quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Mão do Diabo

A Mão do Diabo por José Rodrigues dos Santos


José Rodrigues dos Santos domina a técnica do policial americano, mestriza a língua portuguesa na sua vertente jornalística e popular, imaginou uma trama promissora, mas escolheu escrever um longo e aborrecido panfleto propagandístico da visão politica neoliberal da crise económica.

Com longas tiradas sobre a crise que parecem saídas da boca de  Medina Carreira, este livro mistura frases feitas com erros básicos de economia e um sem número de referências descontextualizadas a várias personalidades e acontecimentos internacionais.

Não se trata de literatura nas de um folheto politico em que a cassete neoliberal é repetida à exaustão (blá, blá, blá, inevitável, blá, blá, sacrifícios  blá, blá, desvalorização interna, blá, blá, blá, necessário diminuir salários, blá, blá, blá, euro, blá, blá, competitividade pelos salários, blá, blá, blá). Podia ser um comício populista, saiu um livro. 

O Juramento dos Cinco Lordes

O Juramento dos cinco Lordes por Yves Sente e Andre Juillard

Religiosamente em Dezembro é lançado um álbum com as aventuras de Blake e Mortimer a dupla criada por Edgar Pierre Jacobs, agora nas mãos menos hábeis de Yves Sente e Andre Juillard.

T.E. Lawrense, celebrizado como Lawrence da  Arábia, morreu aos 46 anos num acidente de moto em Inglaterra.  Nesta história este trágico acontecimento é relatado como um assassinato político perpetrado pelos próprios serviços secretos ingleses.

Como aqui escrevi : Quando morre um criador de banda desenhada devia ser proibido que outros continuem a publicar histórias com os seus heróis.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Mudanças

 Mudanças por Mo Yan


Uma vida que acompanha o evoluir da sociedade chinesa no último quartel do século XX. O crescimento económico  a urbanização, a explosão das cidades, a prosperidade material, a modernização tecnológica  tudo perpassa neste romance de tons autobiográficos.

As mudanças políticas, o fim das comunas, o pragmatismo económico, a guerra com o Vietname, são nítidas e têm consequências na vida dos personagens. Algo, contudo, permanece. A via informal, a corrupção, o nepotismo e o amiguismo, os casamentos arranjados pela família e por interesse.

A cultura é sempre mais difícil de mudar. É esta cultura, com os seus defeitos tão abertamente assumidos,  que provavelmente vai ser o maior travão ao crescimento deste grande país cuja revolução já foi farol e esperança para tantos no mundo. A sociedade moderna é incompatível com o lado “mafioso” da cultura chinesa. A Itália do Sul que o diga.

Um bom livro. Mas não foi seguramente por este texto que Mo Yan recebeu o Prémio Nobel.


sábado, 15 de dezembro de 2012

D. Maria I

D. Maria I por Jenifer Roberts


D. Maria atravessou tempos tumultuosos mas não esteve à altura dos desafios que enfrentou. Assistiu à independência dos Estados Unidos com a sua República democrática, foi contemporânea da Revolução francesa, sofreu com o Terramoto de 1755, presenciou a subida ao poder do Marquês de Pombal, mas quando subiu ao trono negligenciou o desenvolvimento económico, desinteressou-se pelo governo do país, que durante anos foi assegurado por apenas dois ministros, restituiu o poder à Igreja e à alta nobreza e reabilitou os condenados da conspiração dos Távora.

Educada como princesa, mas não como Rainha, isto é sem os ingredientes, político, estratégico e económico, indispensáveis a um Chefe de Estado, casada com um tio (D. Pedro irmão de seu pai o Rei D. José I), a sua personalidade frágil e extremamente permeável a uma religiosidade extremada acabou por sucumbir aos reveses da vida, remorsos pelas perseguições aos jesuítas levadas a cabo no Reino de seu pai, que ela acreditava estava já no Inferno, pela morte dos filhos, entre os quais o príncipe herdeiro vitima já adulto de varíola. Acabou por enlouquecer e a regência do Reino ser entregue, num momento em que o seu marido/tio já tinha morrido, ao seu filho, futuro Rei D. João VI.

Foi já louca que seguiu de barco para o Brasil aquando das invasões francesas para as quais não soubera preparar o país, criando as condições que permitissem a defesa de Portugal. Foi no Rio de Janeiro que acabou por falecer.

Um retracto de uma Rainha incompetente, que sem querer, tanto mal causou ao seu próprio país.


domingo, 9 de dezembro de 2012

Ode Marítima

Ode Marítima por Álvaro de Campos

Um paquete que passa desencadeia na alma do poeta uma roda de sensações e reflexões, que sobem de tom, culminando numa exaltação delirante, doentia e  masoquista, para logo se desvanecerem acabando numa imobilidade triste e insatisfeita presa à realidade concreta do real.

Na grande aventura marítima  e a pirataria incorpora todos os ângulos dessa saga marinheira, Álvaro de Campos funde-se simultaneamente com carrascos e vítimas, com violadores e violados, com assassinos e assassinados, com a fúria e o medo, e cristaliza essa estranha união na dor. Dor física do moribundo, dor eterna de Prometeu.  A dor procurada, querida, o culto do sacrifício voluntário, sem sentido nem honra, nem esperança.

Típico do espírito da época de guerras em que foi escrito, um espírito que conduziu a regimes odiosos na Europa e que a transportou para um segundo confronto – o mais mortífero e sanguinário de toda a História Humana.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Utz

Utz por Bruce Chatwin


As singelas figuras coloridas, de cores desmaiadas, de porcelana da fábrica de Meissen criada no início do século XVIII na sequência do apoio do Rei Augusto II da Polónia, um apaixonado pela porcelana chinesa, a um conjunto de alquimistas que acabaram por descobrir o segredo do fabrico deste material, são hoje peças de museu e de coleção. Os seus preços são exorbitantes. A fábrica, essa, depois de três séculos, contínua em laboração, um bom exemplo de empresa pública, que sempre foi e ainda é, de sucesso.

