quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Status / Ansiedade




O Estatuto social ao longo dos tempos e a emergência da ansiedade nas sociedades que equacionam o estatuto com as virtudes morais, sociais e profissionais.

Alain de Botton reconhece que grande parte da ansiedade, nós diríamos sofrimento, causado pela dissintonia entre o que cada um sente ser o seu valor e o seu contributo e o estatuto que lhe é conferido é negativa. Para isso inúmera um conjunto de “soluções” essencialmente dirigidas a baixar as expectativas dos indivíduos (nada interessa, todos morremos, o que somos nós perante a grandeza da natureza e do universo, etc.) e assim diminuir a ansiedade.

Mas esquece-se de questionar o outro lado da equação, i.e. se os estatutos atribuídos a cada profissão e a cada pessoa são justos e equilibrados, e se o grau das diferenças de estatuto entre as diferentes posições sociais influem ou não no nível de ansiedade / sofrimento.

Estudos recentes sobre a felicidade mostram que sociedades mais achatadas, com menos diferenças de estatuto entre os seus membros, geram populações com menor ansiedade e infelicidade.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Progressive Portugal

Ler a opinião de estrangeiros sobre o nosso país é algo que faço com muito gosto. É aí geralmente possível descobrir algo de novo sobre a nossa sociedade. Muitos aspectos que tomamos por adquiridos, inquestionáveis e universais surgem então na sua dimensão estritamente local e paroquial. Traços existem que não conseguimos vislumbrar, por estarmos neles imersos, e que apenas nos podem ser revelados por quem tenha suficiente distância cultural para os detectar.

Progressive Portugal, Impressions of a journey through new Portugal, de Rammath N. Pai Raikar é um pequeno livro de memórias da visita que o autor fez a Portugal em 1997. Nele podemos encontrar os habituais louvores à beleza da paisagem, à afabilidade da população, ao sabor da comido e à qualidade do vinho e as tradicionais queixas pelas agruras do clima nortenho, com muito frio e chuva e pela incapacidade de falar línguas estrangeiras, incluindo o inglês.

Apesar de ver em Portugal um conjunto de ganhos materiais e civilizacionais, Raikar não deixa de notar a pobreza e o atraso (“...a rugged farmer ploughing the fields with the help of his enormous bulls” que podemos traduzir por “um duro camponês a lavrar a terra com o auxilio dos seus enormes bois”) e o exagero da devoção religiosa que leva as pessoas a subir de rastos ao Bom Jesus em Braga (“However, its was not clear whether Jesus Christ would receive any pleasure by looking at the blood soaked knees and scratched elbows of the pilgrins” – “Contudo, não fica claro se Jesus Cristo terá qualquer prazer em ver os joelhos e cotovelos ensanguentados dos peregrinos”) que compara com as práticas de auto-flagelação levadas a cabo por devotos hindus nos templos de Tirupati, Sabrimal ou Sharavanbelagola no Sul da Índia.

Raikar, que apesar de jovem se mostra conservador, fica escandalizado com aquilo que classifica de libertinagem da juventude portuguesa. Na sequência de uma vista a uma discoteca escreve, “The warm embraces, hot blooded kisses ... and more! All types of sexual imprudence had reached its peack” (Os abraços quentes, os beijos húmidos … e mais! Todos os tipo de imprudências sexuais tinham atingido o seu pico).

Apesar da minúcia das descrições e do poder de observação demonstrado, o livro de Raikar fica longe de poder ser considerado uma referência neste género de literatura de viagem.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Adieu, Maman



A dor da perca de um ente querido. A dor de ajudar a pessoa amada a acabar os seus dias. O ciclo da vida, de pai para filho. A depressão assassina. Uma história comovente contada por uma criança que perde o pai e a mãe.

Um livro excelente. Em banda desenhada.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Índio Branco


Um ensaio sobre Arte e sobre a relação entre o Homem e as suas criações artísticas, a música, a pintura, a escultura, a palavra.

Dois modelos em confronto, uma arte que é a nossa, do mundo dito civilizado, que aliena, que separa os homens, que os afasta da natureza e da realidade e outra, a dos índios, integrada na vida, na natureza, que une os homens entre si e os liga ao mundo.

