segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O Testamento de William S.



O Testamento de William S. por Yves Sente e André Juillard

A centenária polémica sobre a identidade daquele que assinou a sua obra literária como William Shakespeare, serve de pano de fundo a uma desinspirada e insípida aventura dos dois amigos ao estilo da receita de Dan Brown e do seu Código Da Vinci, i.e. uma mistura de rally paper, em que o itinerário é desvendado à medida que se completam tarefas e se encontram soluções para adivinhas e mistérios, e uma prosaica tentativa de enriquecer.  

Uma grande novidade é o papel central desempenhado por várias mulheres, elas que estavam completamente ausentes nos álbuns originais. Sinais dos tempos.

Tem-se tornado um hábito que em Dezembro seja publicada uma nova aventura da dupla criada por Edgar P. Jacobs o capitão Blake e o Professor Mortimer e que cada história anual seja apresentada em duas versões que apenas diferem na capa e assinada pela dupla Yves Sente e André Julliard que têm dado continuidade às aventuras dos dois ingleses após a morte do seu genial criador. Uma formula que, aparentemente, tem resultado comercialmente, embora em termos artísticos o desfecho não seja idêntico.

Tarefa inglória e ingénua esta de procurar recriar o pensamento e o talento invulgar de Jacobs.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Último Cais



O Último Cais de Helena Marques

A situação das mulheres portuguesas da classe superior na Madeira ao longo do último quarte do século XIX, as suas limitações, aspirações e frustrações, num tempo em que os casamentos eram combinados pelos pais sem intervenção dos filhos, em que as mulheres não tinham direitos iguais, em que os filhos eram criados pelas amas, em que as meninas aprendiam a tocar piano e a falar inglês, em que morriam ao dar à luz.

A aceitação da situação era geral e as aspirações feministas passavam apenas por pequenos desabafos inconsequentes, e provas de ousadia tão temerárias quanto sair à rua sem a companhia de uma criada.

Vidas apagadas que parecem heróicas, quando nada têm de extraordinário. Helena Marques pretende passar vidas desperdiçadas por lutas acaloradas. Não o consegue. É que a autora esquece que enquanto estas mulheres velavam assim murchamente e sem valentia pelos seus direitos as sufragistas inglesas e americanas vinham para as ruas enfrentar os poderes instituídos, escreviam os seus manifestos e intervinham vigorosamente para conquistar o seu espaço na sociedade, na cultura e na esfera política. Que atitude tão diferente da sonolenta e vazia postura das personagens deste romance.

E se a autora situa a ação na ilha da Madeira ela podia ter como cenário muitos outros pontos do país, já que quer a paisagem, quer a sociedade madeirense, estão em larga medida ausentes do relato que recai numa série de pequenos retratos de homens e mulheres de uma mesma família.


A história banal de um homem, da classe mais abastada, qual sol, ao torno do qual giram todos os outros personagem. Na órbita mais próxima as suas mulheres, depois em círculos cada vez mais afastados filhas, primos e primas e outros parentes ou simples conhecidas, cada um sempre aferido e pesado em função da distância em relação ao astro luminoso, quanto mais perto mais belo, correto e moral, quanto mais distante mais apagado, tosco e amorfo.
 
Um livro que tem frases abertamente racistas que se percebem na boca do personagem, um médico rico que explora uma grande plantação na Guiana Britânica, e outras na boca de personagens secundárias. Mas ao não serem comentadas, refutadas por ninguém, nem pela narradora, ao não serem alvo de contraditório, surgem como abertamente ofensivas.


Primeira obra de Helena Marques foi largamente premiado, confirmando o péssimo costume português de enaltecer quem não tem obra e esquecer os que a têm. Recorde-se a esse propósito o comportamento do antigo governante Sousa Lara em relação a José Saramago cortando o romance “Evangelho segundo Jesus Cristo” da lista para o Prémio Literário Europeu de substituindo-o por obra medíocre de autor esquecido.