Kaspar Utz um abastado barão alemão da região dos sudetas acaba, depois do turbilhão da II Grande Guerra, a viver em Praga então capital da Checoslováquia um país comunista. Possui uma grande coleção de porcelanas de Meissen que guarda em casa e uma fortuna depositada num banco suíço.

Com arte e engenho vai usufruir das duas. Mantêm a posse da sua coleção, prometendo doá-la ao Museu local depois da sua morte. E consegue obter anualmente uma autorização para viajar para o estrangeiro para umas férias numas ternas de luxo francesas. Uma vez no estrangeiro, e tendo acesso ao seu dinheiro, chega a comprar mais peças para a sua coleção e a trazê-las de “contrabando” para a sua casa em Praga.

Utz tem também uma agitada vida amorosa mas acaba por se casar com a dedicada criada Marta que o acompanha à longa data. É com a cumplicidade desta que quando a morte se aproxima consegue fazer desaparecer a sua coleção. Destruída? Enterrada com ele? Escondida? Mistério.

Um livro extraordinário nas descrições dos ambientes, começando pelo do funeral desolado e triste de Utz e passando pela estranheza do roupão na casa de banho aquando da vista do narrador à casa do barão.

Utz um homem que inteligentemente constrói a sua felicidade no mundo em que lhe coube viver.   



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Travessa d'Abençoada

Travessa d'Abençoada por João Bouza da Costa


Uma travessa lisboeta, antro de ladrões, refúgio de drogados, local de prostituição homossexual, paragem de loucos, com a sua infeliz e triste procissão de habitantes permanentes e passageiros. Aqui reina o vício, a pobreza, a sujidade e a infeção moral, mental e física, aqui medram as flores do mal. Vidas destroçadas, desperdiçadas, quase acabadas, sem saída nem esperança.

É nesse local inóspito, que em tudo se aproxima de um inferno na terra, que escolhem viver duas famílias das elites portuguesas – uma filha de um general com o pai do seu filho que vai nascer e uma filha de um falecido industrial alemão com o marido e filhos. Que as atraí a este abismo? Porque querem que os seus filhos cresçam rodeados de tal podridão física e humana? O livro não responde, nem reflete sobre esta intrigante questão, mas oferece-nos uma série de histórias, fragmentos de vidas e trajetos paralelos cujo grande elo de ligação é o de todos confluírem mesma Travessa.

Procurando mostrar erudição, não pela profundidade da reflexão mas pelos nomes que convoca a propósito de tudo e nada – são mencionados centenas de pintores, artistas plásticos, escritores, filósofos, músicos e compositores -, o autor enreda-se completamente numa selva de lianas de referências sem sentido nem propósito. A exibição de falsa sapiência chega ao extremo de chamar Okawango, designação do Botswana, ao rio Cubango que gerações de portugueses aprenderam a identificar como um dos principais rios de Angola.

Perdido no seu intelectualismo Bouza põe nos lábios de analfabetos, de loucos, de drogados, e até de crianças autistas imagens e reflexões filosóficas totalmente inverosímeis, completamente deslocadas.

Pior que o intelectualismo é, contudo, a publicidade que distribui a rodos. Pejado de referências a marcas de tabaco, de carros, de bebidas, de sabonetes, de sapatos, de roupas e até de lápis o livro tem uma faceta, triste e embaraçante, de velho, gasto e ineficaz mostruário publicitário para produtos em fim de estação.

E é pena porque despido do intelectualismo de pacotilha, amputado da publicidade gratuita, as vidas, as dores e os tormentos retratados são muitas vezes reais e comoventes e, quando comparado com outros autores portugueses contemporâneos, muito bem escritas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

There is no Leadership: only effective Management


There is no Leadership: only effective Management por Jorge Vasconcellos e Sá


Um livro polémico, extremamente bem escrito, solidamente argumentado e pleno de ensinamentos úteis e práticos, que rompe com a visão tradicional que separa a liderança da gestão como duas realidades distintas e as funde num único conceito – o de gestão efetiva.

Erguendo-se os ombros de gigantes quer académicos, como Peter Drucker, quer práticos como Steve Jobs ou Alfred Sloan, Vasconcellos e Sá consegue ver mais longe e socorrendo-se de um interessante exemplo, a batalha de Chancellorsville em que o exercito sulista obrigou as forças yankees, mais numerosas, a bater em retirada, nos ensina o que é uma gestão efetiva.

Dois traços temperamentais, caráter e fortaleza, tomada de decisão em 10 passos, e criação de equipas seguindo o esquema da pirâmide invertida são as três condições essenciais para a gestão efetiva.

E o carisma? Não será essencial como tantos têm argumentado? A História mostrou-nos, recorda Vasconcellos e Sá, que os dois líderes mais carismáticos do século XX (Hitler e Mussolini) foram derrotados por generais sem carisma mas que se revelaram mestres da gestão efetiva.

Um livro obrigatório para quem quiser praticar uma gestão efetiva.






domingo, 11 de novembro de 2012

Em defesa do Euro

Em defesa do Euro - Uma abordagem Austríaca 

por Jesús Huerta de Soto



Jesús Huerta de Soto é um economista espanhol que se reivindica herdeiro e depositário teórico do acervo ideológico e técnico desenvolvido pela chamada escola austríaca que de economia que teve em F. Hayek e em Ludwig von Mises os seus expoentes.

