segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

o remorso de baltazar serapião


o remorso de baltazar serapião por valter hugo mãe
O homem animalesco, sem comando sobre a sua natureza, sem força de vontade, sem chispa de moral, o homem hobbesiano, só egoísmo, só desejo, só bestialidade, só agressividade, só medo, só superstição, personificação simultânea da maldade e da cobardia nunca existiu - leiam-se os antropólogos, estude-se História, visite-se o mundo. Não pode ser, pois, o retracto do servo medieval nem, muito menos, da sociedade portuguesa da época. Baltasar Serapião nunca existiu – a não ser no sentido que Gustave Flaubert deu à sua famosa frase “Emma Bovary c´est moi”.

O livro é uma longa descrição acéfala, acrílica e misógina, escrita na primeira pessoa, de crueldades recebidas e infligidas, de deboche, de bestialismo, de superstição, de traição e de assassínio. Sem uma reflexão, sem um contexto, sem nada ... porque simplesmente o mundo é/era supostamente assim.

Que qualifica este livro para Prémio Literário? O facto de omitir a letra grande? Depois de tanto e tão interessante experimentalismo com o grafismo e a com a gramática na Literatura essa seria diminuta razão. O facto de não haver melhor?

Por vezes ao atribuir um prémio a obra menor ou sem valor arruina-se o próprio galardão e desprestigiam-se os jurados que o decidiram. É, infelizmente, o caso. valter hugo mãe não o merecia.


A maldição dos Trinta Denários – tomo 2


A maldição dos Trinta Denários – tomo 2 por Jean van Hamme e Antoine Aubin

Judas traiu Jesus por trinta moedas. Eram essas moedas denários como alguns defendem ou siclos como outros mantêm? Algures na Grécia um jovem pastor acaba de resolver o mistério ao encontrar um antigo refúgio de cristãos contemporâneos de Judas. Mas onde está Judas enterrado com as restantes moedas? Será verdade que estas conferem um poder sobrenatural?


Segunda parte (a primeira parte foi publicada faz este mês precisamente um ano) desta saga que está muito longe das aventuras de Black e Mortimer assinadas por Edgar P. Jacobs. Algumas soluções à Indiana Jones estão velhas e gastas.

Blake e Mortimer são aqui descaracterizados e actualizados. Uma mulher como co-heroína seria impensável. Que Mortimer a corteje ainda mais.

Quando morre o criador de banda desenhada devia ser proibido que outros continuem a publicar histórias com os seus heróis.

domingo, 28 de novembro de 2010

Confiança e Medo na Cidade

Confiança e Medo na Cidade de Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman, sociólogo polaco à muito radicado em Inglaterra, fala-nos do medo pós-moderno de viver na Cidade e das reacções que esse sentimento, fruto da nova ordem globalizada e tecnotizada, tem provocado na organização urbana (a segregação, os condomínios fechados, a vídeo-vigilância omnipresente) e nas soluções arquitectónicas (as casas bunker, as casas disfarçadas, os muros, os bancos redondos dos jardins que impedem os sem abrigo de aí dormir, etc.).

Na cidade trava-se uma batalha. A luta entre a mixofilia e mixofobia, entre o gosto e a aversão pela diferença, pela diversidade. Nesta guerra Bauman toma partido pela mixofilia, a única que, na sua opinião, pode, unindo os seres humanos, permitir-nos a criação de um “horizonte comum”, de um futuro comum.

XIII Mystery - Little Jones

XIII Mystery - Little Jones por E. Henninot


Os anos 60 os Black Panthers e os direitos civis na América são o pano de fundo para mais uma aventura.


Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos

Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos de Tony Judt

Passados praticamente 30 anos da ascensão ao poder da dupla Reagam-Tatcher e do neo-liberalismo que romperam com o anterior consenso social-democrata é já possível fazer um balanço do resultado dessa viragem política no mundo ocidental.

Tony Judt dá aqui um importante contributo para esse julgamento explicando o sucesso da social-democracia no período pós II Guerra, criticando as ideias da escola de Viena e mostrando os resultados concretos das políticas neo-liberais seguidas - crescimento exponencial da desigualdade, ineficiência da nova gestão das empresas privatizadas, regresso do problema social que parecia resolvido. A prova final do desastre destas escolhas está à nossa frente: a terrível e longa crise iniciada em 2007 cujas destruidoras consequências económicas e humanas ainda estão em fase de concretização.

Judt advoga um regresso a uma social-democracia reinventada, adaptada ao mundo mais globalizado e tecnologicamente mais desenvolvido em que vivemos, em que a luta contra as desigualdades sociais seja a primeira prioridade.

Judt não é um dogmático e não pensa que a social-democracia seja o regime perfeito, é, para ele, simplesmente o menos mau considerando as alternativas – o socialismo real como foi vivido na antiga União Soviética e o neo-liberalismo actual. Daí que a defesa da social-democracia seja feita de um ponto de vista profundamente prático, esse sistema funciona melhor e de forma mais eficiente.

O medo da explosão social e da pauperização da sociedade serão em sua opinião os principais catalisadores do regresso da social-democracia.

Este foi o último livro, um verdadeiro testamento político, de Tony Judt que morreu, de doença prolongada, pouco depois de o acabar. O bom senso dos argumentos, a clareza das ideias e a tolerância dos ideais são consistentes com a defesa de um regime de compromisso e moderação social.

Poderia ser um livro amargo virado para o passado, não é. Pelo contrário é uma obra simples, clara, decididamente precursora de um futuro que Judt sabia já não poder viver.

domingo, 14 de novembro de 2010

Un cabinet d´amateur



Un cabinet d´amateur de Georges Perec
Uma história em que nada do que parece é. O livro começa numa exposição e acaba depois de um leilão. Sucedem-se as surpresas, as viragens, as mudanças de rumo. Mas tudo a um ritmo tranquilo e falando de pintura, de pintores, de escolas artísticas e de quadros. Tudo no tom certo dos livros de arte, dos catálogos de leilão, das monografias sobre artistas ou obras concretas.

