sábado, 28 de julho de 2012

They


"They" de Rudyard Kipling



Este livro reúne três contos de Rudyard Kipling, “They”, “Mary Postgate” e “The Gardener”, todos envoltos numa densa névoa que não nos permite ver com clareza os contornos de personagens e paisagens, mas que nos envolve e emociona.

Em “They” num recanto campestre isolado, mora uma cega, que sente as cores e através delas os sentimentos e humores dos seus interlocutores, rodeada por misteriosas, risonhas mas fugidias crianças fantasmagóricas.

Mary Postgate, dama de companhia, vive a primeira guerra mundial na primeira pessoa, a morte de entes queridos e o drama da desumanização do inimigo que torna mais fácil matá-lo.

Finalmente em “The Gardner” com a primeira guerra de novo em fundo, conflito em que o próprio Kipling perdeu um filho cujo corpo nunca foi recuperado, num cemitério em França uma mulher é levada a uma campa pelo próprio jardineiro – numa alusão à passagem do evangelho segundo São João em que Maria Madalena confunde Jesus ressuscitado com o jardineiro do cemitério. A frase “supposing that he was the gardener” usada por Kipling é ipsis verbis a das escrituras.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Rashómon e outras histórias


Rashómon e outras histórias de Ryúnosuke Akutagawa


Akutagawa é, muito justamente, considerado um dos maiores escritores japoneses. Morto prematuramente aos 35 anos deixou uma obra literária de grande qualidade e beleza.

Contos, organizadamente espraiados pelos vários períodos da história nipónica, que encerram uma subtil lição moral. Em “O Nariz” o herói de pois de conseguir reduzir a seu descomunal penca a um tamanho normal, acaba por concluir que tem de regressar ao seu Eu original se quer manter a sua felicidade, a sua integridade e o respeito dos outros.

Admirável também o conto da “Cabeça cortada”, sobre o soldado chinês a quem cortaram a cabeça no campo de batalha e que promete a si próprio, se sobreviver, dedicar a sua vida ao Bem.

No último conto, Akutagawa, descreve com serena e lúcida objectividade a lenta degradação da sua própria sanidade mental. A angústia, o medo, a insónia e o sofrimento que invadem, sem razão aparente, o seu espírito e o haveriam de levar ao suicídio que antecipa como única solução, são o tema central neste conto.

Apesar de o texto, Engrenagens em Movimento, ser transparentemente autobiográfico e de ser escrito na primeira pessoa, o narrador consegue manter sempre uma admirável distanciação que lhe permite ver que a angústia e o medo que a realidade, sistematicamente interpretada como mau presságio, lhe infunde são doentias e sem fundamento. Mas essa compreensão intelectual, essa consciência, não é suficiente para eliminar o sofrimento, antes mais uma fonte de dor.

Uma obra-prima da literatura mundial. Pena que fossem precisos mais de 100 anos para que o leitor português a possa ler. È caso para dizer “mais vale tarde que nunca”.

Nota final: as inúmeras notas que esclarecem e enquadram aspectos históricos ou culturais japoneses e que são úteis na leitura dos contos poderiam, com vantagem, ter sido colocadas em rodapé.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ficas a dever-me uma noite de arromba


Ficas a dever-me uma noite de arromba de António Cabrita


Um conjunto de pequenos contos que têm como ponto de encontro a terra e as gentes de Moçambique, vistas e sentidas pelo olhar branco de um português.

A escrita de António Cabrita flui fácil, mas seca e sem sal.Pior é que a espaços encontramos erros de geometria (“cinco metros por dez, mais ou menos o diânetro”) e de lógica (“havia uma figura sentada”), que pressentimos terem mais a ver com a ignorância do que com a literatura.

Em todos os contos uma característica comum: um final falho de imaginação,  uma conclusão que desilude, um clímax  pífio.


Para sermos justos diremos que António Cabrita nos prende, com alguma mestria, pelo insólito, pela estranheza, a uma história a que não sabe, ainda, dar um final literariamente feliz. Quando a aduela central,a chave, de uma abobada se solta, cai com ela toda a construção. Assim é, também, com o desfecho de um conto.

domingo, 8 de julho de 2012

As Origens da Ordem Política

As Origens da Ordem Política de Francis Fukuyama

Uma obra de grande fôlego. Uma história do processo político desde a primitiva organização tribal até ao atual Estado moderno.

Na China apesar da precocidade do Estado centralizado, poderoso e impessoal a prevalência do Direito nunca se efetuou. Nalguns países da Europa a “excessiva” democracia entre os nobres impediu centralização do poder. Noutros o Estado em vez de uma burocracia impessoal, baseada na meritocracia, tornou-se um feudo de famílias poderosas, com o Rei a vender os cargos públicos e a torna-los hereditários. Na India a predominância religiosa travou a centralização do poder e enfraqueceu excessivamente o Estado.

Apenas na Inglaterra e na Dinamarca e depois nos EUA a evolução foi favorável à emergência de Estados impessoais fortes, respeitadores do Direito e assentes em princípios democráticos, assentes em sociedades civis robustas.

Só esta absurda conclusão, que só os EUA são verdadeiramente democráticos, põe em causa todo um esforço hercúleo de análise histórica. Como pode alguém acreditar seriamente que apenas um país (no máximo 3, um dos quais pequeno) em todo o mundo, tem o passado que lhe permite ser democrático, enquanto todos os outros têm estigmas na sua história que os torna total ou parcialmente impróprios para a democracia.

Curiosa a ideia que a Igreja Católica teria destruído a família durante a Idade Média ao advogar que as mulheres pudessem herdar o património dos maridos (principio defendido pela Igreja com o fito de vir a receber esse património por herança após a morte da mulher). Assim fazendo a Igreja eliminou uma série de laços familiares e enfraqueceu a família alargada, reduzindo-a ao núcleo base (casal e filhos). Noutros países a família mais alargada (incluindo tios e primos) manteve-se, fortalecendo bases para um familismo antagónico do individualismo.

Um conflito perspassa toda a obra, por um lado Fukuyama não pode deixar de reconhecer que a estrutura social impele numa dada direcção, isto é que o futuro está dependente do passado, do caminho seguido até ao presente (path dependent), e por outro quer atribuir a maior latitude de acção aos agentes como se fossem completamente livres para moldar o futuro (não estamos presos da história). Não superando este conflito a obra de Fukuyama torna-se, por vezes, contraditória ora creditando à história os meritos de um dado desenvolvimento ora responsabilizando os agentes pelos acontecimentos.