quinta-feira, 21 de junho de 2018

Crónica do Rei Pasmado


Crónica do Rei Pasmado de Gonzalo Torrente Ballester

Um Rei e uma Rainha que desejam ser felizes, um conde misterioso, um jesuíta corajoso, uma prostituta perspicaz e conhecedora da natureza humana, um inquisidor-mor bondoso, um frade ambicioso, um padre que comunica civilizadamente com o Diabo, uma sociedade supersticiosa e dependente de acontecimentos distantes, são os extraordinários ingredientes desta mordaz crónica de uns escassos dias da vida de Filipe III que foi Rei de Portugal durante 19 anos desde que subiu ao trono em 1621 até à Restauração de 1640.

Um enredo efabulado, um cenário repleto de palácios reais, celas de conventos, carruagens aveludadas, um estio de calor sufocante, confluem para tornar esta crónica, que reflete sobre os limites do público e do privado, sobre as relações entre a Igreja e o poder temporal, sobre a intolerância e a ambição, uma pequena obra-prima repleta de humor e atualidade.

De um outro ponto de vista, mais sociológico, temos neste romance uma ilustração do confronto de dois estilos de poder, raposas e leões como os descrevia Vilfredo Pareto. Os leões que pretendem governar pela força, apoiados nos autos de fé, nas fogueiras e na eliminação física dos adversários e as raposas mais astutas e subtis aqui representadas pelo Inquisidor-mor e pelo Duque de Olivares.

Os personagens portugueses e castelhanos cruzam-se numa corte em que as intrigas palacianas impulsionadas pelas mais comezinhas ambições ou desejos pessoais como assegurar descendência, ou ver a própria esposa nua, revelam um poder prisioneiro da religião, do valido, das regras da Corte.

Mas a verdade é que Filipe III foi um poderoso Rei na sua época, estendendo-se o seu domínio pelas quatro partidas do mundo. Só na Europa foi Rei de Portugal, de Nápoles, dos Países Baixos, da Sicília, da Sardenha, Príncipe das Astúrias, Duque de Milão, Conde da Borgonha, Conde de Charolais e Conde de Artois.

Gonzalo Torrente Ballester (1910–1999) foi um dos grandes escritores espanhóis do século XX, tendo recebido o Prémio Cervantes em 1985. Apesar de galego nunca escreveu na língua da sua região, preferindo usar o castelhano.

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