Na exposição brilha “Um Gabinete de Amador”, um quadro do jovem pintor Kurtz que mostra um coleccionador, um rico industrial da cerveja alemão radicado nos EUA, rodeado dos seus quadros. Naturalmente entre as obras retratadas está o próprio quadro de Kurtz, e neste se reproduz uma segunda vez todos os outros incluindo ele próprio e assim sucessivamente. Mas as reproduções dos quadros dentro do quadro, vão tendo pequenas, mas interessantes, alterações. Cada camada da cebola é diferente e semelhante da que a precede e da que a sucede.

George Perec é por muitos considerado o melhor escritor francês do século XX. Filho de judeus polacos nasce em Paris em 1936. O pai morre em combate durante a II Grande Guerra. Mãe é presa em 1943 e enviada para Auschewitz sendo morta pelos alemães. Estudou sociologia. Morreu de cancro com 45 anos em 1982. Deixou uma obra genial, ainda pouco traduzida e conhecida em Portugal.

Warren Motte escreveu que George Perec “referiu um dia que a que o seu trabalho era animado por quatro preocupações principais: uma paixão pelos, aparentemente triviais, detalhes da vida quotidiana, um impulso para a autobiografia e para a confissão, uma vontade de inovação formal e um desejo de contar histórias atraentes e absorventes”.

A Batalha do Bussaco



A Batalha do Bussaco de José Pires

A tradição histórica dominante tem insistido que as vitórias de Welligton no período das guerras peninsulares foram também um sucesso nacional. Trata-se de uma interpretação no mínimo debatível. No fundo os verdadeiros beligerantes eram os franceses e os britânicos, sendo os portugueses meros peões secundários nessa disputa. Acresce que existiam tropas portuguesas dos dois lados na batalha do Bussaco e que a derrota de Masséna levou a um período de dominação inglesa sobre o nosso país.

José Pires tem um bom domínio da técnica da Banda Desenhada.


Como a água que corre


Como a água que corre de Marguerite Yourcenar

Marguerite Yourcenar tem uma ideia de partida, uma metáfora sobre a existência humana. A vida como a água emerge da fonte e corre apressada para a foz. Nesta viagem carregamos apenas os episódios e as experiências que nos marcaram. Não escolhemos as experiências, elas vêm ter connosco, impõem-se-nos, mas, de algum modo, somos nos que decidimos quais as que queremos que cheguem connosco ao oceano e quais as que deixamos ficar para trás no fundo do rio. É nessa decisão que se exerce o livre arbítrio, a vontade do indivíduo. As três histórias que compõem este livro, ilustram, cada uma a seu modo, mas sempre de forma cristalina esta visão.

A escrita flui ao ritmo da água que atravessa suavemente a planície e enlaça-nos nos sentimentos dos personagens, nos seus desejos e melancolias e mesmo na tristeza desprendida que antecede a morte.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A outra invasão do Iraque



A outra invasão do Iraque por Paulo Casaca
Paulo Casaca desvenda-nos a outra invasão do Iraque que ocorreu em simultâneo com o ataque militar norte-americano: a entrada de centenas de militantes políticos xiitas que se encontravam exilados nos países vizinhos, nomeadamente no Irão. Estes políticos, organizados, treinados e financiados por Tearão rapidamente se coligaram com os norte-americanos e acederam aos mais altos escalões da decisão política.

Aliás o livro refere que os americanos e os iranianos alinharam estratégias antes da invasão, momento em que o Irão solicitou aos EUA que bombardeassem, o que foi feito, as bases da OPMI, movimento oposicionista iraniano armado sediado no Iraque com a autorização de Sadam Hussain.

Paulo Casaca sugere que as fontes de informação dos EUA relativas à presumida existência de armas de destruição massiva foram agentes da contra-informação iraniana. Nesse sentido os EUA teriam sido manipulados por Tearão e a invasão seria um forma de o Irão destruir um regime rival e poder colocar no poder do país vizinho os seus agentes.

Ao permitirem aos xiitas pró-iranianos aceder ao poder no Iraque os norte-americanos estão, segundo o autor, a contribuir ingénua e involuntariamente para: i) a manutenção no poder do regime teocrático, ii) apoiar o terrorismo internacional, uma vez que Tearão tem sido um país que muito tem contribuído para estes movimentos, iii) fortalecer a estratégia iraniana de controlo regional. Nesta perspectiva o Irão teria a ambição de controlar o petróleo de toda a região e vir, em coligação com outros países como a Venezuela, a impor, no mercado mundial, os preços desta matéria prima vital.

Paulo Casaca tem vindo a desenvolver um amplo trabalho de apoio à OPMI e a políticas no Iraque que visem reforçar os partidos, incluindo movimentos xiitas, não alinhados com o Irão.

As teses apresentadas surgem como inverosímeis mas são sustentadas por dados e factos concretos explorados com inteligência e paixão.

Um livro imprescindível para se compreender o intrincado mundo do caos político do Iraque e o papel do Irão como potência regional emergente.

domingo, 31 de outubro de 2010

Cantatrix Sopranica L. et autres écrits scientifiques


Cantatrix Sopranica L. et autres écrits scientifiques de Georges Perec
Livro absolutamente genial.
Neste livro o autor usa a forma, o tom e o estilo dos artigos cientificos para dar largas à imaginação e ao bom humor.
Georges Perec tem sido uma descoberta. Já comprei mais livros deste fantastico escritor francês.

domingo, 24 de outubro de 2010

A arte e o modo de abordar o seu chefe se serviço para lhe pedir um aumento



A arte e o modo de abordar o seu chefe se serviço para
lhe pedir um aumento por George Perec


Uma porta que se abre. Uma horizonte que se descobre. Um sorriso que se alarga. Uma nova literatura que se descobre. Eis o impacto deste livro de George Perec.

A escrita constrangida – o texto segue um esquema elaborado por outra pessoa – de George Perec é fluida, clara e bem humorada. Não há virgulas, pontos de exclamação, de interrogação, ponto e virgula, ou qualquer outra pontuação. O texto é um grande parágrafo único, que se desdobra sequencialmente enumerando todas as possibilidades que se oferecem ao funcionário para abordar o seu chefe de serviço para lhe pedir um modesto aumento de vencimento mensal.

