sábado, 9 de fevereiro de 2019

Sapiens


Sapiens – de Animais a Deuses de Yuval Noah Harari

Um livro muito bem escrito, acessível, empolgante, bem argumentado, mas em muitas áreas contraditório, acientífico, reducionista e muito pouco fundamentado.

Harari apresenta-nos aqui uma sintética, polémica e muito arrojada história da Humanidade, desde o tempo em que a terra era povoada por várias espécies humanas – o Neandertal e o Sapiens conviveram em tempos remotos – até aos dias de hoje em que, segundo a sua perspetiva, estamos à beira de nos transformarmos em deuses imortais.

A pouca História do livro mescla-se assim com a ficção científica e ergue-se sobre uma escolha seletiva e propositada dos factos passados que conduza à conclusão desejada.

Desde logo Harari afasta-se das teses do progresso da História defendendo a tese absurda de que em ao longo do tempo os acontecimentos se sucederam de forma aleatória sem direção definida, mas simultaneamente defende que de meros animais estamos a transformar-nos em deuses, depois de dominar as leis da física e da natureza. Eis como junta numa amálgama duas ideias contraditórias: a ausência de progresso e a evolução humana. Esta contradição entre a aleatoriedade e evolução está bem patente ao longo de toda a obra.

Polémica, mas arrojada, mas falsa é a ideia de que durante a Revolução agrícola, quando o ser humano primevo começou a cultivar a terra, foram os cereais a domesticar-nos e não o contrário. Em defesa da sua tese aponta a limitada superfície da terra em que os cereais cresciam nessa época e a área, muito mais vasta, coberta hoje por estas plantas. Os cereais teriam assim usado o ser humano para se expandir.

Tese interessante é a da unificação política e cultural da Humanidade sob a influência de três forças formidáveis: a religião, o mercado e os impérios. Novamente acreditando na aleatoriedade Harari defende que desde os tempos primitivos até hoje a Humanidade se tem estado a unificar e da imensa diversidade de religiões hoje apenas duas ou três (cristianismo, budismo e islamismo) reúnem os seres humanos, a cultura científica que hoje se impôs tem vindo a substituir as restantes culturas, e os impérios cada vez mais alargados (o romano limitado ao Mediterrâneo, a inglês em que o sol nunca se punha, e hoje o americano prestes a dominar todo o planeta).

Outra tese interessante é que o ser humano, através da biologia, da química e da genética está a beira de se tornar amortal (isto é que não morre, ou imortal). A verdade porém é que se bem que a esperança de vida tenha vindo a aumentar o facto permanece que mesmos os mais bem cuidados e acompanhados do ponto de vista clínico não têm ultrapassado os 110 anos, o que segundo muitos aponta para um limite natural do organismo humano.

Finalmente a transformação em deuses através da ciência, no sentido de: nos transformarmos em super-homens e de criar novas vidas na terra. A palavra deuses dá um relevo a factos que se estão a passar sob os nossos olhos. As plantas e animais geneticamente modificados estão já entre nós e o próximo passo será modificar o próprio ser humano. A criação de inteligências artificiais não orgânicas e a integração homem-máquina também despontam. Esses são desenvolvimentos reais que é preciso encarar e regular para que se não transformem em pesadelos, mas que não pressupõem a mudança de estatuto do ser humano – continuaremos a ser meros animais.

Muitas ideias interessantes e desafiantes, um livro imprescindível que deve ser lido, como todos, com espírito crítico.

1 comentário:

  1. Estou a ler neste momento Homo Deus, que parte da premissa que com a evolução da ciência e a adoção do humanismo nos estamos a tornar em deuses... só que esta mudança tem as sementes da sua autodestruição... embora a mais de metade, estou a adorar o livro.

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