Algumas citações:

Sobre o canto índio

“Tensão do ser que não procura explicar, que não busca ser bela, que não procura sonhar. Mas que une o homem que canta ao além, quer dizer á matéria circundante.
Esta voz despreza a linguagem, porque a linguagem não dura”
(página 81)

A propósito de pintura

“A admiração, estúpido sentimento do homem branco, que bloqueia, que mineraliza, que mata. O homem índio nada cria com vista à admiração. Nada brande, nada proclama. A solenidade fá-lo rir, parece-lhe a ele pueril.” (página 104)

“Ao pintarem a pele, ao fazerem no corpo obras de arte, atingiram o reino da significação total. Vivem na arte, são confundidos com a pintura. A arte e a magia por fim vivas.” (página 110)

O Artista

“ Nada é mais contrário ao Índio que o desejo de afirmação pessoal. Nada a seus olhos é mais fútil que a assinatura de um nome.” (página 90)


Uma fonte inesgotável de reflexão. Uma obra prima. Um livro para ler e reler.

A Estrela-do-mar e a Aranha



A estrela-do-mar é fluida, descentralizada, renasce, qual Fénix, continuamente das suas próprias cinzas, a aranha é cerebral, centralizada e hierárquica. Dois seres de características muito diferentes, cada qual com o seu habitat natural. Mas que por vezes se vêm face a face. Será esta cidade pequena demais para estes dois?

Os Apaches organizam-se em pequenos círculos descentralizados, sem comando e sem controlo, o exercito espanhol é experiente, forte e disciplinado, mas quem é que ganhou o confronto?

E se cruzarmos uma aranha com uma estrela-do-mar o que é que acontece?

A resposta parece ser a do comum bom senso: no meio é que está a virtude. Mas o problema é que o meio, não é igual para todas as organizações e está em constante movimento.

Um livro sobre organização. Um tema que muito me interessa.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Livros intermitentes

Os livros começados em 2008 estão a acabar, mas ainda prossigo a leitura de uns quantos.
A leitura de certos livros arrasta-se, espraia-se por meses sem fim. E a razão dessa lentidão nem sempre é evidente. Alguns por culpa própria, porque a sua escrita é pesada e densa, outros porque perdem oportunidade ou mesmo o interesse. São livros de que não desistimos mas que, simultaneamente, não nos impelem a lê-los de uma assentada. Parecem exigir a intermitência de um sistema de pousio regular, para que deles se possa extrair o que têm de melhor.

Estou a ler, lentamente, aos solavancos, o livro “Rising´44 – The batle for Warsaw” do historiador Norman Davies desde Agosto do ano passado. É o campeão de longevidade.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Portuguesa e outras novelas

Robert Musil é simultaneamente considerado um dos maiores e mais originais escritores do século XX e um autor de textos “ilegíveis”.

Os três contos reunidos neste livro, escritas antes da sua obra principal “Um homem sem Qualidades”, são também a um tempo bizarras e de difícil leitura.

No conto “A portuguesa” uma mulher reconcilia-se com o seu marido, que suspeita de adultério, quando morre um pequeno gato que ambos acreditam secretamente ser uma encarnação de Deus. Esta ideia de Deus regressar à terra na pele de um animal, surge como estranha na nossa cultura judaico-cristã, mas era natural nas religiões mais antigas (por exemplo na egípcia).

Musil tenta descrever estados de alma, incluindo os do desejo feminino e ao fazê-lo abre novos horizontes à literatura. No entanto, as suas divagações neste âmbito ficam muito longe do alvo, não conseguindo o autor penetrar verdadeiramente na alma humana.

Uma boa análise dos contos reunidos neste volume, escrita pelo Prémio Nobel da Literatura J.M. Coetzee, pode ser lida no seguinte endereço:
http://www.xs4all.nl/~jikje/Essay/coetzee.html

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Breve História do Futuro


Jacques Atalli pretendeu com esta obra erguer-se ao nível de Karl Marx. Ele próprio o diz textualmente “ Marx detectara os futuros actores da História antes ainda de estes existirem. Essa é a tarefa que se nos coloca nos nossos dias” (pag 245). Mas claramente não está à altura da tarefa a que se propõe. Mas esse propósito ajuda a compreender o livro, a sua estrutura e as sua mecânica.

