quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Marxismo e Comunismo

Marxismo e Comunismo por Domenico Losurdo

Domenico Losurdo (1941-2018), Professor italiano, Reitor da Faculdade de Educação da Universidade de Urbino e militante comunista, considerado um dos grandes teóricos marxistas contemporâneos, escreveu e leu este pequeno texto em Abril de 2018 pouco antes de se declarar a doença que o levaria meses depois em Junho deste ano.

Domenico Losurdo põe o acento tónico da sua análise nas lutas dos povos colonizados e dependentes, descentrando a análise marxista do ocidente e dando-lhe uma visão mais global e humana.

Argumenta que o capitalismo gera continuamente no seu seio uma ideologia racista e divisionista da Humanidade com a constante necessidade de remeter classes e povos para a categoria de sub-humanos cuja vida não tem valor – “Os piores crimes de toda a história do mundo estão comprometidos com as teorias colonialistas e racistas”.

Crítica uma certa esquerda por não o reconhecer “devemos admitir que há uma grave lacuna da cultura de esquerda e até mesmo marxista e comunista, porque falta a consciência do carácter neocolonial das guerras que destruíram o Oriente Médio, destruíram a Jugoslávia, destruíram a Líbia e poderão destruir países como a China…”.

A desumanidade e hipocrisia ocidental vai ao ponto de matar proclamando que o faz para salvar vidas “um filósofo ocidental, genuinamente anticomunista, mas por outro lado um filósofo digno de estima e respeito, Todorov, sobre a guerra da Líbia escreveu «a guerra contra a Líbia – que eclodiu em 2011 –  sob o disfarce de salvar trezentos líbios, que segundo a acusação do Ocidente estavam prestes a ser assassinados por Gaddafi, causou 70 mil mortos» ”.

Em alternativa vê “a teoria de Marx e Engels como uma teoria que é profundamente humanista” cujo grande mérito foi também “o ter descoberto e afirmado a perspetiva da história universal”.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Capítulos Interiores

Capítulos Interiores por Chuang Tse

Um dos livros essenciais da doutrina filosófica / religião Taoísta que nasceu no século IV antes de Cristo, iniciada pelo pensamento de Laozi, também conhecido no ocidente como Lao Tse, e se desenvolveu na China nos séculos seguintes.

O seu foco encontra-se no Tao (Caminho) e na correta e natural integração do individuo no fluxo de mudança da vida, aceitando os acontecimentos à sua volta, alegrando-se com a sua mutação e procurando não se opor às transformações à sua volta – “Estamos na corrente e não podemos voltar para trás”.

Tudo é uno e as diferenças são transitórias – “Alegria e raiva, pena e felicidade, esperança e medo, indecisão e poder, humildade e força de vontade, entusiasmo e indolência, à semelhança da música que provém de uma cana oca ou dos cogumelos que crescem da terra quente e escura, continuamente aparecem diante de nós, dia e noite. Ninguém sabe de onde vêm. Não te preocupes com isso. Deixa-os vir”.

O ser humano apega-se a opiniões e luta por elas, sofrendo e causando dor noutras pessoas e no entanto “Afincamo-nos ao nosso ponto de vista, como se tudo dependesse dele. E, todavia, as nossas opiniões não têm qualquer permanência: semelhantes ao Outono e ao Inverno, gradualmente passam”.

O importante, contudo, é o imutável, o uno, o que permanece – “Não fazer distinção, mas habitar o que é imutável, chama-se clarividência”. Mais á frente reitera “Esquece o tempo, esquece a distinção. Goza o infinito, repousa nele”.

A preocupação com os outros e com o coletivo surge também como central no taoismo – “Se não houver outros, não há eu” e de outra forma “Não têm todos os outros de depender de outros para serem o que são”.

O taoismo assume uma forte disposição pró científica, fugindo de argumentos religiosos, focando a sua atenção no mundo real que analisa desapaixonadamente. O sábio não se envolve em discussões sobre o supranatural, sobre o que escapa à natureza, e abstêm-se de julgamentos sobre o natural procurando antes compreende-lo – “Para além dos seis reinos que são o céu e a terra e as quatro direções, o sábio aceita, mas não discute. Dentro dos seis reinos, ele discute mas não julga”.  

