sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Admirável Mundo Novo

Admirável Mundo Novo por Aldous Huxley

Uma utopia, distopia, uma sociedade bem organizada, hierarquizada, ordeira, pacífica, feliz em que os medos ancestrais do homem foram eliminados, em que as pulsões sexuais podem ser realizadas, onde o tempo é preenchido, a juventude assegurada por longas décadas, as doenças praticamente desaparecidas, o desemprego inexistente e onde cada um tem um papel que o preenche e lhe assenta perfeitamente. Pode ser o paraíso imaginado por tantos.

E, no entanto … A que preço, a que custo se pode tudo isto obter? O selvagem e o líder encarnam duas visões distintas da essência humana, valorizando aspetos diferentes da vida e do destino da humanidade.

A consciência humana como fonte de infelicidade deve ou não ser manipulada, condicionada, a bem da felicidade e da estabilidade social ou deve permanecer selvagem com todo o cortejo de infelicidade que gera a nível pessoal e social.

Escrito em 1932 tem-se mostrado a distopia de controlo social mais próxima da realidade e a que mais próxima de ser realizar completamente está. A reprodução assexual e a manipulação genética são já possibilidades reais, o condicionamento pela repetição, pela mentira, pelo entretenimento agradável, pelas drogas recreativas, pela censura, pela infantilização, já, em larga extensão, uma realidade.

O admirável mundo novo está a emergir entre nós como a nova forma de controlo social das elites governantes que hoje não precisam de recorrer à força bruta das ditaduras de outrora.

Um livro chave para a compreensão do rumo das sociedades ocidentais contemporâneas. Utopia? Distopia? Pura antecipação?

domingo, 26 de janeiro de 2020

Cidades Invisíveis

Cidades Invisíveis por Italo Calvino

Uma reflexão a um tempo imaginativa e profunda sobre as cidades, a sua configuração física, social e cultural, o seu papel da vida dos seres humanos, as múltiplas cidades escondidas dentro de cada uma delas, a simultânea sucessão e justaposição de vidas no interior das urbes.

Com uma fantasia por vezes delirante, num tom de narrativa de viagem, Marco Polo relatando as suas viagens ao sultão otomano, o texto é servido por uma escrita fluída e bela, refinada e subtil, que nos descreve com pormenor os odores dos mercados e dos esgotos, as paisagens arquitetónicas palacianas e plebeias, as sons do ventos e objetos, as vozes de poderosos e simples pastores, os sabores e as texturas dos produtos e dos panos. Um rendilhado requintado que forma a grande metáfora da cidade.

Os temas sucedem-se com rapidez, a memória (“É desta onda que reflui das recordações que a cidade se embebe como uma esponja e se dilata. Uma descrição de Zaira tal como é hoje deveria conter todo o passado de zaira”), o tempo (“se sucedem cidades diferentes sobre o mesmo chão e sob o mesmo nome, nascem e morrem se se terem conhecido”), a comunicação (“os sinais formam uma língua, mas não a que julgas conhecer”), a verdade (“a mentira não está no discurso, está nas coisas”), a armadilha das narrativas (“aprisiona as palavras obriga-nos a redizer em vez de dizer”) e tantos outros.

O leitor fica com uma multidão de assuntos nos quais refletir, pensar e cogitar, fica com matéria para as suas divagações e devaneios filosóficos.

Ângulos diferentes produzem perceções diferentes da cidade (“todas as cidades recebem a sua forma do desertos que se opõem; é assim que o condutor de camelos e o marinheiro veem Despina, cidade fronteira entre dois desertos”), Italo Calvino procura revirar as cidades para as poder observar de todos os lados possíveis, encontrando sempre o novo, o diferente, o intelectualmente deslumbrante.

Uma pequena obra-prima da Literatura mundial.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Love in Vain

Love in Vain de Mezzo e J.M. Depont

Depois da banda desenhada ter irrompido como uma forma artística nos anos 70 do século passado, nas últimas décadas este género, considerado por muitos como menor, tem vindo a reinventar-se na novela gráfica, uma forma híbrida que combina a qualidade gráfica herdada da banda desenhada clássica com a estrutura e a qualidade da grande Literatura.

Love in Vain, cujo título é inspirado no nome de uma canção, conta-nos a história atribulada, sofrida e de Robert Jonhson um talentoso cantor de negro norte-americano de blues que viveu nas primeira décadas do século XX.

Nascido no sul profundo, no Mississipi racista, Robert cresce num mundo repleto de violência, pobreza, miséria e sofrimento. A sua saga partilhada com milhões de outros negros igualmente presos a plantações de algodão, a patrões violentos, submetidos a leis iniquas.

Viúvo aos 19 anos, preso apenas por ser negro, vítima da violência policial, a sua existência foi uma sucessão dificuldades. Uma vida de tombos, de voltas e reviravoltas, sem eira nem beira em que no meio do caos Johnson procura firmar uma carreira como compositor, musico e cantor. Morreu aos 27 anos. Nasceu uma lenda.
   
Os desenhos de Mezzo, a preto e branco, são comoventes e belos criando uma atmosfera dura, triste e realista. Os textos de Jean Michel Dupont dão voz a uma história verdadeira mas romanceada. Uma dupla francesa com raízes profundas na tradição belga.

Love in Vain composta por Robert Jonhson acabou muito mais tarde por se tornar um existo dos Rollings Stones. 

Imprescindível.