progressistas devem ter é o de “aferir, avaliar, de tentar persuadir, organizar, mas não o de tentar tomar o poder e a liderança”. Chomsky escreveu este texto em 1970. Tem seguido coerente e corajosamente esta prescrição.

Depois analisa o papel da indústria de guerra na economia americana salientando que o investimento público de tão larga escala, os EUA gastam em defesa mais do que todos os outros países somados, permite subsidiar as empresas ineficientes que de outro modo já teriam fechado e financiar a investigação do setor privado (universitário e económico).

O terceiro ensaio, Uma exceção às Regras, mostra como os EUA aplicam dois pesos e duas medidas quando se trata do terrorismo, por um lado atacando quem o pratica e por outro apoiando os aliados, como Israel que matam indiscriminadamente civis, mas igualmente recorrendo a ele, muitas vezes em escala inaudita. São dados muitos exemplos de terrorismo levado a cabo pelos EUA, desde o massacre de My Lai ao assassinato de líderes religiosos estrangeiros.

Divina Licença para matar é um texto sobre as ideias de Reinhold Niebuhr um celebre pregador cristão que justificava as ações criminosas dos EUA com base nas Escrituras. Defensor de uma cruzada santa para acabar com o bolchevismo nos Estados Unidos apoiou o macartismo. Chomsky denuncia o facto de os EUA quererem impor ao mundo Tribunais Internacionais ao mesmo tempo que se recusam a sua jurisdição. Dá o exemplo da recusa dos Estados Unidos em se submeter à decisão do Tribunal Internacional de Justiça que ordenou que parassem com o uso da força contra a Nicarágua continuando a fornecer armas aos terroristas que massacraram milhares de pessoas.

Mais á frente retoma o tema da Nicarágua. Um excerto: “A Nicarágua foi reduzida ao segundo país mais pobre do hemisfério, com 60% das crianças abaixo dos dois anos de idade a sofrerem de anemia devido à subnutrição e provavelmente danos cerebrais irreversíveis, após o país ter sofrido baixas durante a guerra terrorista que, em termos per capita, seria comparável a 2,5 milhões de mortos nos EUA…” número superior ao sofrido pelos EUA em todas as guerras do século XX.

Em Consentimento sem Consentimento: Reflexões sobre a Teoria e Prática da Democracia, discorre sobre o facto de as classes dominantes americanas reinarem sobre o povo clamando que o fazem com o seu consentimento de uma forma indireta, i.e., sem o consentimento explicito, muitas vezes até contra a vontade expressa, mas em defesa do interesse mais profundo. Como um pai que impõe a sua vontade aos filhos no interesse destes. Tal ideia foi desenvolvida pelo teórico americano Giddings e é largamente aplicada nas democracias ocidentais.

Este método antidemocrático é mascarado por retórica que parece satisfazer os eleitores mas atua contra a sua vontade. Por exemplo “garantir a sustentabilidade da segurança social” objetivo que todos apoiam significa na prática diminuir prestações para aliviar as empresas de contribuições, ou noutra versão “preservar e proteger o Medicare” significando diminuir comparticipações.
 
Os restantes ensaios abordam questões importantes como o aquecimento global e a estratégia do lobby petrolífero que pretende continuar a aquecer o planeta,

Um livro muito interessante sobre como as elites dos Estados Unidos dominam o seu povo e o tentam impor a sua vontade ao resto do mundo. Pena que a tradução seja algumas vezes deficiente, o que não impede contudo a leitura proveitosa.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Lisboa - Roteiros Republicanos



Lisboa Roteiros Republicanos por Maria Calado

A I República teve uma existência curta mas intensa, começou com uma revolução que derrubou uma dinastia secular, sobreviveu a tentativas armadas de restauração monárquica, arrastou o país para uma guerra mundial, foi interrompida por ditaduras efémeras, viu cair assassinado um Presidente e vários dos seus heróis, viveu atribulada e agitada, apresentou-se palavrosa e acutilante no verbo mas não produziu obra, não desenvolveu o país e quando se finou deixou-o em profunda crise. Poucos a choraram.

Este livro ilustra bem estas características da I República. Dois exemplos. A instrução e a habitação social.

