quarta-feira, 23 de março de 2016

Levantado do chão

Levantado do Chão de José Saramago

O latifúndio espraia-se pela planície, vigiado pela guarda, velado pela polícia política, defendido pelo poder político, impondo as suas regras de trabalho desumano, de fome, miséria e morte.

Gerações de camponeses, desde os tempos medievais, serviram o latifúndio com sangue, suor e a sua vida nada recebendo em troca que não migalhas que nem a fome conseguiam evitar.

É desse chão fértil e generoso, mas sequestrado por proprietários egoístas e tiranos, que uma nova geração, primeiro a medo, empurrada pela necessidade extrema, e depois mais esclarecida pela liderança operária, vai iniciar um longo movimento de se levantar e, por fim, tomar o seu destino em mãos. E quando finalmente se levantam e marcham determinadas rumo ao seu destino não vão sós. Acompanham-nas nesse moto, as gerações passadas, que ali afluem vindo do fundo dos tempos apoiar os seus filhos e netos e com eles partilhar esse momento de libertação.

Um romance inovador também pela forma em que se conjuga um tom torrencial coloquial de contar com um brilhante domínio da escrita e uma inovadora abordagem da pontuação.

A reflexão profunda sobre o sentido da vida (“a quem farão as três perguntas para que não há resposta, quem és, donde vens, para onde vais”) e da religião (“porque nenhum deus é digno do seu criador e, portanto não o deverá ver”) mas também a o trabalho do campo nas suas múltiplas vertentes (“ceifar, carregar molhos, gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue, malhar o centeio, tapar palheiro, enfardar a palha ou o feno, malhar o milho, desmontar, espalhar o adubo, semear cereais, lavrar, cortar, arrotear, cavar o milho, tapar as craveiras, podar, argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covatas para estrume ou bacelo, abrir valas…” ) e a saga dos Mau-Tempo com os seus olhos azuis fugidios.

Uma obra-prima da Literatura portuguesa, em que a narrativa nos move e comove, muitas vezes até às lágrimas, nos ensina e nos lembra o nosso passado e nos alerta para o presente.
 


domingo, 6 de março de 2016

O Futuro do Poder

O Futuro do Poder de Joseph S. Nye



Joseph Ney reflete sobre o poderio norte-americano e não vê poder alternativo capaz de substituir o domínio americano nas próximas décadas, mas vê ameaças para as quais nem a maior superpotência tem capacidade para agir sozinha, por exemplo as alterações climáticas.

Partindo de uma análise tridimensional Ney conclui que ao nível militar vivemos num mundo unipolar, com os EUA a serem a única potência com alcance planetário (o orçamento da defesa americano é superior ao do dos outros países do mundo todos somados, o orçamento militar da Rússia é apenas de cerca de 10% do orçamento americano e três vezes mais pequeno que o da Europa, e o da China apenas ligeiramente superior ao da Rússia), ao nível económico o poder está mais espalhado sendo o mundo praticamente multipolar entre os EUA, a União Europeia, o Japão e a China. O terceiro nível é o “reino das relações transnacionais … que se encontram fora do controlo governamental”, aqui cabendo toda uma miríade de atores não-governamentais. Neste reino o poder é difuso não se encontrando concentrado.

Face a este cenário Ney advoga a utilização do poder inteligente, uma mistura do poder duro com o poder suave, para que os EUA atinjam os seus objetivos. O poder é contextual e nem sempre as mais bem equipadas, treinadas forças armadas são o melhor instrumento para atingir os fins propostos.


Para explicar esta nova realidade não bastam as teorias tradicionais das relações internacionais, uma nova síntese é necessária e Ney propõe, ainda que não neste livro entre em explicações teóricas, uma fusão entre o realismo e o liberalismo, algo a que chama o realismo liberal.

Um livro muito interessante em que os conceitos e as formas do poder suave são também bem explicados e exemplificados.