Perec, considerado por alguns o maior escritor francês da segunda metade do século XX, pertenceu ao movimento OuLiPo (Ouvroir de littérature potentielle), movimento de aproximação da literatura e da matemática animado entre outros por Raymond Queneau, François Le Lionnais, Italo Calvino.

Estes escritores utilizaram técnicas divertidas como a Bola de Neve – em que num texto cada palavra tem uma letra mais do que a precedente – o Lipograma – em que num texto não existe uma ou mais letras (Perec escreveu o volumoso romance A Desaparição em que a letra “e”, tão frequente no francês, está totalmente ausente) e o Palíndromo – em que uma frase pode ser lida da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda (exemplos: i) com uma palavra: reger, saias; ii) frase completa: Adias a data da saída, A rara arara, Roma é amor).

Pena é que a parte mais importante e relevante da obra de George Perec não esteja traduzida para português.

sábado, 23 de outubro de 2010

Hípias (Menor)

Hípias (Menor) por Platão

Platão, com a sua técnica implacável de interrogatório, leva Hípias a chegar à conclusão contrária à da sua própria tese de partida.

Quem será melhor: o que engana/mente porque quer ou o que engana/mente involuntariamente?

Hípias defende que o que mente involuntariamente é melhor, mas depois de vários exemplos em que concorda com o oposto - o melhor atleta corre lentamente porque quer enquanto o pior corre mal involuntariamente, o melhor poeta só escreve mal quando quer mas o mau escreve mal involuntariamente - fica sem argumentos quando Platão lhe pergunta se o melhor mentiroso é aquele que mente porque quer ou aquele que mente involuntariamente.

A riqueza, a subtileza e a beleza do método de interrogatório é admirável.

Casas Clandestinas


Casas Clandestinas


Editado por ocasião do 60º aniversário da fundação do Partido Comunista Português, celebrado em 1981, pela sua Comissão de Freguesia de Nossa Senhora de Fátima este opúsculo lista as casas que nessa localidade foram usadas na luta clandestina contra a ditadura do Estado Novo.

Algumas foram descobertas, atacadas e os militantes presos, de outras conseguiram fugir e outras nunca foram descobertas.

Um texto que nos recorda que Portugal viveu sob uma pesada ditadura durante décadas, mas que mesmo nesse tempo houve muitos que resistiram.

domingo, 17 de outubro de 2010

Super Freakonomics


Super Freakonomics de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner

Depois do êxito do primeiro livro os dois autores regressam com um novo texto. Com base na teoria da Escolha Racional procuram explicar o comportamento humano, da economia das prostitutas americanas à falta de higiene dos médicos (e que custa a vida a centenas de milhares de pessoas todos os anos). Do uso de cinto de segurança nos automóveis às soluções para contrariar o aquecimento global, o livro avança com teses heterodoxas e criativas.

Interessante se bem que não concordemos com a maioria das explicações avançadas e das soluções propostas. Mas há que reconhecer que são engenhosas e inteligentes.

Uma informação importante: as gravatas dos médicos (os enfermeiros e outros técnicos não as usam) são uma das mais importantes fontes de agentes patológicos que são depois transmitidos aos doentes. Nos EUA na maioria dos hospitais os médicos estão proibidos de as utilizar.



Cincoenta perguntas sobre Portugal


Cincoenta Perguntas sobre Portugal

Editado em 1933 antes, portanto, de terem sido adoptadas as actuais regras ortográficas que tantos hoje não querem abandonar como se fossem sagradas e milenares.
As perguntas que coloca, tipo "Qual a terra de Geraldo O Sem Pavor? E a de Guadim Pais?", não são de pronta resposta para quem tem hoje menos de 40 anos. Mostram uma cultura geral assente noutros acontecimentos, uma história aprendida noutras bases e em paradigmas diferentes.

Para o leigo um bom teste para conhecer mais a história do nosso país. Para quem queira aprofundar uma boa maneira de observar as diferenças que o tempo introduziu na cultura geral dos portugueses e na visão sobre a sua história.

A propósito sabem "Quantos potes tem um almude?"

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sangue no pescoço do gato


Sangue no pescoço do gato por Reiner Wener Fassbinder

Uma peça de teatro sobre as relações humanas, uma tipologia crítica do relacionamento entre homem e mulher em diversos extractos sociais e profissionais. Algumas situações muito bem observadas, mas muitas outras não ultrapassam o estereótipo corrente.


terça-feira, 31 de agosto de 2010

Os Conjurados


Os Conjurados por Jorge Luís Borges

“A tarde elementar ronda a casa.

A de ontem, a de hoje, a que não passa”


Os Conjurados é uma pequena colecção de poemas e pequenos textos de Jorge Luís Borges unidos sob um tema magno na sua obra: a conjura. Não a conjura política que visa o derrube deste ou daquele governo ou regime, não a conjura criminosa que planeia um roubo ou um assassinato, antes a grande conjura que é a Vida, em todos os acontecimentos estão subtilmente, mas ferreamente, interligados, em que causas e consequências se confundem e se sucedem, em que presente e passado se justificam mutuamente, em que tudo é único, todo e parte, simultâneo, anterior e posterior.

Uma frase: “Tua será também a certeza de que o Tempo se esquece dos ontens, e de que nada é irreparável ou a contrária certeza de que os dias nada podem apagar e de que não há um acto, ou um sonho, que não projecte uma sombra infinita”.

Um livro extraordinário. Como todos os de Jorge Luís Borges.

Voo Nocturno


Voo Nocturno por Antoine de Saint-Exupéry

Um livro que nos mostra como é possível inculcar noutros um sentimento de dever muito para além do que é razoável e leva-los a assumir riscos mortais ao serviço de empresas comerciais. A linguagem poética e a exaltação das proezas dos pilotos quase nos fazem esquecer que se trata de uma simples companhia de transporte aéreo em concorrência com o caminho de ferro. Uma causa pela qual não vale, seguramente, a pena morrer.

