sábado, 7 de janeiro de 2017

Nação Crioula



Nação Crioula de José Eduardo Agualusa

O tráfego de escravos de Angola para o Brasil na segunda metade do século XIX é o tema central deste livro do escritor lusófono José Eduardo Agualusa.

Curioso o facto de no Brasil a maioria das revoltas de escravos ter sido conduzida por “antigos guerreiros nagô, maometanos”. Estranho, e perigosamente racista, o papel que José Eduardo Agualusa atribui a alguns cativos “Os mulatos e os pretos crioulos – disse-me ele, traíram-nos sempre”.

Um tempo em que a cor dava, a tantos, um estatuto ambíguo, como o de Ana Olímpia, num dia escrava, no dia seguinte casada com o seu anterior dono e, quando viúva, senhora rica, poderosa e respeitada na sociedade luandense, mas que mesmo assim pôde regressar à condição de escrava e voltar a obter a liberdade e o estatuto social.

Um enredo simples, linear, mas com múltiplos episódios assessórios, muitas pequenas histórias que ilustram uma ideia, que esclarecem uma personalidade ou idiossincrasia, que esclarecem uma situação ou acontecimento, que revelam o caracter de um lugar ou de uma sociedade. É nestas pequenas anedotas, contadas com talento, que se encontra a alma e o sumo desta coletânea de cartas dispersas por três destinatários.

As comidas, “peixe seco, assado na brasa, funge de farinha de bombó, pão e aguardente”, as paisagens “o sol não mergulha no mar – a água escurece, torna-se quase negra, a noite parece emergir do chão”, as línguas, “belo e sonoro idioma dos congos (cujas palavras parecem ser compostas inteiramente de vogais) ”, as crenças “um manipanso, um boneco esculpido em madeira vermelha, e servia-se dele sempre que pretendia tomar qualquer decisão”, os costumes “celebrar o seu comba-ri-toquê, cerimónia durante a qual os vivos festejam o defunto, bebendo e comendo em sua honra” são claramente angolanas, uma marca forte desta obra de Agualusa, ele próprio nascido no Huambo em Angola.

Carlos Fradique Mendes foi uma personagem literário criado a muitas mãos por Antero de Quental, Manuel Arriaga, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e outros. Agualusa junta-se agora a esta plêiade de autores que inventaram Fradique, que compuseram os versos e lhe escreveram as cartas, numa delirante criação coletiva.

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