Acérrimo defensor do padrão ouro, contra o qual se bateu Keynes, Huerta de Soto vê no Euro uma moeda estrangeira do ponto de vista de muitas das nações incluindo a Grécia, a Espanha e Portugal.

Sendo uma moeda estrangeira ela actua sobre esses países como um substituto, muito aproximando, do padrão ouro, impedindo basicamente os governos de desvalorizar a moeda ou de fazer subir a inflação, medidas muito defendidas e utilizadas pelos economistas keynesianos em momentos de crise para combater o desemprego e restaurar a competitividade. Assim aos Estados que adoptaram uma moeda estrangeira só resta a desvalorização interna, através da austeridade, para repor a competitividade. É o que defende Huerta de Soto.

À tentação de saída do Euro, Huerta de Soto contrapõe a trágica experiência da Argentina vinculou a sua moeda ao dólar e depois teve de quebrar essa ligação.

Macau 1937-1945 Os anos da Guerra

Macau 1937-1945 Os anos da Guerra por João F. O. Botas


Um relato histórico  muito bem documentado, sobre a História de Macau durante a II Grande Guerra. O território cercado pelos Japoneses, que respeitaram a neutralidade colaborante  portuguesa, encheu-se de refugiados depois da ocupação do Sul da China e de Hong Kong pelos soldados samurais. A população mais que duplicou, mas sem linhas de abastecimento seguras Macau foi palco de fome generalizada tendo morrido dezenas de milhar de pessoas, na sua esmagadora maioria chineses pobres.

Já em 1945 quando os aliados contra-atacaram as forças do império do Sol Nascente, Macau foi bombardeado várias vezes pela aviação americana que procurava destruir depósitos de combustível e equipamentos que os japoneses controlavam.

Um livros muito interessante que nos conta a  História, praticamente ignorada, de Portugal na Guerra do Pacífico.

Um pequeno senão é a repetição excessiva de temas, assuntos e documentos, sem que, por vezes o autor chegue a uma conclusão. Por exemplo para a população de Macau durante a guerra o autor ora nos informa que poderia ter atingidos os 500 mil habitantes, como admite 400 mil ou mesmo 600 mil, aceitando todos os depoimentos e opiniões como iguais e, consequentemente, sendo incapaz de fazer um juízo sólido sobre o número real.

Um livro indispensável a quem queira conhecer a História de Portugal no período  de 1937 a 1945.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Sandokan e Bakunine

Sandokan e Bakunine por Bruno Margo


Estilo leve, sem presunção literária nem ambição estilística. Linguagem estritamente corrente, coloquial, com muitas passagens a raiar o pobre jargão jornalístico português. 

Planificação temporal com grandes saltos, em que o futuro e o presente se explicam por acontecimentos passados, num determinismo excessivamente simples, ingénuo e gasto.

Uma excessiva sobreposição de papéis. O personagem principal é também o autor do livro, o crítico literário e o leitor entusiasta, Faz lembrar o dito popular de “fazer a festa, lançar os foguetes e apanhar as canas”.

A história de uma infidelidade descoberta que termina num duplo suicídio Shakespeariano, não tem a consistência requerida para uma tragédia mortal.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O conto da ilha desconhecida

O Conto da Ilha Desconhecida por José Saramago

Um inglês, John Donne, nascido no século XVI, escreveu uma passagem admirável que o celebrizou. “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Saramago discute neste pequeno conto a dicotomia Nenhum homem é uma ilha isolada / Todos o homem é uma ilha isolada, oscilando entre a necessidade de partir à descoberta da ilha desconhecida que somos (“Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma”) e a impossibilidade de a descobrir que não seja no contato e em interação com os outros (“Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”).

O conto tem várias leituras sobrepostas, funcionando como literatura infantil, como reflexão filosófica sobre a existência e como crítica política sobre a organização do Reino.

A atmosfera onírica que envolve a narrativa, a linguagem simples e direta, o ritmo induzido pela pontuação, unem as várias camadas tectónicas de significado e oferecem-nos tanto em tão poucas palavras.

Uma pequena relíquia.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Imperfeição do presépio


A Imperfeição do presépio por António Manuel Marques



Uma vida, dura e sofrida, de uma mulher recordada pela própria olhando as fotografias de família que guarda numa caixa de cartão.

A lida rude do campo, a migração para a cidade, o trabalho a dias, a sobrevivência nas barracas sem água nem luz, os filhos que vão nascendo, o marido alcoólico mas trabalhador, as desgraças que lhe batem à porta, tudo é recordado com nostalgia e um certo orgulho dos sobreviventes que com trabalho, sofrimento e persistência suportaram as agruras da existência que lhes coube.

No Portugal da ditadura e do conflito colonial aflige a ausência de revolta, a aceitação da pobreza, o apoio à guerra, a indiferença pelos demais, a dificuldade em juntar esforços com outros iguais por uma ordem melhor. Numa sociedade selvagem a interiorização acrítica do princípio de “cada um por si” pelos mais destituídos e pelos que menos têm a ganhar com ele.

Neste livro não há esperança de um tempo melhor, nem ninguém advoga qualquer mudança. De certa forma, talvez até involuntária, é um livro de cariz católico em que a estoica perseverança na destituição material e espiritual, desde que acompanhada de virtude moral, é louvada e aplaudida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Viagem

A Viagem por Virginia Woolf


Uma jovem de 24 anos, mas totalmente inexperiente, empreende uma dupla e trágica viagem, no decurso da qual descobre que pode ser um ser independente e o vazio do sentido da vida, que nem o amor e o casamento preenchem. Terminada a viagem interior, extingue-se também a exterior.