Existe um clima de ardor heróico, de exigência, de rigor sem falhas, uma cultura de superação individual do medo e da adversidade que levam os indivíduos a arriscar a própria vida. Para estes pilotos já não se trata da empresa, de simples trabalho, e aí está a perigosa técnica da alienação, mas de se superarem a si mesmos, de enfrentarem vitoriosos o seu medo, de vencerem a noite e os seus perigos.

Na introdução André Gide escreveu: “Estou-lhe particularmente grato por ter esclarecido esta verdade paradoxal, para mim duma importância psicológica considerável: que a felicidade do homem não está na liberdade mas na aceitação de um dever”.

O livro poderia ser uma denúncia de uma técnica psicológica perigosa, Saint-Exupéry preferiu escrevê-lo como uma apologia e uma justificação do líder que consegue o máximo dos seus empregados.

Este lado negro do texto não apaga a escrita brilhante nem as ternas imagens que constrói. Um talento desperdiçado em favor de uma causa muito negativa.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Três contos da ìndia


Três contos da Índia por Rudyard Kipling
Rudyard Kipling deixou páginas admiráveis e o celebrado Livro da Selva, mas também foi um colonialista empedrenido.

Nestes contos a Índia é apresentada no seu pior: o sistema de castas, o vício do ópio, o ódio e a violência entre comunidades religiosas. Realidades duras mas, sem dúvida, amargas e duras para quem as vive, mas que não autorizam as conclusões que Kipling delas retira, nomeadamente que a Índia “Nunca há-de governar-se sozinha” (pp. 53).

O papel dos ingleses nesta colónia é empolado de forma exagerada. “E, todos os anos, o trabalho de conseguir que o país viva em boas condições prossegue. Se consegue algum progresso, todo o crédito é dado aos nativos, enquanto os ingleses recuam e limpam o suor da testa. Mas, se ocorrem falhas, os ingleses dão um passo em frente e ficam com as culpas.” (pp.54).

Pena que esta atitude colonialista manche uma excelente obra literária.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

As aventuras do Valente Soldado Svejk

As aventuras do Valente Soldado Svejk de Jaroslaw Hasek

Fragmentos de três textos diferentes todos no estilo sagaz de critica social que caracteriza Jaroslaw Hasek. Algumas historias extraídas das Aventuras do valente soldado Svejk, mas também excertos da História do Partido do Progresso Moderado dentro dos limites da Lei e de O Comissário Vermelho.

Delirante, bem humorado. Um livro divertido.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O americano tranquilo



O americano tranquilo de Graham Green

Um livro que exemplifica magnificamente o ditado popular que nos ensina que de boas intenções e saber livresco está o inferno cheio. Que nos relembra que “vemos, ouvimos e lemos” e que, por muito que tentemos, chega um momento que não podemos mais ignorar e temos de fazer opções, tomar partido, actuar.

Uma passagem fala de Portugal e da sua influência no Vietname colonial. Ei-la: “O Bispo de Phat Diem visitara em tempos passados a Europa e adquirira certa devoção por Nossa Senhora de Fátima que aparecera, segundo crêem os católicos, a um grupo de crianças em Portugal. Quando regressou ao seu país construiu em sua honra uma gruta nos terrenos da catedral, e celebrava o seu dia todos os anos com uma procissão “.

Um livro notável.

sábado, 14 de agosto de 2010

Antigone


Antigone e Les mariés de la Tour Eiffel por Jean Cocteau


Versão da Antigona de Sófocles em linguagem mais simplificada, contemporânea e coloquial, mas sem sopro de inspiração nem de originalidade. Elimina todas as referências à mitologia grega e substitui mesmo Zeus por Júpiter – que segundo o autor é palavra mais fácil de pronunciar em francês. O resultado final é muito mais pobre que o original.

O livro inclui também a peça Les mariés de la tour Eiffel um texto muito interessante de sabor surrealista.


sábado, 7 de agosto de 2010

Le Châtiment


Le Châtiment por Patrick Delperdange, André Taymans e Raphael Schierer


Lefranc, o herói criado por Jacques Martin que faleceu em Janeiro último, continua vivo, activo, a desvendar mistérios e a evitar tragédias.

Agora com o argumento de Patrick Delperdange e os desenhos de André Taymans e Raphael Schierer, que captaram a essência do personagem e fazem aqui um bom álbum de continuação desta série de banda desenhada.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Lord Beresford e a intervenção britânica em Portugal 1807 - 1820





Aspectos e episódios menos conhecidos da vida de Beresford em Portugal. Quem sabe ou lembra que no final do ano de 1807 um frota inglesa comandada pelo Almirante Samuel Hood ocupou a ilha da Madeira.


A ilha foi declarada colónia britânica e os funcionários portugueses obrigados a juramento de fidelidade ao monarca da Grã-bretanha. Beresford foi o Governador nomeado para dirigir a Madeira. Esteve no cargo poucos meses mas introduziu várias reformas.


Interessante a sua opinião sobre a magistratura portuguesa: "na verdade os salários são tão insuficientes para prover às despesas das pessoas que os auferem que a intensão quase parece ser - e seguramente assim é interpretada - levá-las a remunerarem-se de outras formas" (pp. 58).


O livro também nos dá conta da forma como Beresford conduziu a batalha da Albuera contra os franceses e de como o seu conflito com os Regentes levou ao trágico desenlace do caso Gomes Freire de Andrade.Um livro de História bem argumentado e bem assente em documentos da época.

sexta-feira, 30 de julho de 2010


Social Capital por John Field


Um resumo sério e muito completo do conceito de capital social. John Field é um académico mas o livro é acessível a leigos.

Altamente recomendável.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Portugal, Povo de Suicidas

Portugal, Povo de Suicidas por Miguel Unamuno

Unamuno era um profundo conhecedor de Portugal, da língua e da literatura portuguesa e dos seus mais destacados intelectuais. Foi amigo e correspondente de figuras como Guerra Junqueiro e Teixeira de Pascoaes entre outros.

