terça-feira, 28 de abril de 2020

A Baixa às 4 da tarde

A Baixa às 4 da tarde por André Brun

Num estilo bem-humorado, embora muitas vezes preconceituoso e elitista, André Brun descreve-nos o ambiente da Baixa lisboeta no final da segunda década do século XX.

Delimitando a baixa a zona entre o Largo das Duas Igrejas, o Rossio e a Rua da Prata, definindo-a como o âmago da cidade, como o centro cosmopolita de Portugal para lá do qual “estende-se, para um lado o Minho longínquo, cheio, ao que se diz de lindas raparigas e alegres romarias; para o outro, para um Algarve beijado pelo sol”, André Brun descreve-nos, em pinceladas largas, coloridas e certeiras as ruas, as lojas, mas acima de tudo os vários tipos de pessoas que se aglomeram nos cafés, nas esquinas, em frentes das vitrinas do comércio, no interior das livrarias e dos estabelecimentos comerciais.

Um texto escorreito, leve, divertido e que à distância de mais de um século nos ajuda a perceber a ociosidade e a forma de vida das elites portuguesas dos finais da monarquia e do início da república.

O texto resulta de uma palestra que o autor deu no dia 8 de dezembro de 1910 no salão Trindade … na baixa.

O nosso Agente em Havana


O nosso Agente em Havana de Graham Greene

Um pequeno comerciante de aspiradores, inglês radicado em Cuba nos tempos antes da revolução é aliciado para trabalhar para os serviços secretos britânicos.

Um romance leve, irónico, muito divertido mas certeiro na crítica social e política. Uma comédia de enganos em que a ficção se transmuta em realidade com efeitos dramáticos. O mundo fechado e irreal dos serviços secretos e os malefícios que causam.

Muito interessante a distinção entre os torturáveis e o não torturáveis elaborada pelo capitão Segura. E quem são os torturáveis como explica o militar ao comerciante inglês “Os pobres do meu próprio país, de qualquer país latino-americano. … Em Cuba a polícia pode usar toda a brutalidade que quiser com os imigrantes da América Latina e dos estados do Báltico, mas não com os visitantes do seu país ou da Escandinávia. É uma distintiva …”.  Mais tarde o agente em Havana ao reflectir sobre as palavras de Segura concluí que, de facto, “Ninguém se incomoda com o que ocorre nas nossas prisões, nem nas prisões de Lisboa….”. Na altura em Portugal imperava Salazar com a sua polícia politica que a muitos perseguiu, prendeu e matou. Desde que seja pobre qualquer pessoa pode ser torturada. Bem verdade.

Se transformarmos as nossas fantasias em segredo de Estado elas tornam-se perigosas.

O livro foi publicado em 1958 um ano antes da tomada do poder por Fidel Castro e retrata a sociedade anterior a esse acontecimento histórico.

Graham Greene (1904-1991) foi um escritor e jornalista britânico. Durante um período curto mas marcante na sua obra literária trabalhou efetivamente para os serviços secretos de Sua Majestade.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Corrupção

Corrupção por Eduardo Dâmaso

Um jornalista que se debruce sobre o tema da corrupção deve manter uma postura séria e à prova de bala, não pode escrever levianamente sobre o seu tema, pois todas as palavras pesam quando se fazem acusações graves a governos, empresários e gestores.

Ao escrever que o PCP foi financiado pelo bloco de Leste Dâmaso atirou a sua credibilidade pela janela fora. Na verdade com a abertura dos arquivos secretos do Kremlin uma horda de jornalistas ocidentais, quais feras, vasculhou esses papéis em busca de conexões entre os Partidos Comunistas locais e os serviços secretos soviéticos bem como ligações de financiamento legal ou ilegal. Em alguns casos como na Alemanha encontraram algumas provas de financiamento do KDP pela RDA, mas no caso português não encontraram nada, absolutamente nada. Foi a grande desilusão de jornais como o Expresso que pretenderam fazer render esse peixe mas que nada puderam mostrar porque … nada havia. Se o houvesse tudo teria sido publicado até ao menor detalhe.

Ora ao falar no tema Dâmaso mostra que é pessoa capaz de mentir descaradamente sobre um assunto que sabe muito ser falso. E como diz o povo “quem faz um cesto faz um cento”. Como acreditar então numa única linha do que escreve? Impossível. Fica sempre a sombra da mentira descarada a pairar nas outras acusações graves e sem provas que faz.

É pena porque o livro revela-se nalguns casos como uma boa fonte de informação sobre algumas decisões judiciais mais escandalosas e sobre alguns casos de corrupção. Infelizmente mistura factos com opinião, numa amálgama difícil de destrinçar e que prejudica fatalmente todo o seu projecto de denúncia da corrupção.

Dâmaso tinha o material, a experiência e as capacidades para fazer um excelente livro de denúncia que se tornasse referência na exposição dos casos de corrupção e na elucidação da opinião pública sobre forma como o sistema político e judicial tem promovido a ocultação e branqueamento da corrupção. Ao deixar-se levar por preconceitos, ideias feitas, misturar factos com conjecturas, intenções e opiniões deitou por terra o objectivo a que explicitamente se propôs. Fica mesmo nalguns casos a sensação de estar a forçar/distorcer os factos para se encaixarem na sua teoria dos acontecimentos.

É pena.