quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O conto da ilha desconhecida

O Conto da Ilha Desconhecida por José Saramago

Um inglês, John Donne, nascido no século XVI, escreveu uma passagem admirável que o celebrizou. “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Saramago discute neste pequeno conto a dicotomia Nenhum homem é uma ilha isolada / Todos o homem é uma ilha isolada, oscilando entre a necessidade de partir à descoberta da ilha desconhecida que somos (“Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma”) e a impossibilidade de a descobrir que não seja no contato e em interação com os outros (“Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”).

O conto tem várias leituras sobrepostas, funcionando como literatura infantil, como reflexão filosófica sobre a existência e como crítica política sobre a organização do Reino.

A atmosfera onírica que envolve a narrativa, a linguagem simples e direta, o ritmo induzido pela pontuação, unem as várias camadas tectónicas de significado e oferecem-nos tanto em tão poucas palavras.

Uma pequena relíquia.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A Imperfeição do presépio


A Imperfeição do presépio por António Manuel Marques



Uma vida, dura e sofrida, de uma mulher recordada pela própria olhando as fotografias de família que guarda numa caixa de cartão.

A lida rude do campo, a migração para a cidade, o trabalho a dias, a sobrevivência nas barracas sem água nem luz, os filhos que vão nascendo, o marido alcoólico mas trabalhador, as desgraças que lhe batem à porta, tudo é recordado com nostalgia e um certo orgulho dos sobreviventes que com trabalho, sofrimento e persistência suportaram as agruras da existência que lhes coube.

No Portugal da ditadura e do conflito colonial aflige a ausência de revolta, a aceitação da pobreza, o apoio à guerra, a indiferença pelos demais, a dificuldade em juntar esforços com outros iguais por uma ordem melhor. Numa sociedade selvagem a interiorização acrítica do princípio de “cada um por si” pelos mais destituídos e pelos que menos têm a ganhar com ele.

Neste livro não há esperança de um tempo melhor, nem ninguém advoga qualquer mudança. De certa forma, talvez até involuntária, é um livro de cariz católico em que a estoica perseverança na destituição material e espiritual, desde que acompanhada de virtude moral, é louvada e aplaudida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Viagem

A Viagem por Virginia Woolf


Uma jovem de 24 anos, mas totalmente inexperiente, empreende uma dupla e trágica viagem, no decurso da qual descobre que pode ser um ser independente e o vazio do sentido da vida, que nem o amor e o casamento preenchem. Terminada a viagem interior, extingue-se também a exterior.

E essa é, num certo sentido, a mensagem do livro, i.e. que a descoberta do nosso ser e do sentido da nossa vida é a grande viagem que cada um de nós tem de empreender. Nesse exercício interior opaco os outros podem ajudar muito pouco, o que cria fortes problemas de comunicação, insatisfação e mesmo irritação. Na verdade, pelo menos para Rachael, a música parece ser um meio mais expressivo e eloquente do que a língua inglesa.

Os ambientes são finamente desenhados - fantástica a cena da brutalidade crua da chuva tropical desabando telúrica sobre o Hotel enquanto os raios iluminam o céu negro e os trovões assustam os hóspedes. O ser humano perfeitamente indefeso e impotente à mercê de uma Natureza imensa e poderosa que o ignora. Os traços psicológicos e de personalidade dos principais intervenientes analisados com minúcia, subtileza e humor.

A crítica social e política, os direitos da mulher e o seu voto, que na aurora do século XX ainda não estava consagrado em Inglaterra, os direitos da mulher trabalhadora, são discutidos de um ponto de vista machista e conservador que concorre para desacreditar e ridicularizar os argumentos utilizados contra os avanços civilizacionais.

Um poder de observação imenso, dos comportamentos, das intenções, dos cenários e das situações, vertido numa prosa fluente e graciosa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Trás-os-Montes

 Trás-os-Montes por Tiago Patrício


Um conjunto de retratos muito desfocados, sem densidade nem recorte psicológico substantivo, mal colados por uma trama ligeira baseada numa maldade infantil muito anunciada e concretizada com a surpresa de ficar muito aquém do profetizado.

A aldeia transmontana retratada podia ser praticamente em qualquer ponto do Portugal rural, nada a caracterizando, nem mesmo a forma de cruz gamada que parecia apresentar aos olhos de um miúdo vesgo, como situada no nordeste do país a não ser a declaração expressa do autor.

O parágrafo inicial, o melhor conseguido do livro, surge como exterior ao próprio texto, uma enxertia tardia e sem sentido, já que a casa não mais aparece na história, nem tem qualquer interferência no desenrolar dos poucos acontecimentos relatados.

O ter sido galardoado com o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís de 2011 oferecido pelo Estoril-Sol diz mais sobre a pouca qualidade do galardão do que sobre o mérito da obra.

Uma estreia com o pé esquerdo.