terça-feira, 27 de novembro de 2012

Travessa d'Abençoada

Travessa d'Abençoada por João Bouza da Costa


Uma travessa lisboeta, antro de ladrões, refúgio de drogados, local de prostituição homossexual, paragem de loucos, com a sua infeliz e triste procissão de habitantes permanentes e passageiros. Aqui reina o vício, a pobreza, a sujidade e a infeção moral, mental e física, aqui medram as flores do mal. Vidas destroçadas, desperdiçadas, quase acabadas, sem saída nem esperança.

É nesse local inóspito, que em tudo se aproxima de um inferno na terra, que escolhem viver duas famílias das elites portuguesas – uma filha de um general com o pai do seu filho que vai nascer e uma filha de um falecido industrial alemão com o marido e filhos. Que as atraí a este abismo? Porque querem que os seus filhos cresçam rodeados de tal podridão física e humana? O livro não responde, nem reflete sobre esta intrigante questão, mas oferece-nos uma série de histórias, fragmentos de vidas e trajetos paralelos cujo grande elo de ligação é o de todos confluírem mesma Travessa.

Procurando mostrar erudição, não pela profundidade da reflexão mas pelos nomes que convoca a propósito de tudo e nada – são mencionados centenas de pintores, artistas plásticos, escritores, filósofos, músicos e compositores -, o autor enreda-se completamente numa selva de lianas de referências sem sentido nem propósito. A exibição de falsa sapiência chega ao extremo de chamar Okawango, designação do Botswana, ao rio Cubango que gerações de portugueses aprenderam a identificar como um dos principais rios de Angola.

Perdido no seu intelectualismo Bouza põe nos lábios de analfabetos, de loucos, de drogados, e até de crianças autistas imagens e reflexões filosóficas totalmente inverosímeis, completamente deslocadas.

Pior que o intelectualismo é, contudo, a publicidade que distribui a rodos. Pejado de referências a marcas de tabaco, de carros, de bebidas, de sabonetes, de sapatos, de roupas e até de lápis o livro tem uma faceta, triste e embaraçante, de velho, gasto e ineficaz mostruário publicitário para produtos em fim de estação.

E é pena porque despido do intelectualismo de pacotilha, amputado da publicidade gratuita, as vidas, as dores e os tormentos retratados são muitas vezes reais e comoventes e, quando comparado com outros autores portugueses contemporâneos, muito bem escritas.

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