Do seu posto de reitor da Universidade de Salamanca procurou em várias intervenções académicas e jornalísticas levar o conhecimento dos autores portugueses ao público espanhol.

A visão que desenvolveu dos escritores e intelectuais portugueses levou-o a escrever que: “Os poetas portugueses são geralmente pouco eruditos, mesmo em matéria de letras. As suas leituras não são muitas nem muito variadas e a sua cultura é muito mais vernácula do que eles próprios crêem” (pp. 33).

A par com esta ignorância das elites intelectuais, Unamuno detecta nestas duas outras tendências vincadas: i) o culto da dor – “O culto da dor parece ser um dos sentimentos mais característico deste melancólico e saudoso Portugal” (pp. 25) e, ii) a prática do suicídio – “ Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida” (pp. 73).

Este é um livro que mostra as elites intelectuais portuguesas e o seu pensamento vistos pelos olhos de quem os conhecia bem.

sábado, 24 de julho de 2010

Amar de Novo

Amar de Novo de Doris Lessing

Este é um livro complexo, denso, extenso.

Num primeiro momento diremos que versa os amores impossíveis. E estes são vários: o de Julie Vairon, a bela e culta mulata da Martinica enamorada sucessivamente de dois nobres franceses, o do aristocrata inglês por Julie já morta e enterrada noutro século e noutro lugar, os de Sarah por membros da companhia de teatro que dirige e finalmente o de Andrew um actor texano por Sarah. Mas também o amor conjugal e filial falhado do irmão de Sarah. E o de Susan, a actriz que personifica Julie e Stephan. Muitos amores infelizes. Cada um à sua maneira.

Por isso numa segunda aproximação diremos estarmos na presença de um longo e minucioso catálogo dos obstáculos que tornam a felicidade impossível. Entre Julie e os seus amantes ergue-se, intransponível, a barreira da classe e do racismo, entre Stephan e Julie interpõe-se a morte, que transforma este amor numa impossibilidade absoluta, entre Sarah e Bill e Henry existe a diferença de idades, esse terrível preconceito social e o amor de Andrew por Sarah não é correspondido. Obstáculos insuperáveis, monstruosos que acabam por destruir os amantes menos avisados.

A cada obstáculo corresponde o seu desenlace natural: Stephan acaba por se juntar à sua amada, suicidando-se, Henry refugia-se no amor paternal, Andrew, americano pragmático, regressa a casa e casa-se com a consciência que será infeliz, Hall, o irmão de Sarah, vê a mulher abandoná-lo.

Muitos nos dizem que o segredo de envelhecer bem está na capacidade de manter o espírito jovem e ocupado com assuntos interessantes. O caso de Sarah mostra-nos exactamente o oposto. Mostra-nos a prisão que a nossa idade pode ser, as restrições que impõe, as limitações sociais que acarreta. O espírito, jovem e livre, sente e vive o amor, as suas doçuras e as suas agruras, mas a idade, e os preconceitos sociais a ela associados, impede a felicidade.

domingo, 4 de julho de 2010

Bartleby


Bartleby por Herman Melville

O estranho comportamento de Bartleby o novo escrivão do escritório de advocacia é surpreendente. Primeiro recusa-se a conferir os documentos e depois, pouco a pouco, todo e qualquer trabalho. Vemos a solidão e o abandono crescer em torno de Bartleby enquanto o seu comportamento se torna cada vez mais passivo. Dorme e come no escritório que se recusa a abandonar e, no final, tem de ser o escritório a mudar-se para se ver livre dele.

O absurdo, a doença mental, o mistério do comportamento humano - “Ah, Bartleby! Ah, humanidade!” - num pequeno conto do autor de Moby Dick.

O conto foi já transcrito para o cinema várias vezes e tem dado origem a múltiplas e variadas interpretações.

domingo, 27 de junho de 2010

A Science Fiction Omnibus

A Science Fiction Omnibus editado por Brian Aldiss

Um livro de contos organizado por um dos grandes autores de ficção científica de sempre, Brian Aldiss. Entre os mais de trinta autores representados estão também outros monstros sagrados deste género literário como A.E. van Vogt, Isaac Asimov mas também de outras famílias como John Steinbeck.

Tem textos admiráveis. Numa única página Frederic Brown conta-nos Answer, a surpreendente e definitiva resposta que o Homem obteve do mais potente processador, uma máquina que acabava de ligar todos os computadores existentes no universo. A pergunta é simples e, apesar do enredo se passar num futuro distante quando o Ser Humano tiver colonizado as galáxias mais longínquas, reflecte uma velha e intemporal dúvida: “Deus existe?”

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Jerusalém



Jerusalém por Gonçalo M. Tavares


Quando as frases se repetem ipsis verbis estaremos perante um erro desastrado ou uma técnica inovadora? Quando a loucura é tal impõe-se reflectir se Pessoa não teria razão ao dizer que o “poeta é fingidor/ finge tão completamente / que chega fingir que é dor / a dor que deveras sente”.

Este livro tem uma moral prática. Diz-nos que é perigoso deixar os loucos sem vigilância e sem tratamento. Que a sua condição de doentes os leva a irreflectidamente e sem malícia a cometer os mais variados crimes e as mais abomináveis maldades. Diz-nos o que acontece quando “os loucos tomam conta do manicómio”.

Uma escrita linear, repetitiva, enfadonha, sem floreados mas também sem sal, uma estrutura narrativa gasta de tanto uso, um enredo linear e previsível.

Gonçalo M. Tavares inclui esta obra num conjunto que denomina de livros negros. Tem razão. Um livro negro, no sentido de que quando fazemos asneira, algo que nos envergonha, sentimos que devemos pintar a cara de ... preto.

sábado, 19 de junho de 2010

O Dilúvio


O Dilúvio de Henryk Sienkiewicz

O Dilúvio é uma história de um amor em tempo de guerra. A época da invasão sueca da Polónia em meados do século XVII é conhecida, tal a destruição, tal o barbarismo dos nórdicos, por Dilúvio.