A primeira considerada como a grande prioridade, a base da emancipação humana, a prioridade das prioridades, a grande paixão republicana, muitos discursos inflamados, muitos planos mas escassíssimos resultados para além da mudança de nome dos Liceus e das Escolas Superiores. Em termos de analfabetismo depois de tanto pregar e profiar “iria traduzir-se na redução de 3,,1% do analfabetismo na capital no final da República, de 30% (censo de 1911) para 27,7% (censo de 1925)”. Caso para lembrar o ditado popular “muita parra e pouca uva".

A segunda tida por essencial para melhorar a saúde pública e as condições de vida da população lisboeta. Planos e plantas não faltaram como os elaborados por Ventura Terra, vereador da Câmara de Lisboa, relativo ao Casal Ventoso. Mas preferindo acumular a vereação com intensa atividade profissional, nomeadamente no desenho e construção de elegantes moradias nas zonas mais nobres da cidade, não conseguiu alterar uma simples pedra no bairro operário construído numa encosta batida pelo vento. Não avançando qualquer obra “reduziu-se a ambição do projeto, mas mesno assim nada se fez”. Paradigmático para outros locais onde também “a intervenção nos bairros pobres da capital acabou por não se efetuar”.

As poucas obras de encetou não as concluiu. “Em Lisboa a I República só conseguiu iniciar dois bairros sociais: um é o Bairro Social da Ajuda, só inaugurado em 1937, e outro é o Bairro do Arco do Cego cujo projeto elaborado em 1919 pelos arquitetos Adães Bermudes e Frederico Caetano de Carvalho … só foi terminado em pleno Estado Novo…”.

Um excelente retrato de um regime desastroso que, pela sua inépcia, abriu caminho à mais longa ditadura da nossa história.

sábado, 14 de janeiro de 2017

EUA Versus China



EUA versus China de José Manuel Félix Ribeiro

O conflito que vai moldar o desenvolvimento do sistema internacional nas próximas décadas. A emergência pacífica da China como potência económica e militar coloca desafios aos Estados Unidos a potência dominante e recentrar o seu foco na zona do Pacífico.

O domínio da Ásia passa largamente pelo controlo do Médio Oriente, já que quer a China, quer a Índia, o Japão e a Coreia são fortemente dependentes do petróleo dessa região. As fontes e as rotas de abastecimento do ouro negro são vitais para as economias asiáticas. Quem as dominar terá influência decisiva na Ásia.  

As implicações da nova centralidade deste conflito para a Alemanha e para a sua política expansionista para Leste, veja-se os acontecimentos de 2014 na Ucrânia, podem afetar gravemente o nosso país. Políticas alternativas devem ser pensadas para cada cenário.

Félix Ribeiro apresenta uma análise muito realista do ciclo de mundialização desencadeado a partir do final da década de 70, assente no colossal deficit externo americano, no domínio do dólar e da liberalização do comércio e da circulação de capitais e das crises sucessivas que desde então assolam o mundo. A descrição da crise do subprime, causas, curas e consequências das políticas adotadas são aqui expostas com grande clareza.

O capítulo sobre o Euro, visto como um grande erro estratégico da França, é particularmente penetrante na visão sobre a Alemanha. Não resisto a citar algumas ideias:




  • “A Alemanha é uma grande economia exportadora mas não é uma inovadora…”
  • “A Alemanha não tem a dimensão nem a disposição para incentivar o conjunto da zona euro com estímulos à sua procura interna que pudessem por em causa a competitividade da sua indústria exportadora (e aliás se o fizesse os principais beneficiados seriam as economias de Leste e as economias emergentes…”
  • “A Alemanha não está disponível para financiar diretamente os resgates dos Estados em dificuldades, e por isso tem de impor em prazos curtíssimos processos drásticos de consolidação orçamental sustentada; sendo que no caso dos Estados da Europa do Sul o único meio que dispõe para assegurar a continuidade deste processo é manter esses Estados sob o peso de dívidas incomportáveis cujo refinanciamento dependa em última instância da sua concordância ….”
  • “A Alemanha não aprece estar interessada no espaço do Mediterrâneo …


Uma análise prospetiva de grande profundidade e rigor que desenha cenários realistas sobre o que nos espera num horizonte de 20 anos.

O Professor José Manuel Félix Ribeiro é o pai e o grande impulsionador da investigação prospetiva em Portugal, ainda uma área de saber muito titubeante entre nós. Tem desenvolvido um trabalho notável. Este livro é um bom exemplo.