O caminho que preconiza Chuang Tse é o caminho do meio – “Ao fazeres o bem evita a fama. Ao fazeres o mal evita o castigo. Assim, procurando o caminho do maio, poderás preservar o corpo, preencher a vida, cuidar dos parentes e passar os anos”.

Chuang Tse ensina aos governantes um caminho de não intervenção e de liberdade para a sociedade “Permite a todas as coisas seguirem o seu curso. Não tentes ser inteligente. Assim o mundo será governado” reforçando a opinião atribuída a Laozi “Quando um rei sábio governa, a sua influência é sentida em todos os lugares, mas ele não parece fazer nada. O seu trabalho afeta as dez mil coisas, mas o povo não depende dele”.

Um pequeno livro que nos mostra a filosofia que enformou e que continua a influenciar uma parte considerável da Humanidade.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Vida e Morte de João Cabafume


Vida e Morte de João Cabafume por Gabriel Mariano

Uma coletânea de nove contos geograficamente espraiados por um triângulo com vértices em São Vicente, São Nicolau e Lisboa e temporalmente delimitados nas décadas de 40 e 50 do século passado, num tempo em que o colonialismo dominava cruelmente Cabo Verde com o seu cortejo de emigração forçada para as roças de São Tomé e de criminoso abandono das populações à fome e à morte em anos de seca.  

Ti Lobo, é um murro no estômago que nos confronta com o sofrimento e a morte de crianças sem que o Governo intervenha importando e distribuindo comida e evitando o desastre. Começa situando a ação no território da fome e da desgraça –“ Um dia, tinha nessa altura doze anos, João sentiu fome, Os pais, as outras pessoas também sentiram fome. Os pais, as outras pessoas, todo o mundo nas Queimadas sentiu fome. Os homens começaram por vender as mobílias. Depois arrancaram as fechaduras e os batentes das portas e venderam. Aqueles que tinham casas cobertas trocaram as telhas por comida. As terras também foram vendidas”. Uma desgraça que avança lentamente e que, como não combatida, vai começar a levar os socialmente mais frágeis.

O Rapaz Doente ou a Conjura trata com coragem de um tema duro: a doença mais mortífera e transmissível e os medos que gerava. A tuberculose não era tratável em Cabo Verde nesta época e até o Hospital se recusava a receber doentes com medo da contaminação dos restantes pacientes. Note-se contudo que em 1946 com a introdução da Estreptomicina a doença estava controlada na Europa. Naturalmente que o Governo colonialista português não fez chegar a Cabo Verde estes medicamente senão muitos anos depois.

Vida e Morte de João Cabafume rompe com a ideia de fado, destino, de submissão do ser humano a forças mais fortes da natureza ou da natureza da sociedade. João Cabafume não se verga, luta, enfrenta tudo e todos, obstina-se em construir o seu próprio destino. Cabafume rebela-se contra a Igreja – “Gentes, eu gostaria de saber uma coisa: porque é que pobre vai à igreja, reza quando deita e nunca sai da pobreza?”, contra a autoridade do Senhor Administrador, contra as injustiças do patrão.

Caduca é a história de um rocegador que procura pequenos pedaços de carvão para vender. Um homem livre “dono de todos os seus passos”, vivendo na praia junto do mar, mas capaz de uma crítica social mordaz, profunda e verdadeira “Como é que tendo todo o mundo de comer peixe, pescador nunca sai da miséria? E as carregadeiras do cais? Saco não tem pé. Carregadeira é que tem de botar no cachaço e carregar pró armazém. Como é então que carregadeira é tão pobre que nem pode morrer?

A par destes contos com forte cariz social encontramos outros mais íntimos em que a placidez da vida familiar assume lugar central e em que a vida social, com as suas intrincadas modulações, nos é descrita com mestria.

Gabriel Mariano (1928-2002), figura cimeira da geração da Nova Largada, a primeira corrente literária cabo-verdiana a abraçar decididamente a causa da independência, juiz de profissão foi perseguido pela PIDE, afastado da sua pátria, tem uma obra repartida pela poesia, pelo ensaio e a literatura. Escreveu repartidamente em português e em língua cabo-verdiana. Um forte cunho social, uma forte sensibilidade humana, a par com uma qualidade literária ímpar tornam-no uma das maiores referências intelectuais do seu país e um dos grandes contistas e poetas de língua portuguesa.