quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Djidiu – A Herança do Ouvido


Djidiu – A Herança do Ouvido

Uma colectânea de poetas em que se escreve sobre temas de grande importância como a identidade, o racismo, a consciência negra, os padrões de beleza, a educação, a família, o amor, a apropriação cultural e tantos outros.

Resultante de um projeto artístico que se desenvolveu ao longo do ano de 2016 e que reuniu mensalmente para declamação e partilha os poetas envolvidos no coletivo Djidiu – “palavra de origem mandinga” que designa “um contador de histórias, um recipiente e um difusor da memória coletiva”.

Aqui despontam poetas de grande sensibilidade e qualidade formal fortemente empenhados num movimento artístico moderno, de matriz urbana, de assunção, defesa e orgulho na consciência negra e de reaproximação com África.

Poemas como Minha Pele de Carlos Graça ou Amigalhaços de Cristina Carlos refletem sobre o que é ser negro numa sociedade estruturalmente racista como a portuguesa – “Ri bem alto como só vocês sabem fazer. / Ri quando te chamo macaca! / Ri quando te chamo estúpida! / Se queres pertencer, ri!”.

Destaque também para Carla Lima, Danilson Pires, Dário Sambo, autores a seguir com atenção.

Apolo de Carvalho é um dos casos mais sérios deste movimento. As suas poesias quer em português quer em Língua Cabo-verdiana são belos e comoventes hinos à unidade e de esperança numa pujante renascença dos povos africanos. O seu poema Há Quanto Tempo termina com uma certeza “E a nossa amada Mãe Negra erguer-se-á esplendorosa / HOTEP”.

Num tom mais intimista a poesia de luZGomes aborda a questão do corpo “Quero um novembro negro de amor… Quero um novembro negro sem dor …Quero um novembro de calor …”.

Uma das poesias mais comoventes é sem dúvida a de Cristina Carlos “Outra Educação” de que aqui deixo um excerto:
“A quem me posso queixar? 
 Se não sou caso de estudo, não existo! 
 Volto para o recreio a brincar ao que não quero – Não conto!
Não quero ser o macaco Adriano, pai!
Porque não posso ser a princesa, mãe?
Não ligues filha! Estuda! Quando fores doutora ninguém goza contigo!
Fala português filha! Nem os angolanos da banda falam kimbundo.
Professor, ele chamou-me nomes! Porque te cansas Maria?
Pra empregada doméstica não precisas de mais …
Foste tu que escreveste isto?!! – Preto não escreve assim! Prova que não copiaste! Prova que consegues!
Repete! Faz oral! 
Pronto toma menos dois pontos!
E Eu /TU sempre a sorrir! 
Eu /TU sem se queixar porque afinal de contas…  Em Portugal não há e nunca houve racismo.
E o que dizer se aprendi tão bem o “S” do silêncio …”

Carla Fernandes em “Dupla Consciência” fala-nos de uma “consciência mutilada” e da dificuldade de sair desse ciclo de falsa apreensão da história e da identidade.

Grande qualidade e originalidade na poesia de Té Abipiquerest Té. Gostei particularmente de “Carta e um emigrante Pontuado com um Grão de Lágrima”. Um dos melhores desta colectânea.

Este livro corresponde de algum modo à primeira apresentação para um público mais vasto de um movimento cultural nascente que seguramente se consolidará nos próximos tempos e deixará marcas profundas na sociedade portuguesa. Imprescindível.

1 comentário:

  1. Vou gostar de ler este livro. Conheço bons poetas guineenses de outras épocas como J.C. Schwartz. Vou ao lançamento no Museu do Aljube.

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