domingo, 27 de setembro de 2020

A Ilha dos Pinguins

 

A Ilha dos Pinguins

 

A Ilha dos Pinguins é um livro extraordinário que nos conta, com uma ironia fina, com a elegância de uma escrita graciosa, com o ritmo certo a cada episódio, com a minúcia requerida em cada fase da narrativa, a saga de um povo descendente de pinguins e tão parecido com os franceses.

 

Observações certeiras sobre a política (“conquistá-lo-emos por lisonjas, presentes e sobretudo promessas. As promessas custam menos que os presentes e valem muito mais. Nunca se dá tanto como quando se dá esperanças”), sobre as Forças Armadas (“Os Pinguins possuíam o primeiro exército do mundo. Os Marsuínos também. E o mesmo acontecia com os outros povos da Europa”), a civilização (“Os progressos da civilização manifestavam-se pela indústria assassina, a especulação infame, o luxo odioso”), e a organização social (“Entretanto a Pinguínia vangloriava-se da sua riqueza. Aqueles que produziam as coisas necessárias à vida tinham falta delas; aqueles que não as produziam tinham-nas com fartura).

 

Uma corrosiva crítica social, uma obra-prima, uma joia brilhante da Literatura europeia. A sua obra tem sido injustamente esquecida em Portugal.

 

Anatole France (1844-1924), grande escritor francês cuja obra foi colocada em 1922 no Index Librorum Prohibitorum (Lista de Livros proibidos) da Igreja Católica. Apoiante da Revolução de Outubro adere ao Partido Comunista Francês pouco da sua fundação em 1920. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1921.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Essa Gente

 Essa gente de Chico Buarque

 

Um retrato cru da sociedade brasileira contemporânea em tempos de agravamento das desigualdades, de ascensão da direita extremada, de paralisia social. Um quotidiano mesclado de violência urbana, de dificuldades económicas, de angústias existenciais.

 

A história de um escritor de meia-idade, em fase de bloqueio criativo, que vagueia entre a favela e a alta sociedade, preso às suas anteriores ligações, atolado num passado insatisfatório e um presente ainda mais complexo.

 

Um Brasil pobre, racista, parado, cinzento, perdido, deprimido, incapaz de encontrar uma saída positiva para a sua permanente crise, e em que uma parte da classe média olha para Portugal como uma promessa de estabilidade.

 

Apesar da composição racial da população brasileira o grupo dos que se consideram brancos mantém um domínio violento e cruel sobre a maioria que é negra.

 

Chico Buarque (n. 1944) tem uma carreira multifacetada e triunfal quer como compositor e cantor de música popular brasileira quer como escritor. As suas obras do romance à dramaturgia tem recebido inúmeros elogios e ganho variados prémios Literários em Portugal e no Brasil. Em 2019 foi agraciado com o Prémio Camões o mais importante das Letras lusófonas.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020


 Palomar

 

Palomar concentra-se na realidade, no material, no presente, no prado verdejante, no queijo francês, na carne exposta no talho, experiência concreta do banho de mar ao fim do dia, na observação do reino animal, das osgas, dos estorninhos, das girafas, do gorila albino e até dos répteis do jardim zoológico, na introspeção da sua alma e da sua interação com os outros. O foco é sempre limitado, mas é dissecado sob a lente de um microscópico, descrito com minúcia e abundância de detalhes e observações que nos surpreendem e deliciam.

 

Induzido pelo real e as suas propriedades, num salto cheio de subtileza, Palomar ascende a outro nível, à divagação filosófica. O concreto por ligeiras aproximações sucessivas transforma-se em metáfora. Um exemplo “Palomar está distraído, deixou de arrancar as ervas daninhas, já não está a pensar no prado: pensa no universo, está a tentar aplicar ao universo tudo aquilo que pensou a propósito do prado. O universo como cosmos regular ou como proliferação caótica. O universo que talvez seja finito mas que é inumerável, instável nos seus confins, que e abre dentro de si a outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeiras, campos de forças, interceções de campos, conjunto de conjuntos…”. Eis como um prado se transforma em metáfora do Universo.

 

Muito interessante a reflexão sobre a superfície e o interior das coisas, em que afirma: “Só depois de ter conhecido a superfície das coisas – conclui – nos podemos aventurar a procurar o que está por baixo. Mas a superfície das coisas é inesgotável”:

 

Um fino sentido de humor perpassa em muitos dos pequenos textos, leia-se O Seio Nu, mas o predominante é a angústia sobre a falta de sentido da vida, o desconforto de não encontrar uma base sólida, a desilusão de a realidade desmentir sempre a melhor teoria.

 

Um livro que nos faz pensar e refletir sobre um largo leque de temas importantes da nossa vida e da nossa relação com os outros.

 

Italo Calvino (1923-1985), escritor italiano, membro do Partido Comunista Italiano de que veio a desfiliar-se mantendo-se contudo firme na sua ideologia socialista. Um dos maiores escritores do século XX.