E essa é, num certo sentido, a mensagem do livro, i.e. que a descoberta do nosso ser e do sentido da nossa vida é a grande viagem que cada um de nós tem de empreender. Nesse exercício interior opaco os outros podem ajudar muito pouco, o que cria fortes problemas de comunicação, insatisfação e mesmo irritação. Na verdade, pelo menos para Rachael, a música parece ser um meio mais expressivo e eloquente do que a língua inglesa.

Os ambientes são finamente desenhados - fantástica a cena da brutalidade crua da chuva tropical desabando telúrica sobre o Hotel enquanto os raios iluminam o céu negro e os trovões assustam os hóspedes. O ser humano perfeitamente indefeso e impotente à mercê de uma Natureza imensa e poderosa que o ignora. Os traços psicológicos e de personalidade dos principais intervenientes analisados com minúcia, subtileza e humor.

A crítica social e política, os direitos da mulher e o seu voto, que na aurora do século XX ainda não estava consagrado em Inglaterra, os direitos da mulher trabalhadora, são discutidos de um ponto de vista machista e conservador que concorre para desacreditar e ridicularizar os argumentos utilizados contra os avanços civilizacionais.

Um poder de observação imenso, dos comportamentos, das intenções, dos cenários e das situações, vertido numa prosa fluente e graciosa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Trás-os-Montes

 Trás-os-Montes por Tiago Patrício


Um conjunto de retratos muito desfocados, sem densidade nem recorte psicológico substantivo, mal colados por uma trama ligeira baseada numa maldade infantil muito anunciada e concretizada com a surpresa de ficar muito aquém do profetizado.

A aldeia transmontana retratada podia ser praticamente em qualquer ponto do Portugal rural, nada a caracterizando, nem mesmo a forma de cruz gamada que parecia apresentar aos olhos de um miúdo vesgo, como situada no nordeste do país a não ser a declaração expressa do autor.

O parágrafo inicial, o melhor conseguido do livro, surge como exterior ao próprio texto, uma enxertia tardia e sem sentido, já que a casa não mais aparece na história, nem tem qualquer interferência no desenrolar dos poucos acontecimentos relatados.

O ter sido galardoado com o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís de 2011 oferecido pelo Estoril-Sol diz mais sobre a pouca qualidade do galardão do que sobre o mérito da obra.

Uma estreia com o pé esquerdo.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Contos Completos

Contos Completos por Gabriel Garcia Marquez


São 41 contos escritos no decurso de mais de quarenta anos, em que assistimos maravilhados à evolução da escrita do grande escritor colombiano, vencedor do prémio Nobel da Literatura em 1982.

Os primeiros contos datam de 1947 quando Gabriel Garcia Marquez tinha 20 anos. Os últimos de 1992 quando já contava 65 anos. Lemos as suas primeiras histórias ainda algo indefinidas, vislumbramos, na sua pena, o nascimento do realismo mágico e depois a consolidação tranquila deste estilo literário.

As colectâneas quando abarcam períodos longos e frutíferos da vida de um autor transformam-se em documentários. Este mostra-nos como Gabriel Garcia Marques foi crescendo como escritor, formando o seu estilo, impondo a sua estética, criando o seu mundo pessoal.

Os temas são variados e Incluem todo o drama humano, do nascimento, do amor, da alegria, da tristeza e da morte; alguns são de índole marcadamente social, outros poucos de crítica política mas todos nos espantam e encantam.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Retorno

O Retorno por Dulce Maria Cardoso

Um jovem cresce no tumulto traumático da descolonização angolana. O choque da rejeição pela população africana, o choque da integração num país, Portugal, que não conhece, o choque de uma nova escola e de viver num hotel de 5 estrelas rapidamente convertido numa pocilga pelos seus ocupantes.

O principal personagem, o jovem Rui, sob o ponto de vista do qual o romance se desenrola, não tem consistência nem credibilidade, abundando as situações e reflexões impossíveis para um jovem da sua idade, extração e experiência.

Essa inconsistência é também dada por lacunas evidentes e profundas no tempo e no espaço. A mais importante e a mais extraordinária é a ausência da guerra colonial das preocupações e das reflexões do rapaz – que via aproximar-se a passos largos a idade de incorporação e que tinha um tio na tropa. Ora nessa altura o que mais preocupava todos os adolescentes era exatamente a perspetiva de alistamento.

O colonialismo e o racismo estão também largamente afastados da história, tornando-se difícil para a personagem perceber o que lhe está a acontecer e porquê. Ora isso, mesmo numa escrita ficcionada, soa totalmente a falso.

Um livro repleto dos estereótipos, cheio de lugares comuns, sem profundidade nem densidade. 

sábado, 22 de setembro de 2012

O prazer da leitura - vol IV

O prazer da leitura - volume IV

Uma compilação, algo desequilibrada, de cinco contos de autores de língua portuguesa - Ondjaki, Afonso Cruz, Onésimo Teotónio de Almeida, Ricardo Adolfo e Dulce Maria Cardoso

Onésio Teotónio Pereira relata-nos a história de um regresso final à terra mãe, seguido a muita distância pelo telefone. Ondjaki conta-nos um breve encontro nocturno com um músico de Jazz famoso. Pela fraqueza da trama, pela pobreza da linguagem, pela filosofia barata que transpiram, estes são os dois piores contos do conjunto.

Dulce Maria Cardoso repete-se com a sua formula gasta da voz interior que fala e se desvenda, Uma vez está bem, duas já é demais.

Resta-nos Afonso Cruz e Ricardo Adolfo que apresentam os melhores textos do livro. A Mulher com Mê grande é interessante e tem um desenlace algo surpreendente, e O Cavaleiro Ainda Persegue a Mesma Donzela desvenda o mistério das duas poesias perdidas de um escritor de culto.

