Levantado do Chão de José Saramago
O latifúndio espraia-se pela planície, vigiado
pela guarda, velado pela polícia política, defendido pelo poder político,
impondo as suas regras de trabalho desumano, de fome, miséria e morte.
Gerações de camponeses, desde os tempos
medievais, serviram o latifúndio com sangue, suor e a sua vida nada recebendo
em troca que não migalhas que nem a fome conseguiam evitar.
É desse chão fértil e generoso, mas
sequestrado por proprietários egoístas e tiranos, que uma nova geração,
primeiro a medo, empurrada pela necessidade extrema, e depois mais esclarecida
pela liderança operária, vai iniciar um longo movimento de se levantar e, por
fim, tomar o seu destino em mãos. E quando finalmente se levantam e marcham determinadas
rumo ao seu destino não vão sós. Acompanham-nas nesse moto, as gerações
passadas, que ali afluem vindo do fundo dos tempos apoiar os seus filhos e
netos e com eles partilhar esse momento de libertação.
Um romance inovador também pela forma em que
se conjuga um tom torrencial coloquial de contar com um brilhante domínio da
escrita e uma inovadora abordagem da pontuação.
A reflexão profunda sobre o sentido da vida (“a quem farão as três perguntas para que não
há resposta, quem és, donde vens, para onde vais”) e da religião (“porque nenhum deus é digno do seu criador e,
portanto não o deverá ver”) mas também a o trabalho do campo nas suas múltiplas
vertentes (“ceifar, carregar molhos,
gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue, malhar o centeio, tapar palheiro,
enfardar a palha ou o feno, malhar o milho, desmontar, espalhar o adubo, semear
cereais, lavrar, cortar, arrotear, cavar o milho, tapar as craveiras, podar,
argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covatas para estrume ou bacelo,
abrir valas…” ) e a saga dos Mau-Tempo com os seus olhos azuis fugidios.
Uma obra-prima da Literatura portuguesa, em
que a narrativa nos move e comove, muitas vezes até às lágrimas, nos ensina e
nos lembra o nosso passado e nos alerta para o presente.