Os Flagelados do Vento Leste de Manuel
Lopes
Na ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo
Verde, o vento leste forte, seco, quente, soprando de África, é prenúncio seguro
de desgraça, fome e morte.
Mesmo em anos de chuva abundante e revivificante,
com as hastes do milho a brotar do solo prometendo produção abundante se a
lestada chega do continente tudo definha e a terra verdejante em pouco tempo se
transforma num deserto árido. Perdidas as culturas, nas vastas montanhas da
ilha, as gentes gemem sob o peso da fome.
Em breve se começaram a cavar as covas para
enterrar as crianças, depois as mulheres e finalmente os homens, sob o olhar
indiferente e ausente das autoridades portuguesas, criminosamente desinteressadas
da sorte dos negros cabo-verdianos.
Eis no coração da saga de José Cruz, nho Isé,
pequeno rendeiro que lavra, numa luta constante contra a adversidade, os
terrenos de um proprietário ausente. A sua determinação, a sua Fé, a sua
coragem e generosidade cedem pouco a pouco à desgraça, mas a sua dignidade
mantém-se intacta.
Um livro emocionante que nos confronta com a
pobreza, o sofrimento e com os dilemas morais da fome. Que legitimidade de roubar
para não morrer? Toda, responderia eu, o autor é mais ambíguo.
Com temática neorrealista esta obra procura
incorporar termos e estruturas da língua cabo-verdiana no português literário.
Manuel Lopes (1907-2005), grande escritor e
intelectual cabo-verdiano, fundador do movimento da Claridade, viu este seu
livro adaptado para cinema pelo realizador António Faria.
Recordemos à guisa de conclusão o poema de
Ovídio Martins inspirado na mesma fatalidade:
Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor
não houve campanha de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternalmente
para nós
Somos os flagelados do Vento-Leste!
Para pensarmos quando ouvirmos repetir o mito
salazarista que o colonialismo português era mais humano que outras abominações,
afinal semelhantes.
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