Esta é uma obra-prima da literatura mundial, um épico que nos revela o melhor e o pior da alma humana, muitas vezes reunidos num só indivíduo. A heróica defesa, a traição de nobres, a deserção de soldados, a fidelidade do povo, a grandeza da alma polaca.

A tradução de L. Costa é péssima, a edição da Portugal Press deficiente, o exemplar que comprei tinha duas folhas em branco, e descuidada, as gralhas abundam. Um mau serviço a um dos maiores escritores de sempre e que ainda em vida viu o seu talento reconhecido tendo recebido o Prémio Nobel em 1905.

domingo, 13 de junho de 2010

Bowling Alone


Bowling Alone de Robert D. Putnam

Para além do capital que conhecemos, acumulação de trabalho na forma de capital físico ou financeiro, existe também o capital humano, os conhecimentos e os saberes que cada indivíduo possui e o capital social, o conjunto de ligações que cada um de nós tem com outros - as redes sociais e as normas de reciprocidade e de confiança que delas emergem.

Robert D. Putman na esteira de James S. Coleman é o grande teorizador do capital social.

Nesta obra Putnam defende, apoiado numa bateria impressionante de dados de diferentes fontes, que o capital social está a diminuir na América – declínio da participação política, retrocesso no envolvimento cívico, afastamento das práticas religiosas, desfiliação sindical, abrandamento do voluntariado, contracção da filantropia e mesmo regressão nas formas mais elementares de interacção social, como os jantares de amigos, os jogos de bowling e os pic-nics. Simultaneamente a confiança dos americanos uns nos outros e a honestidade está igualmente a definhar.

Contra a corrente de retracção social Putnam identifica o crescimento dos pequenos grupos, como os de leitura, os movimentos sociais, por exemplo o Greenpeace, e as redes sociais baseadas na internet. Infelizmente muitos dos novos movimentos sociais, são organizações do tipo “terciário” com um pequeno núcleo de profissionais sedeados em Washington, onde fazem lobby junto dos políticos, apoiados por um conjunto de pessoas cuja intervenção se resume às contribuições monetárias e que se não conhecem mutuamente. Este tipo de organização, naturalmente, não contribui para o capital social.

Putnam procura num segundo momento identificar as causas da redução do capital social e encontra várias: i) a televisão contribui com a maior fatia (50%) para a redução do capital social (o tempo que as pessoas ocupavam a participar em organizações cívicas, em voluntariado, no activismo sindical ou político, é agora ocupado em frente do televisão), ii) o espraiar espacial, os americanos vivem num local, trabalham noutro, fazem as suas compras num terceiro, o que implica maiores tempos em deslocações e maior anonimato nos contactos, iii) o trabalho feminino por necessidades económicas, interessantemente as mulheres que trabalham porque querem mostram em geral um maior envolvimento social do que as que não trabalham e finalmente iv) as dificuldades económicas que a precarização e a globalização introduziram. Estas causas tendo emergido ao longo da segunda metade do século XX afectaram de forma desigual as diferentes gerações. Assim as geração mais velha, nascida na primeira metade do século (antes da TV) mostra hábitos gregários mais fortes, enquanto as gerações seguintes evidenciam índices cada vez mais fracos.

Num terceiro momento Putnam pergunta porque devemos preocupar-nos com o declínio do capital social. A sua resosta é porque o capital social é de importância crucial para: i) a educação das crianças, II) a saúde, estudos revelam que é equivalente para a saúde deixar de fumar ou aderir a uma organização que reúna pelo menos uma vez em cada 15 dias, investigações também demonstraram que quem adere a uma organização reduz o perigo de morte no ano seguinte em 50%, iii) a felicidade, varias autores defendem que a felicidade depende da forma de integração social e que os isolados são muito mais propensos à depressão e ao suicídio, iv) o progresso económico, o capital social propícia o crescimento económico, v) a democracia, sem participação dos cidadãos é difícil imaginar uma democracia.

Num último momento Putnam reflectindo sobre a História americana, aponta algumas pistas para o revigorar do capital social na América.

Um livro, não traduzido em português, mas que seria bom que os políticos, os líderes económicos e sociais o lessem, porque ajuda a perceber as causas do atraso português.

domingo, 23 de maio de 2010

A Ciência como Profissão







A Ciência como Profissão de Max Weber



Max Weber aborda a questão da Ciência, do contributo que esta pode dar mas também sobre o que ela não pode nem deve oferecer. Procurarei reter as ideias principais em 10 tópicos:

1. “As condições exteriores da profissão académica”. Compara aqui os sistemas de ensino universitário alemão e norte-americano.



2. A ciência e a arte. A ciência como conhecimento efémero, porque em constante progresso, em que cada avanço é logo ultrapassado por novos saberes. A arte como eterna, cada obra “plena” não podendo nunca ser suplantada.



3. Os ingredientes básicos da ciência. O “Conceito” que surge na antiguidade grega, e a “Experimentação”, filha do Renascimento.



4. O sentido da Ciência ao longo do tempo. “... Uma vez que se afundaram todas as anteriores ilusões: «caminho para o verdadeiro ser», «caminho para a verdadeira arte», «caminho para a verdadeira Natureza», «caminho para o verdadeiro Deus», «caminho para a verdadeira felicidade»...”.



5. A Ciência não tem sentido. “ A resposta mais simples, deu-a Toslstoi com as seguintes palavras «Ela [a Ciência] não tem sentido, pois não dá resposta à pergunta que é a única importante para nós: Que havemos de fazer? Como havemos de viver?». Que ela não dá essa resposta é um facto, pura e simplesmente, indiscutível.”



6. Pressupostos da Ciência. Todas as Ciências assentam em pressupostos indemonstráveis. “Portanto a Estética não procura saber se deve haver obras de arte”



7. O político, o religioso e o cientista são actividades distintas que não devem ser misturadas. O professor não deve em circunstancia alguma fazer passar as suas convicções políticas ou religiosas aos alunos sob a capa de conhecimento científico.



