terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Dez mil guitarras


Dez mil guitarras por Catherine Clément

Catherine Clément, nascida em 1939, é uma conhecida romancista e filosofa francesa que se tem interessado pela história do nosso país sobre o qual escreveu em diversos momentos.

Dez mil guitarras foi publicado em França em 2010 e obteve críticas dúbias que não impediram que lhe fosse atribuído o Prix Historia para romances históricos desse ano.

Ao longo do livro seguimos histórias paralelas todas ligadas direta ou indiretamente ao rinoceronte que os portugueses trouxeram da Índia e que pertenceu sucessivamente a Dom Sebastião, a Filipe II, a Rodolfo II de Habsburgo e à ilustrada e extraordinária Rainha Cristina da Suécia antes de se estabelecer definitivamente num museu austríaco.

Sobre Dom Sebastião avança com ideias delirantes e inverosímeis como a da sua sobrevivência à batalha de Alcácer Quibir e a da sua permanência em Marrocos casado com a filha do sultão deposto Abu Abdallah Mohammed II.

A obra tem o condão de nos relembrar do erro estratégico de Dom Sebastião ao pretender intervir numa crise dinástica marroquina, colocando-se ao lado de Abu Abdallah Mohammed II contra o tio deste o famoso Abd al-Malik que se tinha apoderado do trono. Longe das fantasias de que Dom Sebastião pretendia conquistar Marrocos a verdade histórica é que apenas pretendia ajudar Mohammed II a reconquistar o trono.

Um livro bem escrito que peca, contudo, pelo delírio do destino de Dom Sebastião que preenche o relato e o torna difícil de perceber. Um Rei português, orgulhoso, católico fervoroso, dirigente de um dos países mais avançados da época, transformado num simples curandeiro de beira de estrada é tão improvável e de certa forma humilhante que se torna penoso ler essas passagens.

Perpassa na obra um certo racismo antiportuguês tão característico de uma certa elite intelectual francesa.

Estranho que o livro tenha em Portugal passado sem grandes polémicas.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Origin


Origin de Dan Brown

Qual a origem da vida? De onde vimos e para onde vamos? Estas perguntas de índole filosófica são campo de confrontação entre a religião e a ciência. A primeira dá uma resposta simples, direta e categoria: Deus, dele vimos e para ele regressaremos. A segunda tem vindo, passo a passo, a construir uma resposta mais complexa e elaborada assente nos factos observáveis. Teorias como a do Big Bang e à da evolução permitem uma melhor compreensão da realidade.

Que forças poderão ser desencadeadas no dia em que a ciência chegar uma conclusão definitiva? Como reagirão os líderes religiosos ao descobrirem de repente que o chão lhes foge debaixo dos pés? Como reagirá o ser humano comum? O fim da esperança no além ou a alegria de um destino anunciado?

Neste livro de Dan Brown, o Professor Robert Langdon, o personagem de muitos dos êxitos deste ficcionista estado-unidense, vê-se envolvido na procura de uma misteriosa password de acesso a informação de crucial importância para a Humanidade.

A tecnologia informática, os supercomputadores, a Inteligência Artificial, a religião, a ciência, a Arte são os ingredientes centrais desta nova aventura do Professor Langdon que se desenrola em Espanha e que envolve a família real. Bilbau, Madrid, Barcelona com os seus museus, a sua monumentalidade, jogam um papel central em toda a trama.

Prende o leitor da primeira à última página, fornece informação relevante no campo da Arte e da ciência, mas tem um travo de inverosimilhança no que diz respeito ao papel do rei na sociedade espanhola e na resposta policial a um atentado num país com toda a experiência advinda da repressão à rebelião armada basca.

Um género que alguns consideram erradamente exterior à Literatura dita erudita ou séria, mas cujo valor é indiscutível e que exibe uma reflexão aprofundada sobre muitos temas complexos e ambivalentes da atualidade.

Dan Brown o consagrado escritor norte-americano, autor de best sellers como O Código Da Vinci, Anjos e Demónios, Inferno e O Símbolo Perdido, regressa com este livro que será certamente um grande sucesso comercial no mundo inteiro incluindo, naturalmente, em Portugal.


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A ponte sobre o Drina


A ponte sobre o Drina de Ivo Andrić

Encravada entre o rio Drina e o seu afluente Rzav fica a pequena cidade bósnia de Višegrad. Na sua entrada mandou em 1577 o grão-vizir otomano de origem sérvia Mehmed Paxá Sokolović (1506-1579) construir uma formidável ponte em alvenaria cuja secular história nos narra de forma vivida e serena Ivo Andrić.

A ponte, com o seu miradouro central, rapidamente se tornou um ponto de encontro da população de Višegrad. Aí se juntaram pacificamente ao longo dos séculos cristão ortodoxos e muçulmanos, as duas comunidades grandes comunidades locais, acompanhados por alguns judeus sefarditas de língua espanhola que viviam na cidade para fumar, beber, conversar ou simplesmente admirar a paisagem envolvente.

No tabuleiro da ponte se combinaram casamentos, se celebraram batizados, se discutiu política, se divertiram os jovens, se passearam homens, se transacionaram produtos agrícolas e marcharam soldados. A ponte, a cidade, os Homens formaram um conjunto inseparável que resistiu à passagem do tempo, às mudanças políticas, com a cidade a passar sucessivamente do Império Otomano para o domínio do Império Austro-húngaro e depois para a Sérvia.

Se os austríacos com a retirada turca ocuparam pacificamente a Bósnia não deixaram de ser vistos como uma força invasora e estranha de religião, católica, diferente da professada pelos habitantes locais.

Foi já no decurso da I Grande Guerra, na frente que opunha a Sérvia ao Império austríaco que estes últimos derrubaram os pilares centrais da ponte para impedir o avanço dos seus inimigos. A grande ponte de pedra que resistira centenas de anos acabou derrubada pela guerra.

Aí acaba a saga de gerações de habitantes desta pequena cidade agrícola contada por Ivo Andrić neste livro.

Naturalmente que depois da II Guerra com a subida ao poder da Liga dos Comunistas Jugoslavos encabeçados pelo croata Tito a ponte foi reconstruída, sendo classificada como património da humanidade.

Ivo Andrić serviu o seu país como membro da Assembleia Nacional da Jugoslávia e como Presidente da União dos Escritores jugoslavos. Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1961. Morreu em 1975. A ponte sobre o Drina é, muito justamente, considerada a sua obra-prima.

Apesar dos seus pais serem ambos croatas a sua obra foi proibida na Croácia sob o regime pró europeu que se seguiu ao desmembramento da Jugoslávia e é considerada como legado literário maior na Sérvia.