O autentico prazer da leitura situa-se num plano a que não acede este livro.



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

As Ciências do Artificial


As Ciências do Artificial por Herbert A. Simon


Herbert Simon foi um dos maiores e mais importantes pensadores do século XX. Doutorado em Ciência Política, recebeu o Prémio Nobel da Economia em 1978, foi um dos pioneiros das neurociências, um dos primeiros investigadores na área da inteligência artificial, um dos criadores das ciências computacionais e também um psicólogo dos mais relevantes.

Argumentou que o ser humano não é racional, no sentido de procurar maximizar a utilização dos recursos na obtenção de um resultado, mas antes possui uma “racionalidade limitada” (bounded rationality), que procura uma solução que satisfaça o resultado desejado (o ótimo é inimigo do bom) e não a que o maximiza. Para chegar a soluções satisfatórias seguimos modelos de pensamento heurísticos que muitas vezes contêm apenas a experiência acumulada pelo individuo/especialista.

O conceito de racionalidade limitada tem implicações profundas quer nos fundamentos da economia, quer nas de outras ciências sociais, nomeadamente na gestão e na psicologia.

Neste pequeno livro retoma este tema para nos conduzir à exploração das nossas capacidades cognitivas e propor a criação de novas ciências, as ciências do artificial.

Um sistema artificial é, grosso modo, aquele que se adapta ao exterior. O sistema artificial pressupõe a existência de um ambiente interno e de um ambiente externo ligados por um interface.

Normalmente o interior é simples mas o exterior é muito complexo. Um exemplo: a analisar o trajeto de formigas, nunca vemos muitas linhas retas, mas sim itinerários muito erráticos e complexos. No entanto essa complexidade está no meio ambiente, a formiga segue um modelo muito simples: vai a direito, se encontra um obstáculo procura passar por cima, se não consegue procura contorna-lo. Com este modelo conseguimos replicar o aparentemente aleatório percurso da formiga. A complexidade está no exterior e não no interior. No meio não na formiga.

Herbert Simon apresenta neste livros vários tópicos, que inicialmente surgem como aparentemente desconexos mas que depois encaixam de forma perfeita.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Doutor Glas

O Doutor Glas de Hjalmar Soderberg

O Doutor Glas é um jovem médico, sóbrio e sereno, com ideias firmes e bem estruturadas, com consultório na cidade e uma reputação impoluta na sociedade. Por detrás desta imagem, mas totalmente consistente com esta, é um frio assassino.

Seguimos em direto a escrita do seu diário nos breves dias que antecedem o assassinato a sangue frio e alguns dias que o seguem. Aí vemos como Glas reflete e decide sobre o ato que se prepara para cometar e como depois do facto reage e se adapta e reconcilia interiormente com a sua nova faceta de homicida.

Glas é uma alma sensível e melancólica. Apaixonado pelo Belo idealizado e intelectualizado, criado pela literatura, sublimado pela música, mas irreal, atraído pelo amor espiritual e platónico, abomina o carnal, o feio, o sujo, o doente, o decadente, coisas que associa ao sórdido, que desfeiam o mundo e que devem ser expurgadas e eliminadas. 

O médico é a favor do aborto, que contudo não pratica para não ir contra as convenções, da eutanásia que vê como uma forma de retirar do mundo dos vivos aqueles que estão doentes, e, pior ainda, a favor da eugenia praticada sobre pessoas com malformações ou atrasos mentais por razões materiais – é preferível sustentar um jovem e saudável operário do que uma criança deficiente escreve.

Naturalmente alguém com esta estrutura mental é um assassino em potência. Concretizar o ato apenas uma questão de oportunidade e circunstancia.

Um livro terrível primeiro pela apologia que faz de crimes terríveis como a eugenia, a eutanásia e o assassinato e por outro por misturar estes crimes com atos médicos legítimos como o aborto. Mas apesar de tudo uma obra que nos ajuda a perceber como um amor pelo Belo pode gerar um monstro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sobre Ética e Economia

Sobre Ética e Economia de Amartya Sen


Este é um livro indispensável aos milhares de economistas formados na errada assunção de que o homem económico é um ser racional que procura maximizar a sua utilidade.

Em contraponto Sem, que ganhou o prémio Nobel da Economia de 1998, recorda-nos que, na verdade, não somos, como decisores totalmente racionais e que por outro que os nossos objetivos não se limitam à maximização do nosso bem-estar pessoal. Assim sendo cai pela base grande parte da economia clássica e neoclássica, que tantas vezes tem sido a base para as políticas neoliberais.

Sem recorda que mesmo Adam Smith tido como o fundador da visão económica mais liberal defendeu que a ação económica deve ser regida por um lado por sólidas leis morais e por outro por uma regulamentação apertada.

Particularmente criticada é a ética utilitarista, quer pela dificuldade na comparação interpessoal, quer pela dificuldade da sua aferição e agregação. Sen é particularmente crítico da chamada regra de eficiência de Pareto, que estatui que a uma dada situação económica é ótima se não for possível aumentar a utilidade de uma pessoa sem ser à custa da diminuição da utilidade de outra. Sem recorda que, muitas vezes, é preferível aumentar a utilidade de uma pessoa (pobre, doente, etc.), ou de um conjunto de pessoas (desempregados, minoria étnica, etc.) mesmo que isso seja feito à custa da diminuição da utilidade de outras pessoas (privilegiadas, ricas, etc.).