8. Não o deve fazer porque a ciência desencantou o mundo. No mundo moderno vários sistemas de valores conflituam, sem que nenhum valor se sobreponha aos restantes. As escolhas são pessoais e a Ciência nada consegue dizer sobre os valores. “Quem se atreverá a «refutar cientificamente do Sermão da Montanha, por exemplo, a norma de «não resistir ao mal» ou a parábola que manda oferecer a outra face?”.


9. Os quatro contributos da Ciência:
a) “Proporciona, evidentemente, conhecimentos sobre a técnica que permite, através do cálculo, dominar a vida, tanto as coisas materiais como até o comportamento humano
b) “Proporcionar métodos de pensamento, o apetrechamento e a formação para esse efeito
c) “ Ajuda a alcançar uma terceira coisa: a lucidez
d) Mostrar as consequências da acção. ” obrigar o individuo – ou, pelo menos, ajudá-lo nisso – a prestar contas a si próprio sobre o sentido último do seu procedimento



10. A crença acrítica não tem lugar na ciência. “O «sacrifício do intelecto» só é efectuado legitimamente, pelo discípulo perante o profeta, pelo crente perante a Igreja”.

A invenção do dia claro


A invenção do dia claro de Almada Negreiros


Um jovem parte à descoberta do sentido da vida, do lugar do Homem no Universo. A viagem é longa, cheia de experiências amargas e dolorosas, mas, no final, reveladora.

Não foi, portanto, sem orgulho que constatei que era precisamente por causa de cada um de nós que havia o universo.” O universo surge, assim, como construção humana, não como algo exterior, real, material, mas como fruto da mente por trás dos olhos que o perscrutam. Uma posição metafísica, idealista, surpreendente, no mau sentido, e dificilmente compreensível num pensador do século XX.

O estilo é rebuscado, num misto de futurismo surrealista e romântico lamechas. Algumas frases preciosas, muitas das quais sem conexão directa com a lógica do texto. “A rosa encarnada cheira a branco”.

A mensagem do dia claro, pelo contrário, sabe a mofo.


domingo, 9 de maio de 2010

Making Democracy Work

Making Democracy Work de Robert D.Putnam


No inicio dos anos 70 a Itália abandonou o sistema político centralizado adoptando uma extensa regionalização. Robert D. Putnam acompanhou de perto durante duas décadas a institucionalização dos novos poderes regionais.

Algumas regiões mostraram ser muito mais bem sucedidas do que outras. Particularmente as regiões geridas pelo, hoje defunto, partido comunista italiano, revelaram maior dinamismo, crescimento e maior satisfação dos eleitores com as políticas seguidas. Porque aconteceria tal fenómeno? Porque é que instituições criadas simultaneamente tinham tão grande disparidade de desempenhos?

A resposta, segundo Putnam, encontra-se no capital social, na forma como as pessoas se relacionam entre si. Nas regiões bem sucedidas existe um forte capital social, as pessoas pertencem a várias associações e redes de intervenção social e cívica, confiam umas nas outras e procuram contribuir para a resolução dos problemas, a igualdade social e política é muito maior. Nas regiões com pior desempenho a corrupção alastra, o clientelismo impera, o capital social é baixo, as pessoas estão atomizadas e não confiam nas que não pertencem ao seu núcleo familiar.

Um livro extraordinário. Importante para a reflexão sobre o nosso país.


Sobre o suícidio


Sobre o Suicídio - Jacques Peuchet com introdução de Karl Marx

Marx apresenta um texto de Jacques Peuchet sobre o suicídio. O que interessa a Marx neste texto é dar um exemplo da superioridade de análise da crítica social francesa relativamente à inglesa e à alemã. Marx aqui não subscreve nem antagoniza, porque nem sequer comenta, as teses Peuchet.

O livro devia ser apresentado como um texto de Peuchet com uma breve introdução de Marx e não como se fosse uma obra de Marx. A apresentação que Marx faz do texto e do autor ocupa apenas uma folha numa obra de cerca de 50 páginas.


sábado, 1 de maio de 2010

Contos de Poe


Contos de Poe
adaptação de Denise Despeyroux e desenhos de Miquel Serratosa


Este livro de Banda Desenhada consegue recrear de forma magnífica o ambiente sombrio, misterioso e tétrico em que se desenrolam três contos de Egar Alan Põe, O Escaravelho de Ouro, o Método do Dr. Alcatrão e do Professor Pena e A queda da Casa de Usher.

Miquel Serratosa é um jovem artista catalão, ainda há pouco saído da Universidade. Vamos seguramente ouvir falar dele.


quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Esquerda Radical

A Esquerda Radical por Miguel Cardina


Pequeno opúsculo sobre a origem da esquerda radical em Portugal, a génese dos grupos das duas correntes principais a marxista-leninista e a trotskista. Um trabalho no âmbito de uma tese de doutoramento sobre o maoismo na contestação ao Estado Novo.

Uma esquerda que se queria mais revolucionária e combativa que o PCP mas que não resistiu aos primeiros refluxos sociais depois do 25 de Abril. Por ironia do destino parte desta esquerda tinha como farol a China de Mao. Hoje é o PCP que representa esta sensibilidade em Portugal.

Muito interessante. Escrito por um jovem que não tem obviamente contas a ajustar com o passado.

domingo, 18 de abril de 2010

Correios

Correios
Charles Bukowski


Cheguei a Charles Bukowski quando lendo Pedro Juan Gutierrez me apercebi que este era um exemplar serôdio da corrente literária do realismo sórdido iniciada por Bukowski.

Correios, publicado em 1971 chega agora, quase 40 anos depois, ao leitor de português.

Trata-se de um livro de carácter autobiográfico que conta os 11 anos que o personagem trabalhou para os Correios dos EUA, primeiro como carteiro e, depois, como separador de cartas. A dureza do trabalho, a desumanidade dos capatazes, as manhas e artimanhas necessárias para lhes escapar e a vida privada dissoluta e dissolvida em álcool enchem as páginas deste romance que se lê num ápice. Comprei ontem.