Marx estudou a História e elaborou uma nova metodologia de abordagem histórica, assente no materialismo dialéctico. Marx sugeriu uma periodificação baseada nos sucessivos modelos de relações de classes sociais (feudalismo, capitalismo, etc.).

Atalli tem também uma periodificação histórica, mas detém-se com maior detalhe no período actual que denomina de Ordem Mercantil.

Apresentada a sua perspectiva da História, Atalli entra na antecipação da evolução da Ordem Mercantil, e finalmente aponta como será superada por uma nova sociedade.

A sua antecipação do futuro é uma simples caricatura em tons mais carregados das misérias do presente. O caos mundial, a desagregação dos Estados, o triunfo do liberalismo selvagem, do egoísmo, a ainda maior assimetria social. Cai o hiperimpério e sucedem-se os conflitos, entra-se no tempo do Hiperconflito.

A técnica é simples: acrescentar o prefixo hiper a todos os defeitos do presente. Existem conflitos? O Futuro será a época do Hiperconflito. Existe hoje uma malsã vigilância do Estado sobre os cidadãos? O Futuro será a era da hipervigilância. No fundo, apenas e truques linguisticos sem conteúdo tanto ao gosto da intelectualidade francesa.

Mas o mais interessante é a forma como Atalli vê o cenário alternativo, em que o Bem vence. A redenção chega pela mão dos transumanos, que se servirão de empresas relacionais para salvar o Mundo!! Estes seres implementaram então por todo o globo uma nova ordem, a hiperdemocracia!!.

E quem são estes seres que nos vão salvar? Atalli exemplifica: “Entre os transumanos dos nossos dias poderíamos citar tanto Melinda Gates ...”. A mulher do homem mais rico da terra é o exemplo dos líderes de amanhã, dos seres trasumanos que implementarão a hiperdemocracia. A uma democracia destas chama-se plutocracia.

Inacreditável. Claramente já não estamos numa análise social ou histórica, ou numa tentativa séria previsão. Quão longe do rigor da análise de Marx.

Attali retira então conclusões para o seu país, e propõe receitas práticas a implementar de imediato pelo Presidente francês: “ ... durante os cinco anos do seu mandato, reduza as despesas do Estado em pelo menos 10% por ano, e que aumente os impostos pelo menos 5% por ano.” E como o fazer? Através do “combate ao despesismo nas administrações militares, fiscais e sociais, redução substancial dos subsídios atribuídos à agricultura e a industrias...”. Tanta coisa para propor a típica receita neo-liberal de redução do Estado.

No último capitulo Atalli escreve sobre Portugal. A última frase é profética “O país terá de dar sequência a este esforço, melhorando a qualidade do ensino superior e desenvolvendo a formação profissional, se quiser obter taxas de crescimento anual superiores a 2% depois de 2008”. O Banco de Portugal acaba de publicar as previsões de crescimento para 2009. Teremos um decréscimo de 0,8%!

Ainda a tinta deste livro, publicado em França em 2006, não tinha secado e o futuro segue já outro rumo. Uma enorme crise económica abate-se sobre o mundo pondo em causa o liberalismo selvagem e levando os Estados a intervir de forma massiva, pondo de lado os dogmas de abstenção das últimas décadas. A solução preconizada por Atalli para a França foi já deitada ao caixote do lixo por Sarkozy e pelos planos de aumentar a despesa, o investimento e a dívida pública para salvar a economia francesa. Quem não consegue antecipar a um ano de vista como poderá tentar vender os seus dotes de previsão a longo prazo?

Este livro é uma desilusão.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A Lógica oculta da Vida

Um livro de um economista / jornalista de uma das mais interessantes escolas de pensamento económico e social, a da Escolha Racional (Rational Choice) que tem dado ao mundo economistas como Gary Becker (Prémio Nobel da Economia em 1992). Apesar de ter sido já alvo de ataques demolidores, que demonstraram que os seus fundamentos estão errados, a escola da escolha racional continua activa, produzindo análises intelectualmente estimulantes (mas muitas vezes distantes da realidade).