Um livro bem argumentado mas de resvalando a espaços para um estilo denso e excessivamente académico. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

The Lazarus Vendetta

The Lazarus Vendetta por Patrick Larkin


Um livro de ação e suspense, em que num primeiro instante nada do que aprece é e nada do que é transparece, mas que depois se desvenda num desenlace pífio e sem grande surpresa.

Um aspeto interessante reside no facto de a localização do quartel-general dos terroristas se situar nos Açores, na ilha de Santa Maria, e de os heróis descobrirem a sede e, por esta, a identidade dos vilões através de um dos membros da sinistra organização, um português chamado Abrantes.

Apresentado como um livro de Robert Ludlum o criador de grandes êxitos de vendas, muitos deles, como as várias aventuras de Jason Bourne, adotados para televisão ou cinema, o livro é na realidade de Patrick Larkin. Na verdade Ludlum criou o conceito de uma série que teria por base o herói Smith agente de uma agência de informações americana super secreta, mas todos os livros da série forma escritos, muitos já depois da sua morte em 2001, por outros autores.

Este livro é um campeão de vendas. Não está traduzido em português.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Carteiro de Pablo Neruda

O Carteiro de Pablo Neruda por  Antonio Skármeta


A trama corre fluída e límpida ao longo da vida de Mário, o jovem carteiro chileno que tinha um único e afamado cliente, Pablo Neruda, de quem se torna amigo.

O amor, a amizade, a lealdade, a esperança, a alegria, mas também a falsidade, a traição e a brutalidade surgem em estado puro. A história de um despertar feliz e doce mas que termina em desgraça.

No Chile de Pinochet milhares de pessoas desapareceram para sempre assassinadas pela ditadura. 

Um livro indispensável.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

The Crisis of Islam


The Crisis of Islam por Bernard Lewis


A visão norte-americana do mundo muçulmano elaborada, num estilo erudito mas atraente e  acessível , por um judeu nascido em Inglaterra.

O Islão descrito como uma visão do mundo totalitária, em que o poder religioso e o poder político estão intimamente unidos, e em que os lideres políticos foram, durante muito tempo, os descendentes do Profeta, ele próprio um líder simultâneamente político e religioso. 

Nesta perspectiva do Islão o conceito de jihad é dado como elemento central e interpretado como luta, no sentido bélico, contra os infiéis, que  todo o bom muçulmano é chamado a travar.  

Dois temas muito interessantes são brevemente referidos mas infelizmente pouco aprofundados. A História vista pelos muçulmanos é, segundo o autor, num primeiro plano religiosa e só num segundo nível se especializa por nações ou estados, ao contrário da História ocidental que é essencialmente nacional e só no interior deste primeiro nível é que estuda a religião.

O segundo tem a ver com o artificialismo das fronteiras desenhadas pelos colonizadores europeus que dividiram as terras conquistadas pela força ao Império Otomano. “Siria, Palestina e Líbia são nomes da antiguidade clássica que não eram usados na região há mais de mil anos antes de serem ressuscitados e impostos – com novas e diferentes fronteiras – pelos imperialistas europeus no século XX; Argélia e Tunísia não existiam sequer como palavras em árabe ...”.

sábado, 28 de julho de 2012

They


"They" de Rudyard Kipling



Este livro reúne três contos de Rudyard Kipling, “They”, “Mary Postgate” e “The Gardener”, todos envoltos numa densa névoa que não nos permite ver com clareza os contornos de personagens e paisagens, mas que nos envolve e emociona.

Em “They” num recanto campestre isolado, mora uma cega, que sente as cores e através delas os sentimentos e humores dos seus interlocutores, rodeada por misteriosas, risonhas mas fugidias crianças fantasmagóricas.

Mary Postgate, dama de companhia, vive a primeira guerra mundial na primeira pessoa, a morte de entes queridos e o drama da desumanização do inimigo que torna mais fácil matá-lo.

Finalmente em “The Gardner” com a primeira guerra de novo em fundo, conflito em que o próprio Kipling perdeu um filho cujo corpo nunca foi recuperado, num cemitério em França uma mulher é levada a uma campa pelo próprio jardineiro – numa alusão à passagem do evangelho segundo São João em que Maria Madalena confunde Jesus ressuscitado com o jardineiro do cemitério. A frase “supposing that he was the gardener” usada por Kipling é ipsis verbis a das escrituras.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Rashómon e outras histórias


Rashómon e outras histórias de Ryúnosuke Akutagawa


Akutagawa é, muito justamente, considerado um dos maiores escritores japoneses. Morto prematuramente aos 35 anos deixou uma obra literária de grande qualidade e beleza.

Contos, organizadamente espraiados pelos vários períodos da história nipónica, que encerram uma subtil lição moral. Em “O Nariz” o herói de pois de conseguir reduzir a seu descomunal penca a um tamanho normal, acaba por concluir que tem de regressar ao seu Eu original se quer manter a sua felicidade, a sua integridade e o respeito dos outros.

Admirável também o conto da “Cabeça cortada”, sobre o soldado chinês a quem cortaram a cabeça no campo de batalha e que promete a si próprio, se sobreviver, dedicar a sua vida ao Bem.

No último conto, Akutagawa, descreve com serena e lúcida objectividade a lenta degradação da sua própria sanidade mental. A angústia, o medo, a insónia e o sofrimento que invadem, sem razão aparente, o seu espírito e o haveriam de levar ao suicídio que antecipa como única solução, são o tema central neste conto.

Apesar de o texto, Engrenagens em Movimento, ser transparentemente autobiográfico e de ser escrito na primeira pessoa, o narrador consegue manter sempre uma admirável distanciação que lhe permite ver que a angústia e o medo que a realidade, sistematicamente interpretada como mau presságio, lhe infunde são doentias e sem fundamento. Mas essa compreensão intelectual, essa consciência, não é suficiente para eliminar o sofrimento, antes mais uma fonte de dor.