Como sempre o original é muito melhor do que a cópia.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

La logique du Social

La logique du Social
Raymond Boudon


La logique du social foi publicada em 1979 e foi um dos primeiros trabalhos de Raymond Boudon. No entanto encontramos aqui as ideias mestras da sua teoria sociológica, inserida na corrente de pensamento dita do individualismo metodológico, termo cunhado em 1092 pelo economista Joseph Schumpeter.

Para Boudon o fenómeno social explica-se a dois níveis: o nível micro pela acção intencional dos indivíduos e a nível macro pela agregação destas acções individuais. Mas a agregação não é uma simples adição. Dela emergem efeitos de composição que fazem com que o resultado final das acções individuais não seja exactamente aquilo que os indivíduos esperariam.

Boudon tem uma grande vantagem em relação a outros sociólogos franceses. Escreve claro e perceptível, não se perdendo na verborreia intlectualoide, mas vazia de sentido, tão cara a tantos cientistas sociais franceses.

Um livro muito interessante.

domingo, 11 de abril de 2010

A Ilha maldita


A ilha maldita
Jacques Martin
Jacques Martin morreu em Janeiro deste ano de 2010. Foi um dos nomes maiores da Banda desenhada europeia. Começou como colaborador de Hergé, o genial criador de Tintin, mas depois afirmou-se como criador original.

A sua obra principal espraia-se pela vasta colecção das aventuras de Alix. O rigor histórico, a intrepidez do romano, a fragilidade do seu amigo egípcio, a intriga sempre interessante, o desenho rigoroso e pormenorizado, fazem desta série um clássico da Banda desenhada.

IRS All Watcher - La Nébuleuse Roxana


IRS All Watcher - La Nébuleuse Roxana
Koller (Desenhos) e Desberg (argumento)
Acabado de sair (Fevereiro de 2010).

O agente do IRS continua a perseguição do misterioso e perigoso All Watcher, o homem que no coração do sistema financeiro mundial tudo parece controlar. Este é o segundo tomo desta série de IRS.

Insípido.

domingo, 14 de março de 2010

A sociedade de consumo

A Sociedade de Consumo de Jean Baudrillard

Um livro datado. Escrito numa época (1970, agora traduzido) onde alguns albergavam a miragem que a sociedade estava a entrar num época de abundância, em que as desigualdades sociais seriam mais do tipo simbólico e de status do que de rendimentos e de bem-estar. Baudrillard toma uma posição ambígua ao longo do livro. Crítica os que pensam que a era da abundância veio trazer a justiça social, mas não escapa a acreditar que a abundância está a chegar para todos. Chega a antecipar a igualdade de rendimentos “Em tais condições, importa pouco que todos os rendimentos sejam, no limite, iguais, podendo até o sistema dar-se ao luxo de avançar a passo largo nessa direcção, porque não se encontra aí a determinação fundamental da «desigualdade»". Um falhanço completo da percepção do sentido em que se encaminhava já a sociedade francesa e europeia.

Sobre o consumo propriamente dito a sua tese radica na contradição entre a necessidade crescente da diferenciação (as elites pretendem sempre distinguir-se dos demais através de um consumo que se revela não utilitário mas simbólico, sinal de status social) e as capacidades de produção assentes nos meios técnicos.


Ética, Estado e Economia

Ética, Estado e Economia de Luís de Sousa (organizador)

Em países em que a confiança entre as pessoas é reduzida, em que a participação cívica é diminuta, a pertença a associações, sindicatos, clubes é pequena o capital social à disposição dos actores sociais é baixo. Portugal é um dos países europeus em que o capital social é menor e o que mais existe é do tipo negativo.

O sociólogo norte-americano Robert Putman escreveu referindo-se à Itália, mas com algumas adaptações, o mesmo se poderia dizer de Portugal: “Sem normas de reciprocidade nem redes de participação cívica, é mais provável o resultado ... familismo amoral, clientelismo, desprezo pela lei, governo inefectivo e estagnação económica”.

Este livro analisa em profundidade a relação entre o capital social, a corrupção e o desenvolvimento económico, dum ponto de vista científico. Indispensável para quem queira perceber o atoleiro que impede a sociedade portuguesa de se aproximar dos padrões médios europeus.

domingo, 7 de março de 2010

A cidadela branca


A cidadela branca de Ohran Pamuk


Um livro sobre a identidade. O que faz de mim eu?

A minha cultura? E se me aculturar aos costumes de outro país, deixarei de ser Eu? Passarei a ser outro? Serei um estrangeiro para o meu anterior Eu?

As minhas memórias e recordações? Poderei troca-las com as de terceiros? Poderei então sonhar os seus sonhos, pensar o que pensão?

O meu corpo? Mas se ele é tão parecido com outro que todos nos confundem?

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Kikia Matcho

Kikia Matcho de Filinto de Barros


Kikia Matcho é mais uma discrição antropológica e sociologia da multiplicidade cultural guineense. Por aqui desfilam as múltiplas tribos, religiões, crenças, etnias que transformam a sociedade deste pequeno estado africano num autêntico melting pot, rico, diversificado e exuberante.

A Luta dividiu os guineenses, muitos citadinos juntaram-se no mato à guerrilha, mas outros foram alistados no exército colonial português e obrigados a combater os seus compatriotas. Outros ainda, desiludidos desertaram do PAIGC.

A desilusão com a Independência, o abandono a que foram votados os Combatentes da Luta pela Independência, o contraste entre uma liderança capaz de lançar uma guerra vitoriosa mas incapaz de desenvolver o País.

A diáspora emigrada em Portugal: um retrato terrível e verdadeiro sobre a forma racista como estes emigrantes são recebidos e de como a sua vontade de integração na sociedade portuguesa é cerceada e dificultada. “O racismo, sobretudo o desprezo, fazia-a ficar tensa. Queria ser como eles, dizer-lhes que ela era igual, que era também portuguesa como eles, que estava disposta a a cantar o Heróis do Mar, enfim, queria que Portugal fosse aquilo que sempre lhe ensinaram na escola primária: a Mãe Pátria.” Mas anos de barracas e discriminação, naturalmente eliminam esses sentimentos e os sentimentos de revolta brotam.