quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O Chinês da Dor

O Chinês da Dor por Peter Handke

Os sentidos despertos, alerta, conscientes e fotográficos. Um olhar minucioso, detalhado, clínico sobre a realidade, sobre as cores e as formas e as suas subtis conjugações e variações. O cheiro apurado para os odores que nos rodeiam. Uma audição atenta os sons, ruídos e vibrações do ambiente.

As sensações que mudam com o estado de espírito do individuo, com a depressão, a alegria, a antecipação do amor, ou simplesmente com a tranquilidade quotidiana. Como se toda a natureza mudasse connosco, com o nosso humor, as cores mudando de tonalidade, os sons de intensidade e significado, as formas de configuração, os cheios de fragrância.

O mundo, o pequeno mundo dos arredores de Salzburg, visto por um personagem enigmático, que se confronta com uma ação impulsiva que origina estados de alma diferentes no percurso que a explica e à medida a que com ela se conforma.

Um livro sobre a soleira, esse território que separa o interior do exterior, mas que não sendo uma fronteira é o terreno da mediação, “um lugar de prova ou de proteção”. “Na palavra soleira existe mudança, marés, vau, sela, zona. “A soleira é a fonte” diz um ditado quase esquecido”. E quase no final “«O narrador é a soleira. Por isso ele tem de parar e recompor-se»”.

Um livro abundante de temas como o divórcio “Nunca pergunto. Já antes eu fazia poucas perguntas. Talvez tenha sido isso que levou à separação. O meu problema é muitas vezes não ser capaz de fazer perguntas. No entanto, eu próprio sou constituído por perguntas”, o da identidade “O meu lugar não foi sempre na engrenagem em que ninguém se diferencia de ninguém”, o do racismo “Disse que andava numa escola primária em que havia uma turma especial para estrangeiros que se chamava “turma colorida”: não devido aos lápis de cor que eram quase os únicos instrumentos de ensino, mas devido às diversas cores da pele”, o ressurgimento do nazismo “cruzes suásticas? Vêem-se, e não só aqui, por todo o lado” e tantos outros.

Um pequeno trecho “água, sem objetos, sem animais, o elemento puro; ora límpido ora turvo; branco como as bétulas, amarelo como o céu, cinzento como a rocha, cor-de-carne, cor das nuvens, azul como ferro, verde como relva, negro como a turfa, negro como um poço, completamente silencioso; só onde pende um remo – ou numa passagem estreita- se ouve um gargarejo, como numa fonte escondida”. Genial.

Peter Handke (n. 1942) ganhou o Prémio Nobel deste ano. Absolutamente merecido.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A Menina Else


A menina Else por Arthur Schnitzler

O dia da morte da Menina Elsa, uma rapariga de 19 anos em férias com a tia numa estância de montanha, admiravelmente descrito através dos seus pensamentos e perceções num monólogo interior singular. Um dia que começa cálido e aborrecido mas que muda fatalmente de rumo com a chegada de uma carta da sua mãe.

Colocada perante um dilema moral Else não consegue reconciliar as exigências dos pais com o preço a pagar para as satisfazer. Balançando perigosamente no fio da navalha as suas faculdades desvanecem-se e falha nas duas frentes.

Amor e morte os eternos temas da Literatura aqui condensados numa novela emblemática que foi repetidamente adaptada ao cinema.

Arthur Schnitzler (1862 – 1931), médico e escritor austríaco de origem judaica, membro do grupo vanguardista Jovem Viena, foi um dos pioneiros na escrita psicológica na primeira pessoa, uma versão da escola do fluxo da consciência. As suas obras foram proibidas pelo regime nazi alemão e a Menina Else foi mesmo explorada para atacar os judeus.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

A Chinela Turca

A Chinela Turca de Machado de Assis

Este livro reúne três pequenos contos, de sabor fantástico, do grande escritor brasileiro Machado de Assis.

A Chinela Turca conta-nos um sonho estranho de um jovem retido em casa por uma visita inesperada quando se preparava para ir dançar ao baile organizado pelos pais da sua amada.

Depois em O Espelho reflete sobre a alma humana e a estranha dualidade do estar e do ser, do exterior e do interior, do hábito que faz o monge.

Por último A Igreja do Diabo aborda e perpetua luta entre o bem e o mal e a necessidade do ser humano de transgredir as regras, quaisquer que elas sejam, boas ou más, certas ou erradas.

Machado de Assis (1839-1908) é o maior escritor em língua portuguesa do século XIX. Abordou todos os géneros literários do romance ao conto da poesia ao teatro. Deixou uma vasta obra. Era mestiço e seus avós estiveram longos anos escravizados antes de serem alforriados.