Uma obra-prima da literatura mundial. Pena que fossem precisos mais de 100 anos para que o leitor português a possa ler. È caso para dizer “mais vale tarde que nunca”.

Nota final: as inúmeras notas que esclarecem e enquadram aspectos históricos ou culturais japoneses e que são úteis na leitura dos contos poderiam, com vantagem, ter sido colocadas em rodapé.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ficas a dever-me uma noite de arromba


Ficas a dever-me uma noite de arromba de António Cabrita


Um conjunto de pequenos contos que têm como ponto de encontro a terra e as gentes de Moçambique, vistas e sentidas pelo olhar branco de um português.

A escrita de António Cabrita flui fácil, mas seca e sem sal.Pior é que a espaços encontramos erros de geometria (“cinco metros por dez, mais ou menos o diânetro”) e de lógica (“havia uma figura sentada”), que pressentimos terem mais a ver com a ignorância do que com a literatura.

Em todos os contos uma característica comum: um final falho de imaginação,  uma conclusão que desilude, um clímax  pífio.


Para sermos justos diremos que António Cabrita nos prende, com alguma mestria, pelo insólito, pela estranheza, a uma história a que não sabe, ainda, dar um final literariamente feliz. Quando a aduela central,a chave, de uma abobada se solta, cai com ela toda a construção. Assim é, também, com o desfecho de um conto.

domingo, 8 de julho de 2012

As Origens da Ordem Política

As Origens da Ordem Política de Francis Fukuyama

Uma obra de grande fôlego. Uma história do processo político desde a primitiva organização tribal até ao atual Estado moderno.

Na China apesar da precocidade do Estado centralizado, poderoso e impessoal a prevalência do Direito nunca se efetuou. Nalguns países da Europa a “excessiva” democracia entre os nobres impediu centralização do poder. Noutros o Estado em vez de uma burocracia impessoal, baseada na meritocracia, tornou-se um feudo de famílias poderosas, com o Rei a vender os cargos públicos e a torna-los hereditários. Na India a predominância religiosa travou a centralização do poder e enfraqueceu excessivamente o Estado.

Apenas na Inglaterra e na Dinamarca e depois nos EUA a evolução foi favorável à emergência de Estados impessoais fortes, respeitadores do Direito e assentes em princípios democráticos, assentes em sociedades civis robustas.

Só esta absurda conclusão, que só os EUA são verdadeiramente democráticos, põe em causa todo um esforço hercúleo de análise histórica. Como pode alguém acreditar seriamente que apenas um país (no máximo 3, um dos quais pequeno) em todo o mundo, tem o passado que lhe permite ser democrático, enquanto todos os outros têm estigmas na sua história que os torna total ou parcialmente impróprios para a democracia.

Curiosa a ideia que a Igreja Católica teria destruído a família durante a Idade Média ao advogar que as mulheres pudessem herdar o património dos maridos (principio defendido pela Igreja com o fito de vir a receber esse património por herança após a morte da mulher). Assim fazendo a Igreja eliminou uma série de laços familiares e enfraqueceu a família alargada, reduzindo-a ao núcleo base (casal e filhos). Noutros países a família mais alargada (incluindo tios e primos) manteve-se, fortalecendo bases para um familismo antagónico do individualismo.

Um conflito perspassa toda a obra, por um lado Fukuyama não pode deixar de reconhecer que a estrutura social impele numa dada direcção, isto é que o futuro está dependente do passado, do caminho seguido até ao presente (path dependent), e por outro quer atribuir a maior latitude de acção aos agentes como se fossem completamente livres para moldar o futuro (não estamos presos da história). Não superando este conflito a obra de Fukuyama torna-se, por vezes, contraditória ora creditando à história os meritos de um dado desenvolvimento ora responsabilizando os agentes pelos acontecimentos.

sábado, 2 de junho de 2012

O Governo da Justiça

O  Governo da Justiça por Nuno Garoupa


Um livro muito desigual. Excelente no diagnóstico do problema da Justiça, da incapacidade do Estado Português garantir a administração da Justiça no seu território, questionando a existência de um Estado de Direito no nosso país. Fraco no apontar de soluções, porque, como sempre fazem as elites do nosso país,  procurando apenas copiar modelos estrangeiros que sendo, sem dúvida, superiores quando transpostos para uma realidade diferente não funcionam, tornando-se pálidas caricaturas do original.

Quem imagina que fundindo os Conselhos Superiores, alargando o prazo dos mandatos e separando os tribunais superiores da carreira de magistrado e fazendo eleger os seus membros pela Assembleia da República mudaria a Justiça em Portugal? Mais cosmética organizativa do que substância.

Apesar de tudo vale a pena ler.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

The strange crime of John Boulnois


The stange crime of John Boulnois por G- K. Chesterton


Duas das mais de cinquenta histórias policiais escritas por G. K. Chesterton e que têm como protagonista o padre católico Brawn. Uma vida dedicada a ouvir confissões de toda a espécie de gente, dotou este arguto clérigo de um manancial de conhecimento sobre a psicologia dos criminosos e sobre os métodos que estes usam, que usa com energia para deslindar os casos que se lhe apresentam.

A primeira história incluída neste livro, Blue Cross, conta-nos como o Padre Brown através de pequenas artimanhas põe a salvo a sumptuosa cruz azul, desmascara um famoso ladrão e deixa preciosas pistas que permitem ao famoso detetive francês Hercule Flambeau prender o criminoso.

