segunda-feira, 25 de março de 2013

O Instinto Supremo


O Instinto Supremo por Ferreira de Castro

No mais profundo da brenha amazónica um punhado de homens, dispostos a morrer mas não a matar, procura estabelecer relações de amizade com a tribo dos parintintins.

 Recebidos com animosidade e com ataques tão ingénuos, os atacantes batem repetida e violentamente com os pés no chão para assustar, como ineficazes, conseguem através da troca de pequenos brindes, machados, missangas, espelhos, harmónicas, por adornos de penas produzidos pelos índios conseguem estabelecer uma base de entendimento e de amizade.

À medida que a ação se desenrola descobrimos a história de vários personagens como o médico que a mulher enganou mas que teve a coragem se seguir pacificamente com a sua vida, voltando a casar, numa sociedade que exigia vingança sangrenta, Jarbas o operário sindicalista perseguido que com os seus argumentos de bom senso vai conquistando os companheiros para o seu ideal, Curt o alemão, naturalizado brasileiro, que adoptou um nome índio e que ardendo de febre se mantém firme no comando do grupo, o Manga Verde e a sua fabulosa queda no abismo depois de ter cobiçado a mulher do patrão, e muitos outros.



quinta-feira, 21 de março de 2013

À espera no centeio

À espera no Centeio de J.D. Salinger

O relato feito na primeira pessoa da experiência de um adolescente de 16 anos no fim de semana prolongado que antecede o seu regresso a casa após ter sido expulso de um colégio interno. 

Holden é um jovem de sentimentos nobres, revoltado com a hipocrisia, escandalizado pela falta de autenticidade nas relações humanas, atormentado pela morte do irmão mais novo, que procura manter, num mundo de adultos, a pureza da infância. Esta é a história da crise da adolescência, do hiato entre a criança cândida e o adulto equilibrado.

Numa linguagem simples e coloquial, pontuada com muito calão juvenil da época, o livro capta admiravelmente os tormentos, as decepções e as ilusões próprias da mudança de idade.

Sucessivas gerações entraram na vida adulta lendo este livro, que foi e é leitura obrigatória em muitas escolas dos Estados Unidos. Pode parecer pueril e ingénuo a um leitor mais distanciado desta fase da vida.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Os Filhos da Meia-Noite

Os Filhos da Meia-Noite de Salman Rushdie


Este livro é um tesouro.

Cada ser humano é fruto de uma confluência fantástica de acontecimentos acasos, imprevistos e de múltiplas, contraditórias mas inescapáveis influências familiares, culturais, politicas. Cada um de nós carrega à nascença uma pesada e longa herança que nos marca e de que não nos podemos libertar. Face aos acontecimentos externos respondemos com o que apreendemos dos que nos antecederam e nos rodeiam. Presa no acaso e na história a margem de autodeterminação do individuo é mínima se não mesmo inexistente. Somos levados na corrente da vida como simples troncos num rio revolto e inconsciente. Mas podemos apesar de tudo encontrar a serenidade e a felicidade.

A Índia com as suas cores exóticas e cheiros singulares, e Saleem tem um nariz especial e um olfacto apurado, a Índia com as suas múltiplas línguas, com as suas muitas religiões e fervilhando no caldo das ideologias políticas, a Índia com a sua história milenar, com a sua luta pela independência, com a sua partição em três estados, com a sua violência, a sua pobreza, a sua opulência, a Índia com as suas virtude e defeitos é um mosaico perfeito, o palco ideal para ilustrar como tudo nos toca, nos molda, nos constrói.

O livro filia-se no realismo mágico e nos estudos pós-coloniais mas fá-lo de forma arrojada e irreverente criando novas palavras em inglês, misturando no texto muitas expressões de outras línguas e envolvendo o leitor e tornando-o participante na trama fabulosa da vida de Saleem.

quinta-feira, 7 de março de 2013

O Sol Nasce Sempre

O Sol Nasce Sempre por Ernest Hemingway

As festas de San Fermín em Pamplona prolongam-se por uma semana, no ambiente vivo, enérgico e fervilhante das multidões humanas reunidas para uma grande celebração. Um ambiente marcado pela excitação perigosa das largadas de touros, em que se arrisca a vida por um pouco de adrenalina, pela exaltação religiosa nas igrejas católicas apinhadas de gente, pela alegria e coragem induzidas pelo vinho, pelas touradas em que o confronto do homem com a besta, com a morte ganha uma dimensão espiritual cristalizada na afición tauromáquica.

A estrutura temporal, ordeiramente linear, triplica de O Sol Nasce Sempre conta-nos a história de um grupo de amigos antes, durante e depois das festas. Geograficamente a história reparte-se entre a Espanha e a França, a última vista como terra da sofisticação e da cultura, a primeira como espaço de autenticidade e proximidade com a Natureza.

Um estranho grupo de homens gravita em torno de uma aristocrata britânica ninfomaníaca. Temos o seu futuro marido, já cornudo consciente e sofredor procurando manter alguma dignidade impossível, temos Cohen o amante recentemente conquistado e repudiado mas que acalenta ainda a esperança de voltar a cair nas boas graças, temos o herói impotente mas dolorosamente apaixonado, temos Romero o jovem toureiro brilhante e audacioso mas conquistado, usado, surrado e abandonado e temos Bill o espetador atento e inteligente.

Neste emaranhado de relações doentias – que vira completamente do avesso o estereótipo que os homens procuram o sexo e as mulheres o amor – ninguém se salva, exceto Bill que nunca se envolvendo com a mulher fatal, nos dá afinal a grande lição de que é possível viver de forma mais sã sem abdicar dos prazeres da vida.

No seu estilo simples, despojado, coloquial mas não deixando de sondar as profundezas da alma humana Hemingway deixa-nos aqui um dos seus melhores trabalhos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Terna é a noite

Terna é a Noite por F, Scott Fitzgerald

Uma herança lança os Divers, um casal apaixonado, em trajetórias divergentes que os acaba por afastar. Nicole, inicialmente fragilizada e doente, fortalece-se, liberta-se e encontra o seu caminho junto de um homem que um dia por ela se bateu em duelo. Dick, um psiquiatra afamado, pelo contrário entra num plano inclinado, negligenciando o trabalho, afastando os amigos, refugiando-se no álcool, brigando com taxistas, entrando em depressão, sem retorno.


Escrito e publicado em plena Grande Depressão o livro foca-se no drama humano de uma família americana rica que vive na Europa, entre a Riviera francesa e a Suíça. A desgraça de Dick, com todo o sofrimento psicológico profundo que toda a desagregação implica, passa completamente ao lado do muito mais intenso drama social e humano que se vivia então e que desaguou na guerra mundial de 1939-1945.

A imagem que transmite destes anos, de dissipação, festas e viagens está muito longe do quotidiano vivido então pela generalidade das pessoas, mesmo as das classes superiores, num tempo em que emergiram as grandes ditaduras de Hitler, Mussolini, Salazar, em que o desemprego era galopante e a fome e a miséria atingia largas camadas da população. Nada desta realidade próxima chega aos Divers mais preocupados com a próxima festa, nem perpassa pela pena de Fitzgerald ele próprio absorvido então com a doença mental da mulher.

Uma ilustração de como a vida num pequeno círculo de privilegiados pode cegar para o que se passa no mundo e na sociedade e pode, confinando a realidade a uma parcela demasiado estreita, levar à desagregação psicológica das mentes mais promissoras.