quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Os flagelados do Vento Leste


Os Flagelados do Vento Leste de Manuel Lopes

Na ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde, o vento leste forte, seco, quente, soprando de África, é prenúncio seguro de desgraça, fome e morte.

Mesmo em anos de chuva abundante e revivificante, com as hastes do milho a brotar do solo prometendo produção abundante se a lestada chega do continente tudo definha e a terra verdejante em pouco tempo se transforma num deserto árido. Perdidas as culturas, nas vastas montanhas da ilha, as gentes gemem sob o peso da fome.

Em breve se começaram a cavar as covas para enterrar as crianças, depois as mulheres e finalmente os homens, sob o olhar indiferente e ausente das autoridades portuguesas, criminosamente desinteressadas da sorte dos negros cabo-verdianos.

Eis no coração da saga de José Cruz, nho Isé, pequeno rendeiro que lavra, numa luta constante contra a adversidade, os terrenos de um proprietário ausente. A sua determinação, a sua Fé, a sua coragem e generosidade cedem pouco a pouco à desgraça, mas a sua dignidade mantém-se intacta.

Um livro emocionante que nos confronta com a pobreza, o sofrimento e com os dilemas morais da fome. Que legitimidade de roubar para não morrer? Toda, responderia eu, o autor é mais ambíguo.

Com temática neorrealista esta obra procura incorporar termos e estruturas da língua cabo-verdiana no português literário.

Manuel Lopes (1907-2005), grande escritor e intelectual cabo-verdiano, fundador do movimento da Claridade, viu este seu livro adaptado para cinema pelo realizador António Faria.

Recordemos à guisa de conclusão o poema de Ovídio Martins inspirado na mesma fatalidade:

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor
não houve campanha de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternalmente para nós
Somos os flagelados do Vento-Leste!

Para pensarmos quando ouvirmos repetir o mito salazarista que o colonialismo português era mais humano que outras abominações, afinal semelhantes.

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