quarta-feira, 9 de setembro de 2020


 Palomar

 

Palomar concentra-se na realidade, no material, no presente, no prado verdejante, no queijo francês, na carne exposta no talho, experiência concreta do banho de mar ao fim do dia, na observação do reino animal, das osgas, dos estorninhos, das girafas, do gorila albino e até dos répteis do jardim zoológico, na introspeção da sua alma e da sua interação com os outros. O foco é sempre limitado, mas é dissecado sob a lente de um microscópico, descrito com minúcia e abundância de detalhes e observações que nos surpreendem e deliciam.

 

Induzido pelo real e as suas propriedades, num salto cheio de subtileza, Palomar ascende a outro nível, à divagação filosófica. O concreto por ligeiras aproximações sucessivas transforma-se em metáfora. Um exemplo “Palomar está distraído, deixou de arrancar as ervas daninhas, já não está a pensar no prado: pensa no universo, está a tentar aplicar ao universo tudo aquilo que pensou a propósito do prado. O universo como cosmos regular ou como proliferação caótica. O universo que talvez seja finito mas que é inumerável, instável nos seus confins, que e abre dentro de si a outros universos. O universo, conjunto de corpos celestes, nebulosas, poeiras, campos de forças, interceções de campos, conjunto de conjuntos…”. Eis como um prado se transforma em metáfora do Universo.

 

Muito interessante a reflexão sobre a superfície e o interior das coisas, em que afirma: “Só depois de ter conhecido a superfície das coisas – conclui – nos podemos aventurar a procurar o que está por baixo. Mas a superfície das coisas é inesgotável”:

 

Um fino sentido de humor perpassa em muitos dos pequenos textos, leia-se O Seio Nu, mas o predominante é a angústia sobre a falta de sentido da vida, o desconforto de não encontrar uma base sólida, a desilusão de a realidade desmentir sempre a melhor teoria.

 

Um livro que nos faz pensar e refletir sobre um largo leque de temas importantes da nossa vida e da nossa relação com os outros.

 

Italo Calvino (1923-1985), escritor italiano, membro do Partido Comunista Italiano de que veio a desfiliar-se mantendo-se contudo firme na sua ideologia socialista. Um dos maiores escritores do século XX.

Sem comentários:

Enviar um comentário