Assomada Nocturna de N'Zé Di Sant'y Águ
Poema síntese, renovação e desassombrada
inovação e alargamento de poemas anteriores, Assomada Nocturna (2005) surge
actualizada e límpida como invocação dos passados não muitos longínquos da
infância que servem de pretexto (pré texto) para uma introspeção profunda sobre
a alma cabo-verdiana feita ao longo de uma viagem aos lugares onde este nobre
povo planta as suas raízes seja nas ilhas atlânticas que são o seu berço seja na
diáspora.
A Terra fundindo-se com o ser humano e com a História
moldam-lhe indelevelmente a alma coletiva, que é outra forma de dizer a cultura
partilhada por todo um povo. Assomada é essa Terra, literal e metaforicamente
representando Cabo-verde. O passado, lembrado do presente através de
recordações conjuntas, a História.
Emerge um cabo-verdiano complexo, habituado à
seca, ferido pela injustiça, pobreza e violência de um passado colonial, marcado
pelo duro caminho da emigração, atirado para as barracas e para as prisões em
Portugal, herdeiro de uma encruzilhada, mas em plena afirmação altiva da sua
libertação, da sua cultura, da sua personalidade.
A harmoniosa integração / interação entre a
língua portuguesa e a língua cabo-verdiana resulta na perfeição nas passagens
em que o Poeta as junta.
Deixo uma passagem:
dos rostos soterrados
nos escombros dos prédios
implodidos demolidos
dos rostos escuros devolutos
nos bairros degradados
na promiscuidade das barracas
nas prisões sobrelotadas
nas ruas negras desterradas recentes
da pedreira dos húngaros da cova da moura
de santa Filomena da azinhaga dos besouros
das fontainhas de estrela de áfrica da bela
vista
nos estaleiros derruídos de alcântara
nas casernas nos andaimes
nas gruas nos guindastes
da Lisnave da cuf da jotapimenta
e outras ladeiras outras noites alongando-se
caminho longe gente gentio
de feições temperadas
e
olhar impenitente
Um poema extraordinário, de uma grande
riqueza vocabular, de imaginativas metáforas, que vai ao âmago da alma
cabo-verdiana e a trás dolorosamente, alegremente à superfície. Aqui se revela
e confirma um dos melhores poetas lusófonos da atualidade.
N'Zé Di Sant'y Águ é um dos múltiplos heterónimos
de José Luís Hopffer Almada (n. 1960), nascido em Pombal mas criado na cidade
da Assomada, ilha de Santiago, mais tarde estudou direito na cidade alemã de Leipzig,
jurista, personalidade polifacetada, ensaísta e comentador é um dos mais
destacados, originais e telúricos intelectuais cabo-verdianos da sua geração.
Saudações, encontrei esse blog e já amei as postagens, por mais blogs assim!
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