Este livro sumariza e populariza, recorrendo a um estilo leve e jornalístico, um conjunto variado de trabalhos de economistas, sociólogos e politólogos afectos à escola da Escolha Racional.

Particularmente interessante é a análise do “racismo racional” que poderia, usando método similar, ser estudado em Portugal relativamente às comunidades afro-portuguesa e cigana. Sem dúvida que também permitem uma melhor compreensão da realidade as investigações sobre os comportamentos de risco das prostitutas. Este são estudos empíricos que foram efectuados para explicitar comportamentos errados e delinear estratégias para os eliminar ou reduzir.

Delirantes, por outro lado, são os textos a justificar os ordenados astronómicos dos administradores de empresas americanos e europeus. A presente crise mostra que este argumento está completamente desfasado da realidade.

Uma nota curiosa. Quem diria que o divorcio sem culpa, recentemente aprovado pelo nosso Parlamento perante uma forte oposição do Presidente da República e das vozes mais conservadoras, foi introduzido nos EUA no final dos anos 60 (entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1970) na Califórnia quando Ronald Reagan era o Governador desse estado?

sábado, 3 de janeiro de 2009

Duas vidas valem mais que uma?



Paradoxos e interrogações que levantam importantes questões éticas, morais, filosóficas e lógicas. Não fornece respostas mas pistas para reflexão. Não oferece o peixe, antes nos leva a pescar.

Adicionalmente para cada capítulo o autor propõe uma lista de leituras complementares, que podem ajudar o leitor que queira aprofundar os temas em discussão.

A tradução de Maria A. Campos deixa muito a desejar. Um exemplo da má qualidade: no livro Riga é referida repetidamente como sendo a capital da Látvia!! Será possível que Maria A. Campos não conheça a palavra Letónia?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Senhor Breton


Um pequeno texto denso mas leve e inteligível. Adopta o formato de uma falsa entrevista para enunciar um conjunto de teses controversas sobre a natureza, o conteúdo e a forma da Poesia e da Arte tendo como pano de fundo, sempre presente, as ideias base do surrealismo e do autor do seu celebrado manifesto.

Poderia ser um trabalho escolar de reflexão sobre a corrente literária de Breton, Philippe Soupault, Louis Aragon, Paul Éluard e tantos outros.

Uma virtude deste livrinho: fez-me reler o Manifesto do Surrealismo de 1924 escrito por André Breton.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Homem de Washington


A banda desenhada, ao contrário de outras artes, promove, por imperativos comerciais, o mais perverso dos assassinatos dos seus mestres, a destruição da sua obra às mãos de continuadores.

Morto Morris, o seu magnifico criador, Lucky Luke continua, agora no traço e no argumento de Achdé e Gerra. O resultado só poderia ser desolador. O personagem está lá mas o fulgor e a frescura de outrora foram-se e com eles o prazer da leitura desta colecção.

Longe estamos das grandes aventuras criadas pela dupla Morris e René Goscinny.
Livro de Natal

Livros de Natal

Livros de Natal são livros recebidos de presente. A sua leitura resulta tanto do acaso, da moda que influência quem compra, dos gostos de quem oferece, como da decisão consciente de iniciar primeiro e de prosseguir depois a sua leitura.

Por hábito adquirido há muitos anos leio sempre algumas páginas de todos os livros que me chegam às mãos. É uma oportunidade que me ofereço. De descobrir algo surpreendente, de deixar que o livro me seduza e de me convença a lê-lo. Uns revelam-se arrebatadores e impõem-se, outros revelando-se enfadonhos nunca serão lidos, um terceiro grupo, mais numeroso, integra os preteridos pelas leituras já começadas e serão deixados para um mais tarde incerto.

Mas indubitavelmente os livros de Natal não foram pessoalmente eleitos, escolhidos, seleccionados. Daí que constituam uma categoria à parte que assinalarei sempre que for o caso.