Nação Crioula de José Eduardo Agualusa
O tráfego de escravos de Angola para o Brasil
na segunda metade do século XIX é o tema central deste livro do escritor lusófono José Eduardo Agualusa.
Curioso o facto de no Brasil a maioria das
revoltas de escravos ter sido conduzida por “antigos guerreiros nagô, maometanos”. Estranho, e perigosamente racista,
o papel que José Eduardo Agualusa atribui a alguns cativos “Os mulatos e os pretos crioulos – disse-me
ele, traíram-nos sempre”.
Um tempo em que a cor dava, a tantos, um
estatuto ambíguo, como o de Ana Olímpia, num dia escrava, no dia seguinte
casada com o seu anterior dono e, quando viúva, senhora rica, poderosa e
respeitada na sociedade luandense, mas que mesmo assim pôde regressar à
condição de escrava e voltar a obter a liberdade e o estatuto social.
Um enredo simples, linear, mas com múltiplos episódios
assessórios, muitas pequenas histórias que ilustram uma ideia, que esclarecem
uma personalidade ou idiossincrasia, que esclarecem uma situação ou
acontecimento, que revelam o caracter de um lugar ou de uma sociedade. É nestas
pequenas anedotas, contadas com talento, que se encontra a alma e o sumo desta coletânea
de cartas dispersas por três destinatários.
As comidas, “peixe seco, assado na brasa, funge de farinha de bombó, pão e
aguardente”, as paisagens “o sol não
mergulha no mar – a água escurece, torna-se quase negra, a noite parece emergir
do chão”, as línguas, “belo e sonoro
idioma dos congos (cujas palavras parecem ser compostas inteiramente de vogais)
”, as crenças “um manipanso, um
boneco esculpido em madeira vermelha, e servia-se dele sempre que pretendia
tomar qualquer decisão”, os costumes “celebrar
o seu comba-ri-toquê, cerimónia durante a qual os vivos festejam o defunto,
bebendo e comendo em sua honra” são claramente angolanas, uma marca forte
desta obra de Agualusa, ele próprio nascido no Huambo em Angola.
Carlos Fradique Mendes foi uma personagem
literário criado a muitas mãos por Antero de Quental, Manuel Arriaga, Guerra
Junqueiro, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e outros. Agualusa junta-se agora a
esta plêiade de autores que inventaram Fradique, que compuseram os versos e lhe
escreveram as cartas, numa delirante criação coletiva.
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