A segunda, que dá título ao livro, 11.The Strange Crime of John Boulnois, é mais subtil e misteriosa. A intervenção do nosso herói eclesiástico salva da forca um inocente, acusado de um crime que não cometera.

O génio de G. K. Chesterton está completamente presente nestas duas pequenas mas deliciosas histórias que, apesar de se filiarem num género considerado menor, se revelam de um gosto superior.

sábado, 19 de maio de 2012

Poemas Maio

Poemas Maio, trabalho, luta

Uma antologia mundial com os melhores poemas que alguma vez se escreveram sobre o trabalho e o primeiro de Maio. Particularmente tocantes são os versos de Pablo Neruda sobre o pão.


Dos portugueses gostei particularmente do poema de Cesário Verde, sobre o jovem operário que cai de um andaime e morre sob o olhar horrorizado dos colegas, curioso e divertido dos poetas da Baixa, de desprezo do fidalgote e do patrão que “Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefacto:/ «Morreu! Pois não caísse! Alguma bebedeira!».

Continua a impressionar ler Vinícios de Moraes com o seu Operário em Construção e empolgante reler Natália Correia ou Octavio Paz.

Não consigo evitar reproduzir aqui algumas estrofes de Aimé Césaire:

Ó povo vigiado do mais alto mirante
Que desafiais com a bengala dos cegos
O nome natal da injustica excessiva

O livro vem com CD em que os poemas são declamados pelas melhores vozes portuguesas, incluindo Carmen Dolores, Fernanda Montemor, Rui Mendes, Fátima Sobral e muitos outros.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Cabo Verde - as causas da independência

Cabo Verde - as causas da independência de José Vicente Lopes


Apesar da geração de intelectuais que editou a revista Claridade (1936), em que avultam os nomes de Manuel Lopes e de Baltazar Lopes da Silva, ter tido forte consciência da sua identidade cabo-verdiana e ter trazido para o campo das artes a língua materna do povo, o crioulo, a verdade é que não pugnou pela independência sendo inclusivamente defensora da manutenção da presença colonial.

Tendo cortado com a geração anterior, a geração pre-claridosa ou romântico-clássica, em termos literários e artísticos, continuou contudo apegada à ilusão, mesmo na presença de cíclicas crises de fome que dizimavam milhares de pessoas sem que o colonizador se dignasse abastecer a colonia com os víveres necessários, de que Portugal era necessário para o desenvolvimento de Cabo Verde.

Foi apenas a geração seguinte, a de Amílcar Cabral, que veio a tomar plena consciência da identidade nacional cabo-verdiana e a exigir e lutar pela independência.

Dois excelentes ensaios o primeiro sobre o despontar e o desenvolvimento da consciência nacional cabo-verdiana, desde meados do século XIX até aos nossos dias, e o outro sobre a experiência politica pós-independência que se iniciou com um regime de partido único com amplas liberdades e se consolidou num sistema de rotativismo bipartidário.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

The Machine Stops

The Machine Stops de E.M. Forster


Um conto de ficção científica publicado pela primeira vez em 1909 (já passam mais de 100 anos) que descreve um mundo em que a humanidade é obrigada a viver no subsolo, uma vez que a superfície se tornou inabitável. Cada ser humano habita num pequeno quarto sem janelas. Carregando em simples botões emergem do solo alguns móveis, a cama à noite, a poltrona e a secretária durante o dia, a comida e as roupas. Tudo é assegurado pela Máquina. Mas chega o dia catastrófico em que a Máquina pára.

Com uma visão extraordinária E. M. Forster descreve invenções que só viram o dia muitos anos depois como a televisão (que só seria inventada em 1923/4) e a videoconferência.

Um alerta lucido e dramático para a dependência crescente do ser humano de máquinas que se podem revelar falíveis.

Como muitos outros livros essenciais da literatura mundial não pode ser lido em português de Portugal. Não está editado no nosso país.

sábado, 5 de maio de 2012

All Watcher Le trou noir financier

All Watcher - Le trou noir financier


Uma intriga inteligente ancorada em  preocupações contemporâneas , como as máfias de Leste,como  a lavagem de dinheiro e o aquecimento global, um ritmo cinematográfico e um cenário realista que incorpora paisagens urbanas internacionais bem conhecidas, três ingredientes que fazem desta aventura da série IRS a melhor até agora publicada.

sábado, 28 de abril de 2012

A cartomante e outros contos


A cartomante e outros contos de Machado de Assis



Machado de Assis é, para muitos, o maior escritor de língua portuguesa do século  XIX. Em Portugal é injustamente pouco lido e celebrado.

Esta pequena colectanea de contos traz-nos a escrita viva, mordaz, atenta e critica de Machado de Assis. Em alguns dos contos o racismo existente na sociedade brasileira novecentista é exposto e criticado, mesmo quando apresentado sob o insolúvel dilema moral resumido na máxima  “matar ou morrer”-

No conto que dá título à colectânea um homem incrédulo, mas inseguro e receoso, recorre a uma cartomante e corre louco e confiante para o seu destino de amor. 

Terra Incognita


Terra Incognita por Vladimir Nabokov


Três pequenas historias: Terra Incognita, Spring in Fialta e The Doorbell. A primeira um pesadelo africano em que sem razão aparente e sob um céu sufocante e uma atmosfera surreal os três exploradores se matam uns aos outros.  A segunda sobre o dia chuvoso, na estância balnear imaginária de Fialta, em que o narrador encontra pela última vez a mulher com quem mantém uma relação intermitente. Esta é talvez o texto mais conhecido desta trojka. A terceira sobre um jovem aristocrata russo que depois de ter fugido da Revolução e deambulado  pelo mundo resolver fazer uma visita, que se revela inoportuna, à sua mãe que vive em Berlim.